Capítulo 69 - Dinheiro
Carlos acordou com o sol quente batendo suavemente no rosto e um frio na barriga de expectativa. Hoje era o último dia de janeiro, o dia de ver todo o lucro que haviam conquistado durante o mês. Com a venda do aço, os ganhos seriam exorbitantes. Era uma pena que os comerciantes não conseguissem suprir a demanda de ferro — por causa disso, o conversor e seus trabalhadores passavam a maior parte dos dias ociosos. Mesmo assim, apenas duas fornadas haviam resolvido todos os problemas econômicos do quilombo. O lucro com o aço superava todos os meses de trabalho com as roupas.
“A indústria pesada realmente dá muito mais retorno… Só que baixar o preço do aço vai baratear armas para nossos inimigos… Mas, quando eles conseguirem produzi-las, já teremos canhões e armas de repetição.”
Chegando à prefeitura, serviu-se de um chá perfumado de uma das garrafas e pegou um pão ainda quente, feito no quilombo com o trigo cultivado graças à magia de Tassi. Passou geleia doce e foi até sua sala como chefe do mocambo. Lá dentro, Aqua, a ministra das finanças, já o aguardava.
— Bom dia, Aqua. Cedinho hoje, hein? — cumprimentou, sentando-se à mesa.
Ela sorriu, os olhos brilhando.
— Claro! Também estou animada com os lucros deste mês.
Carlos acomodou a comida à sua frente e começou a comer enquanto Aqua apresentava o relatório.
— Basicamente, tivemos um lucro de quase 25 milhões de réis! Já nos gastos, só com a importação de ferro, chegamos a 9 milhões — e usamos quase todo o ferro do quilombo. Com isso, estaremos nadando em dinheiro, ainda mais agora que você incluiu seus gastos antes de mandar a parte para Zala… Ou era o que eu gostaria de dizer, mas imagino que você queira aumentar o salário de todo mundo, não é?
Carlos terminou o pão, ainda mastigando, e sorriu.
— Finalmente está me entendendo!
— Vamos aumentar salários, auxílios e gastos com alimentação dos agricultores em… vejamos…
Ele puxou uma folha e começou a rabiscar, fazendo contas.
— Vamos multiplicar tudo por vinte e cinco. O salário mínimo vai para 5 mil réis. Assim, finalmente pagaremos um valor digno, comparado ao das grandes cidades. Agora ninguém poderá dizer que exploramos a população do quilombo.
Continuou escrevendo, concentrado.
— Claro, os preços de tudo também vão subir. Mas, dessa forma, se alguém quiser sair daqui, poderá juntar dinheiro com facilidade. E mais: vamos começar a atrair imigrantes. Em breve, precisaremos de muito mais trabalhadores.
— A Nia está começando a fresadora e outras máquinas para produzir motores a vapor — só isso já é uma fábrica nova. Também estou trabalhando nas armas de repetição e aumentando a produção de produtos químicos em escala industrial. Vamos precisar de gente nas fábricas de armas, munições… Sem falar nos outros projetos que usam as máquinas a vapor.
Aqua ouviu com atenção antes de comentar:
— Você realmente é inimigo de deixar dinheiro parado.
— Ha ha ha! Dinheiro guardado é dinheiro não investido! Mas isso fica para depois. No momento… vamos construir uma estrada decente até o ponto de comércio com a Cidade Sagrada. Para isso, precisamos de mais 2 mil trabalhadores. Ainda há mil pessoas ociosas no quilombo que podem se interessar. O resto são agricultores ou gente mais velha, apegada ao modo de vida antigo. Vamos empregar o máximo possível e falarei com a chefe Maria para ver se no mocambo dela há quem queira trabalhar comigo. Afinal, a estrada vai passar perto.
Aqua sorriu, pegando a caneta.
— Parece um bom plano… — rabiscou alguns números — Considerando o aumento dos salários e os gastos com importação, vai sobrar quase 1 milhão de réis. E, descontando as despesas, teremos 685.550 réis para enviar a Zala.
Carlos esboçou um sorriso satisfeito.
— Agora sim, uma troca justa. Mas não se esqueça de incluir uma folha detalhando todos os gastos, para evitar reclamações.
Aqua juntou os papéis, mas fez uma cara de preocupação.
— Só um aviso: com o aumento dos lucros e dos gastos, o trabalho aqui aumentou demais. Preciso de mais assistentes que saibam ler e fazer contas.
