Capítulo 03: Expedição na Fronteira
O rosto duro e escuro da cabeça de bode de madeira encarava Duncan, que estava sentado atrás da mesa de navegação. Os olhos de obsidiana incrustados no ornamento pareciam refletir uma luz enigmática — embora o objeto não tivesse a capacidade de expressar emoções, Duncan podia jurar que via uma expressão de expectativa na face de madeira.
Na verdade, não foi a primeira vez que a cabeça de bode o instigou a ‘zarpar’. Sempre que Duncan chegava à cabine, o ornamento repetia esse pedido.
Ele até sentia que o próprio navio o pressionava constantemente, como se quisesse que ele terminasse o que chamava de deriva sem rumo e iniciasse logo a navegação de volta ao caminho correto.
Mas Duncan permaneceu em silêncio. Sua expressão, marcada por uma gravidade natural, estava coberta de sombras enquanto ele refletia. Claramente, dois problemas estavam pesando em sua mente:
Primeiro, ele estava sozinho a bordo, e o tamanho do navio era absolutamente descomunal. O Banido parecia ter entre 150 e 200 metros de comprimento, segundo a estimativa aproximada de Duncan. Para operar uma embarcação tão gigantesca, especialmente movida a velas, seriam necessários pelo menos dezenas, senão centenas, de marinheiros experientes. Como ele poderia manejá-lo sozinho?
Segundo, além do problema técnico, havia outra barreira fundamental para sua viagem: ele não sabia como navegar um navio.
Esse pensamento o deixou ainda mais inquieto. Duncan até se perguntou como seria pedir para a cabeça de bode uma lição básica sobre pilotar um navio. A mera ideia tornou sua ansiedade ainda mais palpável.
A cabeça de bode, entretanto, parecia alheia às preocupações do capitão. Continuou falando:
“Capitão, algo o preocupa? Se está ansioso com as condições do Banido, não há com o que se preocupar. Este navio está sempre pronto para acompanhá-lo até o fim do mundo. Ou será que você acredita que hoje não é um dia auspicioso para zarpar? Tenho conhecimento básico de adivinhação, caso você prefira astrologia, incenso ou cristais. Falando em cristais, você se lembra…”
Duncan manteve uma expressão rígida, reprimindo o impulso de lutar contra a cabeça de bode naquele momento. Forçando-se a falar em um tom calmo, ele interrompeu:
“Vou até o convés observar a situação. Fique aqui e mantenha-se em silêncio.”
“Certamente, Capitão. Mas devo lembrá-lo de que o Banido já está à deriva por muito tempo. Você precisa assumir o comando e trazer a viagem de volta ao curso certo…”
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A cabeça de bode disse isso antes de se acomodar novamente em sua posição inicial com um rangido de madeira.
Naquele instante, Duncan sentiu como se o mundo tivesse finalmente ficado em silêncio.
Ele respirou profundamente, sua mente exausta começando a se acalmar. Pegando a pistola de pederneira que estava na mesa, levantou-se e saiu da cabine do capitão.
Aquela pistola de aparência antiga era algo que ele havia encontrado enquanto explorava o navio. Junto com a pistola, também havia uma espada curta, que agora estava presa em sua cintura. Esses dois itens eram sua garantia de segurança enquanto se movia pelo navio.
Nos últimos dias de exploração, Duncan gastou bastante tempo aprendendo a usar a pistola e a espada que encontrou no navio — mesmo que, até agora, não tenha encontrado nenhum outro ser vivo a bordo.
Claro, objetos falantes não contam.
O vento salgado e fresco soprou em seu rosto, acalmando sua mente inquieta. Ele saiu da cabine do capitão e pisou no convés, erguendo a cabeça para observar o céu instintivamente.
Nuvens densas e escuras continuavam a cobrir todo o firmamento. Não havia sol, lua ou estrelas visíveis — apenas uma luz turva iluminava o vasto e sem fim oceano.
Essa paisagem permanecia inalterada há muito tempo. Desde o dia em que Duncan chegou ao navio, esse era o único céu que ele via. Isso o fazia questionar se esse mundo sequer possuía condições meteorológicas normais. Talvez esse céu encoberto fosse um estado eterno nesta região do mar.
Duncan virou-se, e seu olhar pousou na porta da cabine do capitão, que estava ali, imóvel. Acima da porta, na viga, uma frase estava gravada em um alfabeto desconhecido. Quando ele fixou os olhos na inscrição, o significado das palavras surgiu claramente em sua mente:
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⦗A Porta dos Perdidos⦘
“A Porta dos Perdidos… Banido”, Duncan murmurou para si mesmo, com um tom irônico. “Este navio tem, de fato, um bom nome.”
Depois disso, ele deu a volta na cabine e subiu pelas escadas que levavam ao convés superior, localizado na popa do navio. Era uma plataforma de madeira com a visão mais ampla de toda a embarcação, exceto pela cesta de vigia.
No centro da plataforma, um pesado leme preto esperava silenciosamente pela chegada de um timoneiro.
