Capítulo 06: A Carga Desaparecida
O sino de reunião ecoou pelo navio. Logo após o toque urgente, ouviam-se os passos confusos e apressados dos marinheiros. Enquanto isso, Lawrence permaneceu na cabine de comando com o segundo imediato e o sacerdote, que ainda lutava para recuperar o fôlego.
O velho capitão olhou para o mar pela janela. O Carvalho Branco ainda estava na profundidade do plano espiritual. Do lado de fora, o oceano permanecia envolto em névoa, e a água, negra como tinta. Contudo, a tempestade havia cessado, e o assustador Banido havia desaparecido — o que dava a falsa impressão de que a tempestade e até o colapso da fronteira da realidade haviam sido causados por aquele navio fantasma. Agora que ele se fora, parecia que todos os desastres haviam desaparecido com ele, afastando-se do Carvalho Branco.
Lawrence se lembrou das terríveis lendas sobre o Banido e seu capitão, Duncan Abnomar. Pensou na frota que, mais de um século atrás, foi engolida pela fronteira da realidade e nos incontáveis navios que afundaram nas profundezas abissais após cruzarem com o Banido. Subitamente, tudo parecia muito plausível.
Mas, de qualquer forma, o Banido havia partido. As águas ao redor estavam temporariamente calmas. Embora o navio ainda estivesse em uma perigosa profundidade do plano espiritual, Lawrence e sua tripulação haviam ganhado um momento para respirar.
Agora, Lawrence precisava confirmar o que o Banido havia levado do Carvalho Branco — ou o que ele havia deixado para trás.
E precisava fazer isso o quanto antes.
Sem eliminar todos os riscos, ele não ousaria permitir que o navio emergisse de volta ao mundo real. Certas coisas trazidas do plano espiritual poderiam causar uma poluição terrível no mundo real. Mas, ao mesmo tempo, permanecer por muito tempo na profundidade do plano espiritual poderia causar danos irreversíveis a ele e a sua tripulação.
Ouvindo o barulho e os gritos no convés, Lawrence ergueu a cabeça de seus pensamentos. Ele olhou para o sacerdote sentado ao lado do incensário, cuja expressão já estava um pouco melhor, e perguntou com um tom grave:
“Sr. Rowan, qual é o nosso nível de estabilidade agora?”
O sacerdote tossiu duas vezes antes de tirar de dentro de seu manto uma pequena e requintada bússola, decorada com símbolos marítimos e sagrados. Com um clique, abriu a tampa metálica. Assim que o fez, o ponteiro da bússola começou a girar rapidamente, antes de finalmente se estabilizar em uma posição.
“Estamos na camada superficial do plano espiritual, ligeiramente próximos ao mundo real. A influência das Profundezas Abissais… é extremamente fraca”, o sacerdote observou a bússola, mas, ao mesmo tempo, sua expressão demonstrava confusão. “Estranho… estamos completamente estabilizados aqui. Mesmo sem os artefatos sagrados ativos, não estamos afundando… cof cof…”
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“Talvez o impacto com o Banido tenha, de alguma forma, nos empurrado para uma rota segura”, Lawrence comentou com um sorriso amargo, tentando aliviar o clima com uma piada. “Já ouvi falar de pontos de equilíbrio sutis no plano espiritual, onde as coisas do mundo real ficam livres de serem arrastadas para camadas mais profundas.”
“Capitão, essa piada foi fria demais”, respondeu o sacerdote, tossindo mais uma vez. Embora estivesse respirando melhor, ainda não parecia completamente recuperado. “De qualquer forma, o que aconteceu hoje deve ser relatado à Igreja… O aparecimento do Banido não é algo trivial. Nos últimos anos, sempre que surgiram relatos sobre encontros com o Banido, eles acabaram sendo descartados como devaneios de marinheiros ou ilusões coletivas causadas por fenômenos descontrolados. Mas hoje, nós o vimos com nossos próprios olhos… Que a Deusa nos proteja. Depois que voltarmos a Pland, sugiro que se prepare para ficar um bom tempo sem navegar.”
“Entendido. Seja a Igreja ou as autoridades da cidade-estado, ninguém permitirá que um navio que passou por um desastre sobrenatural retorne ao mar tão cedo. É uma medida de segurança, e compreensível. Além disso, tenho que reportar não apenas à Igreja e à cidade-estado, mas também à Associação de Exploradores… e, claro, à minha assustadora esposa”, Lawrence suspirou profundamente, pressionando as têmporas antes de acenar com a mão. “Chega de falar sobre isso. O senhor precisa descansar. Até chegarmos ao porto, precisaremos da bênção da Deusa a bordo.”
O sacerdote assentiu levemente. Pouco depois, o imediato, que havia saído para verificar a tripulação, retornou à cabine de comando.
“Não falta ninguém no navio, nem há pessoas a mais”, relatou o imediato assim que entrou, sem esperar que o capitão perguntasse. “Eu mesmo examinei os marinheiros reunidos no convés e também fui até a sala das caldeiras verificar os maquinistas. Todos conseguiram recitar corretamente os nomes das divindades em que acreditam. São todos vivos, sem dúvida.”
“Não falta ninguém?” Lawrence arregalou os olhos. Aquilo deveria ser uma boa notícia, mas ele simplesmente não conseguia acreditar. “E o farol sagrado? Está tudo certo lá?”
“Os artefatos estão em perfeito estado”, confirmou o imediato com um aceno. “Os navegadores estão preparando o incenso e os óleos essenciais, aguardando suas ordens para reativar o farol.”