Carlos suspirou.
— Quase todos os letrados já estão trabalhando aqui, e a escola ainda vai demorar para formar gente. Peço um pouco de paciência — vou pensar em alguma solução.
Ao ouvir isso, Aqua suspirou também e levantou-se.
— Está bem, chefe.
Ela saiu, deixando Carlos sozinho.
“Como resolver isso… Será que mais pessoas estariam dispostas a se mudar para o quilombo? A economia do Brasil nesta época não está boa — guerra recente, preço do açúcar caindo… O Espectro tem espiões. Se eu pedir a ele que espalhe que a vida no quilombo é boa e que o salário base é de cinco mil réis… Pode funcionar. E isso já serve como filtro — nenhum racista ou dono de escravos viria morar num quilombo.”
No dia seguinte, no mocambo, Jorginho se juntou a quase mil pessoas nas filas da prefeitura para receber o salário. Havia várias filas: uma para pedreiros, outra para a indústria, e uma última — na qual ele estava — para quem trabalhava com “serviços”. Ele não entendia bem por que vender sorvete era serviço, mas sabia que, se errasse de fila, os funcionários o fariam voltar ao final da correta.
Dessa vez, porém, notou algo diferente: todos à frente pareciam eufóricos ao receber o pagamento, muito mais que o normal.
Jorginho ficou curioso, até que chegou sua vez. Quem pagava era um dos assistentes da prefeitura.
— Sou o Jorginho.
O auxiliar, desajeitado, percorreu a lista murmurando:
— Jorginho… Jorginho… Ah, achei! Oito mil réis de salário.
Jorginho arregalou os olhos.
— Oito mil réis?! Acho que houve engano, moço.
O assistente, acostumado com a reação, nem se abalou.
— O chefe Carlos aumentou o salário de todos em vinte e cinco vezes! O mínimo agora é 5 mil réis, mais mil por saber ler, mais mil por escrever e mais mil por usar as gemas de gelo e ferro. No total, deu 8 mil!
Jorginho ficou boquiaberto. Tremendo, pegou o saquinho de dinheiro que outro assistente entregou.
“Isso é mais do que eu ganhava como comerciante no mês inteiro!”
Já ia saindo quando o auxiliar o chamou:
— Espere, esqueci de um detalhe! Você tem uma filha, certo? Para manter esse salário, ela terá de ir à nova escola aprender a ler e escrever. As aulas começam dia 5!
Jorginho acenou com a cabeça.
“Já a matriculei. Sendo filha de comerciante, é bom que siga meu caminho… Embora eu preferisse tê-la ajudando na sorveteria, mas o chefe é contra.”
Pensativo, saiu devagar, mas logo apressou o passo. Dirigiu-se à primeira loja aberta que viu, animado para comprar roupas novas para a mulher.
Mal entrou, porém, percebeu: tudo havia aumentado de preço. E não era só ali — em todos os lugares! Desanimado, voltou para casa e guardou o dinheiro. A esposa não estava — conseguira trabalho na prefeitura. A filha estava com uma cuidadora do mocambo, mas em breve começaria na escola.
Depois de guardar o dinheiro, foi para a sorveteria, para que Nala pudesse receber seu salário também.
Como era dia de pagamento, muitos foram comprar sorvete — e todos estranharam os preços novos. O mesmo acontecia no restaurante. Mesmo assim, Jorginho fizera as contas no pouco tempo livre que tivera: mesmo com a alta, em termos relativos, ainda estavam ganhando mais.
Ao final do dia cansativo, chegou em casa e encontrou a esposa debruçada sobre a mesa, exausta.
— Jorginhoooo! Não aguento mais! O trabalho na prefeitura está enorme. Cheguei na pior hora — tive que ajudar a pagar todo mundo! E ainda vieram reclamar do aumento dos preços, como se a culpa fosse nossa! Nem é culpa do chefe; tudo aqui estava sendo vendido abaixo do mercado. Mesmo com a alta, com nosso salário maior que nas cidades grandes, comida e restaurante ainda saem mais baratos aqui.
Jorginho aproximou-se e começou a massagear suavemente seus ombros.
— Humm… obrigada… — ela suspirou, relaxando. — Sabe, faz tempo que a gente não se vê de verdade… Que tal a gente tentar mais um filho?
Ela se virou, tocando em sua mão.
Mas foram interrompidos pela porta se abrindo: era Carlinha, que acabara de chegar.

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