Duncan franziu a testa. Por alguma razão, ele foi tomado por uma sensação repentina de urgência e ansiedade assim que seus olhos pousaram no leme. Era uma sensação que ele nunca havia experimentado nas visitas anteriores a este lugar.
Quase como se respondesse à sua inquietação, um vento inesperado e turbulento soprou sobre o convés, e a superfície calma do mar começou a se agitar com ondas repentinas. Embora as rajadas não fossem fortes o suficiente para afetar o enorme Banido, Duncan sentiu um alarme interno soar em sua mente. Instintivamente, ele olhou para a proa do navio.
Na direção para onde o navio estava navegando, emergindo da linha indistinta entre o céu e o mar, uma parede de névoa branca aparentemente infinita e colossal surgiu de repente. A visão fez os olhos de Duncan se arregalarem.
Aquela era uma névoa que parecia circundar e isolar todo o mundo, erguendo-se como uma barreira colossal que conectava o céu e a terra. No entanto, mais do que sua escala impressionante, o que mais o alarmou foi o fato de que a névoa lhe lembrava imediatamente da mesma névoa sem fim que ele via pela janela de seu apartamento!
O Banido estava navegando diretamente em direção àquela parede de névoa!
Duncan não sabia o que aquela névoa era, tampouco o que havia em seu interior. Mas instintivamente, ele sentiu um perigo iminente. Seu instinto de sobrevivência gritava que ser engolido por aquela névoa era uma ideia terrível.
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Sem pensar, ele correu para o leme no convés superior. Um sentimento esmagador de impotência pesava sobre ele: mesmo que ele assumisse o leme, como poderia, sozinho, desviar um navio tão colossal daquela parede de névoa?
Ainda assim, ele agiu por puro instinto e se posicionou diante do leme. No mesmo instante, ouviu uma voz rouca e sombria vindo do tubo de cobre que conectava a cabine do capitão ao leme. Era a cabeça de bode — e, pela primeira vez, o tom do ornamento parecia carregado de preocupação:
“Capitão, estamos nos aproximando do colapso da fronteira! Estamos à beira do limite da realidade! Por favor, ajuste o curso imediatamente!”
Ouvindo a voz desesperada da cabeça de bode, Duncan quase explodiu em xingamentos — ajustar o curso? Fácil de dizer! Por que você não invoca umas cem pessoas experientes para operar este navio no meu lugar agora mesmo?
Ele levantou os olhos na direção dos mastros e viu apenas postes nus se projetando do convés. Sua sensação de desamparo aumentou — nem se tratava de içar as velas, já que o navio nem sequer tinha velas! Aqueles mastros estavam completamente vazios!
Sua mente estava tão agitada que ele nem teve tempo de refletir sobre os estranhos termos usados pela cabeça de bode. Seguindo apenas o instinto, ele agarrou o leme diante de si, que tremia levemente por alguma razão desconhecida.
Era a primeira vez, em todos aqueles dias, que Duncan colocava as mãos voluntariamente no leme do Banido. Antes disso, as peculiaridades sobrenaturais do navio e os insistentes pedidos da cabeça de bode o mantiveram cauteloso e resistente à ideia de assumir o controle. Agora, ele não tinha outra escolha.
Ele segurou firmemente o leme, sem sequer ter tempo de pensar em como, sozinho, poderia operar um navio fantasma tão vasto.
A transformação ocorreu no instante seguinte.
Uma explosão de sons, como gritos e aplausos, ecoou na mente de Duncan. Era como se milhares de pessoas estivessem reunidas na costa, ovacionando o navio. Parecia que centenas de marinheiros chamavam seu nome no convés, enquanto uma melodia sombria, como uma antiga canção marítima, se misturava ao rugido das ondas invisíveis.
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Um brilho verde emergiu na borda de sua visão. Instintivamente, ele olhou para suas mãos e viu uma chama esverdeada brotar do leme do Banido, rapidamente se espalhando em direção a ele. Num piscar de olhos, as chamas cobriram todo o seu corpo.
No fogo abrasador, sua carne mortal tornou-se translúcida e etérea. O uniforme de capitão, antes impecável, parecia agora encharcado e desgastado como se tivesse passado séculos submerso no mar. Por baixo da pele fantasmagórica, Duncan vislumbrou seus ossos — brilhantes como jade, com chamas dançando neles. O fogo fluía por seu corpo como água corrente.
No entanto, ele não sentia dor ou calor. Em meio às chamas intensas, sentia sua percepção se expandir em todas as direções.
As chamas se espalharam rapidamente, descendo do leme para o convés, cobrindo as bordas do navio, os mastros e a estrutura ao redor. O fogo parecia tecer uma rede, ascendendo como um respirar lento, até alcançar os mastros desprovidos de velas. As chamas subiram pelos mastros e, no espaço entre o céu e o mar, transformaram-se em enormes velas feitas de névoa e luz.
O Banido içou suas velas pela primeira vez, enfrentando a fronteira da realidade que desmoronava diante dele.
Capítulo revisado 22/01/2025.
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