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    A luz da manhã filtrada pela janela iluminava a mesa de Carlos de relatórios e cálculos riscados com força. Ele passou a manhã inteira debruçado sobre o mesmo problema: a falta crônica de mão de obra qualificada. Ensinar o povo do zero ou atrair imigrantes especializados eram soluções de longo prazo, e ele precisava de algo agora.

    Esfregando os olhos cansados, ele sussurrou para os papéis: — Isso não vai dar certo… Pelo menos, não com a prefeitura tentando controlar tudo com mão de ferro.

    O aroma forte de seu chá já frio enchia o ar. Ele o empurrou para o lado, e um novo pensamento acendeu em seus olhos.

    — Nosso dinheiro agora vem do aço… e nosso preço é competitivo. Por que continuar me intrometendo no preço de cada prego e do pão? — Ele bateu o punho suavemente na mesa, decidido. — É isso. Essa é a solução.

    Sem perder tempo, ele se levantou e chamou: — Aqua! Pode vir aqui um instante?

    Sua ministra das finanças apareceu na porta, com olheiras e uma pilha de papéis nos braços.

    — Carlos, pelo amor de Deus, estou enterrada em trabalho. O que foi?

    — Justamente sobre isso que quero falar. Vem, senta. — Ele puxou uma cadeira para ela. — Quero diminuir sua carga de trabalho.

    Um leve sorriso, mistura de esperança e ceticismo, surgiu no rosto de Aqua. — Aham. E como você planeja fazer essa mágica?

    Carlos apontou para um diagrama em sua mesa. — Vamos nos focar apenas no essencial: indústria e construção pesada. A parte de serviços — as vendinhas, os bares, as lojas— não vamos mais tabelar preço. Vamos deixar o livre mercado cuidar disso!

    Aqua balançou a cabeça, mais interessada na promessa de alívio do que no conceito econômico. — Livre mercado… bom, se isso significa menos planilhas para mim, eu apoio. Mas, e as lojas da prefeitura? Quem vai cuidar delas?

    — Simples — Carlos explicou, animado. — Vamos vendê-las para quem quiser comprar. Como nem todo mundo tem dinheiro, vamos vender a juros baixos. Além disso, quando terminarmos de construir as lojas de alvenaria, a loja se mudará para lá sem custo adicional.

    Aqua pegou os papéis, examinando os números. O cheiro de tinta fresca e papel envelhecido era forte. — Entendo… — ela murmurou, pensativa. — Isso realmente simplificaria muita coisa. Está certo, faremos isso.

    Ela se levantou para ir, mas a voz de Carlos a deteve. — Espera, tem mais uma coisa. Precisamos criar alguns impostos. Só para garantir que, se um dia as exportações de aço caírem, a gente não quebre.

    Ele entregou-lhe outra folha. — Quero apenas impostos progressivos. Eles que afetam mais quem tem mais. No momento, não temos ninguém realmente rico aqui, mas se o plano der certo, no futuro teremos.

    Aqua leu os itens listados:

    Imposto de Renda Progressivo;

    Imposto sobre Patrimônio e Riqueza;

    Imposto sobre Heranças;

    Imposto sobre Lucro das Empresas;

    “Não sei muito sobre essas coisas”, Carlos pensou, observando-a ler. “Não tinha nenhum livro sobre o assunto, tive que tirar tudo da memória. Mas uma coisa eu sei: não vai ser como no meu Brasil antigo, onde no fim quem sempre pagava a conta era o mais pobre, aqui não vai ter imposto sobre consumo.”

    Aqua mordiscou o lábio, ponderando se aquilo de fato simplificaria ou complicaria sua vida. Mas a lembrança do inferno que era recalcular o preço do sabão e do queijo toda semana a fez ceder. — Certo, chefe. Aplicarei isso agora mesmo!

    Ela pegou os papéis e se dirigiu à porta, mas a voz de Carlos a alcançou mais uma vez. — Quase me esqueci! Com tantas mudanças, novos problemas vão surgir. Por isso, estou criando um novo ministério. Pode me mandar alguns dos seus ajudantes? Não muitos. Eu serei o ministro, só preciso de uma ajuda.

    — Vai tirar meus ajudantes mais preciosos? — ela reclamou, mas sem verdadeiro rancor. — Tudo bem, vou mandar alguns para você.

    Minutos depois, Carlos, agora com uma xícara de chá quente fumegante nas mãos, via seu escritório ser invadido por um pequeno grupo de auxiliares. Entre eles, destacava-se uma recém-chegada ao quilombo: Fernanda. Seus olhos eram alertas e ávidos, e ela ainda carregava no rosto a sombra magra da fome que escapara com a filha.

    — Sentem-se, por favor — Carlos disse, indicando as cadeiras. — Pessoal, vamos criar o Ministério do Trabalho. A função é simples, mas vital: impedir que crimes contra os trabalhadores sejam cometidos. Vamos criar as leis e vamos ouvir denúncias anônimas sobre patrões que não as cumprirem.

    Ele fez uma pausa dramática, deixando suas palavras ecoarem na sala abafada.

    — E quem se destacar nesse trabalho… poderá se tornar o próximo Ministro do Trabalho.

    Os olhos de todos brilharam, mas os de Fernanda incendiaram-se. Aqua a havia mandado justamente por ser esforçada e demonstrar um potencial feroz. Aquela era sua chance de garantir um futuro seguro para sua filha.

    Carlos mostrou uma folha com os tópicos principais:

    “Salário Mínimo de 5.000 réis – Ninguém pode trabalhar por menos que isso.

    Escala de trabalho de 36 horas semanais; com horas extras pagas até o limite de 44 horas.