Lawrence ouviu o relatório com incredulidade, murmurando baixinho para si mesmo:
“… Ele realmente deixou este navio em paz?”
“A sorte está do nosso lado, capitão”, disse o imediato, dando de ombros. “Não perdemos nada. Talvez aquele terrível capitão fantasma estivesse apenas passando, ou talvez o choque tenha sido um acidente.”
“Você acredita nisso?” Lawrence lançou um olhar severo ao imediato. “Se a sorte estivesse realmente do nosso lado, nem teríamos encontrado aquele navio…”
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Ele mal terminara de falar quando passos apressados ecoaram do lado de fora. Logo, a porta da cabine de comando foi escancarada, revelando o contramestre ofegante, o rosto do homem alto marcado pelo terror.
“Capitão! A Anomalia 099 desapareceu!!”
A cabine ficou imediatamente em silêncio. Todos trocaram olhares alarmados. No entanto, de forma inesperada, Lawrence, após o choque inicial, sentiu um estranho alívio.
Finalmente, algo estava errado após o encontro com o Banido. Isso fazia tudo parecer… mais certo.
Mas ele rapidamente reprimiu qualquer sinal de satisfação em seu rosto, assumindo uma expressão séria. Enquanto caminhava para a porta, deu ordens urgentes ao imediato para assumir o leme e instruiu o contramestre a guiá-lo.
Os passos ecoavam pelos corredores da embarcação. Em pouco tempo, guiado pelo contramestre, Lawrence chegou à parte mais profunda do Carvalho Branco.
Uma sala especial estava diante dele.
A porta era pesada e negra, repleta de símbolos místicos gravados em sua superfície. Parecia ter sido forjada em uma única peça de ferro negro. Os intrincados símbolos corriam das bordas da porta até as paredes do corredor, formando, aparentemente, uma espécie de ‘gaiola’ destinada a conter o que estivesse dentro daquela sala.
Lawrence examinou a porta cuidadosamente, confirmando que ela, assim como os símbolos ao redor, estavam intactos. Ele ergueu os olhos para o teto — a sala onde o farol sagrado estava instalado ficava logo acima da câmara selada. Aquele artefato era a principal proteção contra as influências do ‘profundo’ e também funcionava como uma segunda camada de segurança para a câmara selada. Mesmo desativado, o farol deveria ser suficiente para garantir a integridade das barreiras.
No entanto, mesmo com ambas as camadas de proteção intactas, o conteúdo da sala — a carga mais importante que o Carvalho Branco transportava nesta viagem, a Anomalia 099, o Caixão da Boneca Espiritual — havia desaparecido.
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Lawrence respirou fundo, aproximou-se e empurrou a pesada porta da câmara selada, abrindo-a com esforço.
No interior da sala, as luzes estavam totalmente acesas. As lâmpadas a gás penduradas nas quatro colunas iluminavam cada canto do ambiente, sem deixar espaço para sombras. Contudo, o que deveria estar no centro do aposento — a ‘carga’ — havia desaparecido. O que restava eram correntes espalhadas em cruz e um pouco de cinzas esbranquiçadas no chão.
A voz do contramestre veio de trás de Lawrence:
“De acordo com os protocolos de contenção da Anomalia 099, esta sala deveria permanecer sempre iluminada. A cada duas horas, um tripulante era responsável por entrar aqui, reforçar as correntes em volta do ‘caixão espiritual’ e espalhar mais cinzas no chão. Mas, no momento em que aquela… embarcação fantasma apareceu, por causa da confusão, o marinheiro responsável pelo turno atrasou cerca de sete minutos. Quando ele finalmente entrou, descobriu que a Anomalia 099 havia sumido…”
“Sete minutos de atraso não seriam suficientes para que aquilo perdesse o controle”, respondeu Lawrence, franzindo as sobrancelhas e balançando a cabeça. “O máximo que poderia acontecer seria o enfraquecimento da contenção, talvez algumas anomalias menores. No pior dos casos, o caixão poderia começar a ‘andar’ pela sala — mas as múltiplas camadas de selos e o farol sagrado que protege a câmara não são decorativos.” Ele respirou fundo, concluindo: “O que temos aqui é algo diferente: o objeto deixou a embarcação. Isso não foi culpa do marinheiro.”
O contramestre, ainda tenso, hesitou antes de perguntar:
“Então o que aconteceu, capitão? Sua teoria é que…”
“Foi o Banido”, Lawrence respondeu com firmeza. “Aquele ‘capitão’ levou a Anomalia 099.”
Ele fez uma pausa, suspirou levemente e acrescentou:
“Talvez devêssemos nos sentir aliviados. O Banido só leva o que deseja. O capitão estava atrás da Anomalia 099, e não das nossas vidas.”
O contramestre olhou para o capitão, depois para a câmara vazia, hesitando antes de perguntar:
“Mas… com a perda de algo tão importante, como vamos explicar isso às autoridades da cidade-estado?”
Lawrence lançou um olhar firme ao contramestre e deu-lhe um tapinha forte no ombro.
“O Banido é considerado uma força maior. Temos seguro marítimo para situações assim.”
“… Seguro cobre isso?” perguntou o contramestre, incrédulo.
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“Se não cobrirem, faremos a Associação de Exploradores emitir uma nova recompensa pelo Banido.”
“Capitão, você parece um pouco estressado…”
“Silêncio”, Lawrence interrompeu.
Capítulo revisado dia 24/01/2025.
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