    Proibição total do Trabalho Infantil.”

    “Outra coisa que quero mudar”, ele pensou, olhando para o grupo. “Não quero ninguém se matando de trabalhar numa escala 6×1, com horas extras que sugam a sua alma. Já vivi isso, e não recomendo a ninguém. Por isso, nesse novo Brasil que estamos construindo, a escala padrão será de 36 horas!”

    A discussão se estendeu pela tarde, com perguntas e ideias fervilhando no ar. Após despachar o grupo, Carlos dirigiu-se ao mocambo da Serra para encontrar Espectro.

    O centro de treinamento cheirava a suor, terra e metal. Espectro o recebeu com sua postura habitual, um rosto de pedra e voz firme. — Bom dia, Carlos. O que te traz até minha fortaleza?

    — Tenho uma teoria — Carlos começou, os olhos cintilando. — Acho que descobri uma forma de as habilidades com gemas mágicas evoluírem além do treino físico.

    O interesse imediato acendeu uma chama atrás da impassibilidade de Espectro. — Sério? — ele inclinou-se para a frente. — Me conte tudo. Vamos para a minha sala.

    A sala de Espectro era um arsenal silencioso. Armas mágicas de todos os tipos penduradas nas paredes refletiam a luz fraca. Carlos, sentando-se com um pouco de apreensão, contou como Tassi havia se tornado mais poderosa ao aprender sobre as necessidades do solo e das plantas.

    Espectro ficou em silêncio, a mão no queixo. — E se foi apenas sorte? Um acaso?

    — Não sei — admitiu Carlos. — Por isso vim até você. Para que você e seus guerreiros possam testar se há verdade nisso.

    — Mas como? Meus soldados são combatentes, não eruditos.

    — É simples: mande-os para a escola à noite. Mesmo um conhecimento básico do mundo, de química, de biologia… pode gerar uma epifania.

    Foi então que o próprio Carlos teve sua epifania. Os olhos se arregalaram.

    — Espera… A Papisa, antes era um homem, não era? E ela usa a Gema da Alteração para restaurar membros… mas será que ela pode mudá-los também? Alterar a forma? Por isso ela é tão obcecada por livros de anatomia sobre o corpo humano?

    Diante daquela teoria, a desconfiança de Espectro se transformou em puro interesse. — Isso… faz um sentido perverso. Por que chamar de ‘Gema da Alteração’ se ela aparentemente só restaura? Parece quase que… a Papisa quer que alguém descubra sua verdadeira capacidade.

    A conversa fluiu por mais uma hora, até que Carlos, tomado por uma animação contagiante, se despediu e voltou correndo para o seu mocambo, indo direto para a igreja.

    — Padre Antônio?

    O padre, que estava sentado em um banco de madeira áspera, imerso em oração, sobressaltou-se. — Carlos? Alguém se machucou?

    — Nada disso, padre. — Carlos respondeu, ainda ofegante. — Só gostaria que você mandasse uma carta para a Papisa, junto com as suas outras.

    Depois de repassar a mensagem, com o estômago roncando, Carlos foi ao restaurante público — um dos poucos estabelecimentos que a prefeitura manteria, para garantir comida a preço justo aos trabalhadores. O cheiro de feijão e carne seca enchia o ambiente aconchegante.

    Saciada a fome, seu próximo destino foi o laboratório. Davi já estava lá, como de costume. De manhã, o jovem devorava os livros de química que Carlos imprimia; à tarde, botava a mão na massa.

    — Conseguimos, Carlos! — anunciou Davi, orgulhoso, apontando para um frasco com líquido transparente. — O ácido nítrico está pronto. Agora, com os dois ácidos…

    — Agora podemos fazer a nitrocelulose — Carlos completou, um sorriso perigoso nos lábios. — A pólvora sem fumaça.

    Com movimentos lentos e precisos, ele mergulhou bolinhos de algodão nos ácidos, sua voz baixa e grave. — Cuidado, Davi. Qualquer impacto, qualquer queda… e isso pode nos mandar pelos ares. Por isso, depois de mergulhar, temos que lavar muito bem com água para neutralizar o ácido residual.

    Foi um trabalho meticuloso e tenso que ocupou toda a tarde. Quando a primeira leitura de nitrocelulose estável foi confirmada, Carlos, exausto mas vitorioso, deixou Davi limpando os equipamentos e saiu em direção à oficina de Nia.

    O som ritmado de um martelo batendo em metal guiou seus passos. Ele a encontrou diante de uma fresadora, moldando uma peça de aço incandescente com uma habilidade que parecia bordar com metal. O calor do ambiente era intenso.

    Carlos esperou ela terminar, o som do metal sendo temperado em água sibilando no ar.

    — Nia, olha só — ele disse, animado, estendendo uma pasta com diagramas. — Chegou a hora! Vamos fazer canhões! Finalmente tenho a pólvora sem fumaça. Com o nosso aço, podemos fabricar peças de qualidade!

    Nia, com o rosto suado e cansado, olhou para os papéis e sua fadiga pareceu evaporar. — Sério? — seus olhos brilharam com um entusiasmo feroz. — Bem que eu estava com vontade de fazer algo que faça barulho!

    Ela quase arrancou os esquemas da mão de Carlos. — Vou começar a trabalhar nisso agora mesmo. Um pouco de variedade no trabalho só faz bem.

    Carlos não a impediu. Após os recentes ataques, uma nova arma de fogo, poderosa e visível, faria maravilhas pelo moral de todos. O único problema, ele sabia, era a produção em massa da nitrocelulose. Ainda era um processo artesanal, perigoso e lento. Mas para os primeiros canhões protótipos… era mais do que viável.

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