Índice de Capítulo

    “Capitão, tem certeza de que isso não vai dar problema?”

    Alice olhava nervosamente para a pequena chama na mão de Duncan. Seus dedos inquietos puxavam a renda na borda de seu vestido, e sua voz estava carregada de preocupação.

    “Só não queime minha casa…”

    Duncan segurava a Chama Espiritual, examinando a superfície do caixão de Alice enquanto procurava o melhor ponto de contato. Sem desviar o olhar, lançou para a boneca um olhar de leve exasperação.

    “Minha chama está completamente sob controle—ou será que você não confia na minha habilidade?”

    Alice imediatamente balançou as mãos, tentando se explicar:

    “Confio! Confio sim!”

    Só então Duncan voltou sua atenção para o caixão, respirando fundo para se concentrar.

    Mesmo com as limitações do Banido, ele não poderia realizar um teste completo no caixão de Alice ali. Mas isso não significava que não pudesse realizar algumas pesquisas preliminares.

    Seu controle sobre a Chama Espiritual estava se refinando cada vez mais—ao ponto de ele começar a vislumbrar formas de usá-la para investigar os segredos internos dos objetos sobrenaturais.

    Ele ainda não ousava testar esse método em Alice diretamente, mas…

    Se fosse o caixão, então seria uma história diferente.

    Após se preparar mentalmente, Duncan lentamente estendeu a mão. A chama verde-espectral em sua ponta deslizou até tocar a superfície ornamentada do caixão.

    A chama se fundiu com a madeira como se fosse um reflexo fantasmagórico, mergulhando silenciosamente no interior do objeto.

    Alice arregalou os olhos, observando a cena com intensa curiosidade e apreensão.

    Dois ou três segundos se passaram em total silêncio—então, de repente, uma onda de fogo ilusório explodiu em seu campo de visão!

    A Chama Espiritual se alastrou pelo caixão, queimando de dentro para fora!

    Num piscar de olhos, o ataúde adquiriu uma translucidez surreal. Dentro dessa visão fantasmagórica, as chamas traçavam um intrincado contorno de sua estrutura interna, como se estivessem reconstruindo seu ‘esqueleto’ invisível!

    “Capitão! Capitão! Está pegando fogo!”

    Alice entrou em pânico, gesticulando freneticamente.

    Mas Duncan não reagiu.

    Ele estava inteiramente imerso na manipulação da chama e na percepção do caixão através dela.

    Seu olhar era intenso e focado, absorvendo cada detalhe do fenômeno sobrenatural diante de si.

    A voz de Alice parecia distante, como se viesse de outro mundo.

    A mente de Duncan se acalmou gradualmente.

    Ele sentiu o mundo ao seu redor ficar cada vez mais silencioso—até mesmo o som incessante das ondas do Mar Infinito parecia estar se afastando de sua percepção.

    Ao mesmo tempo, ele sentiu sua força se expandindo, penetrando em um espaço vasto e desconhecido. Uma nova percepção começou a surgir, transmitida através do canal aberto por sua chama.

    Isso era completamente diferente de quando ele modificou o Amuleto do Sol com seu fogo.

    Se ele tivesse que comparar, alterar o amuleto parecia como encher um copo de água—um processo simples, direto.

    Mas, agora, ele sentia como se sua chama estivesse tentando preencher um lago inteiro—um oceano de vastidão sem fim.

    A diferença entre um artefato produzido artificialmente e uma anomalia numerado como 099 era colossal.

    Duncan compreendeu isso instantaneamente.

    E, no exato momento em que essa percepção surgiu, ele sentiu a conexão da chama atingir um ponto crítico.

    A transmissão de poder de repente tornou-se fluida como um rio—e então, uma enxurrada de memórias invadiu sua mente!

    — O som das ondas…

    Ondas quebrando contra uma costa desconhecida.

    — O frio cortante…

    Um vento gélido soprando sobre muralhas imponentes.

    — As construções…

    Torres e muros se erguendo à distância, envoltos em um manto de gelo.

    — As pessoas…

    Silhuetas indistintas, uma multidão envolta em sombras, observando algo no centro de uma plataforma elevada à beira do mar.

    A consciência de Duncan flutuava naquele espaço, como se estivesse a dois ou três metros acima do solo.

    Ele olhou ao redor, confuso, e viu uma cidade-estado desconhecida, suas muralhas se erguendo ao longe.

    Ele viu uma plataforma elevada na costa, cercada por uma multidão inumerável—mas nenhuma daquelas figuras possuía rostos nítidos.

    Um murmúrio profundo e incessante ressoava de todas as direções.

    Vozes cochichando, mas altas demais, formando um zumbido dissonante, quase como um trovão abafado.

    Duncan se esforçou para distinguir palavras, mas logo percebeu que não eram vozes reais.

    Era um oceano de pensamentos—as mentes de todos aqueles ao redor, cheias de ansiedade, súplicas, orações e medo.

    A multidão não falava, mas suas mentes ecoavam como uma tempestade sobre a plataforma costeira.

    Duncan sentiu um arrepio súbito, e seu instinto o fez virar-se rapidamente.

    Na fraca luz pálida e enevoada do horizonte…

    Ele viu uma silhueta imponente.

    Uma guilhotina.

    A lâmina afiada refletia um brilho frio e cortante, mesmo sob a iluminação opaca.

    Ele não precisava de mais nada para entender onde estava.

    Ao conectar as peças da história da Anomalia 099, ele sabia exatamente onde estava.

    Aquela era a execução da Rainha de Geada.

    Duncan baixou os olhos para a base da guilhotina.

    E então, conforme sua percepção se estabilizava, a figura sob a lâmina gradualmente se tornava mais nítida.

    Ele viu a rainha.

    A mulher que, meio século antes, fora condenada à morte pelos rebeldes.

    Seus cabelos prateados caíam como uma cascata, e seus olhos lilases brilhavam intensamente no cenário sombrio.

    Ela vestia trajes elegantes, mas finos demais para o frio, e, apesar da brisa gelada, seu corpo não tremia nem um pouco.

    Mesmo diante da morte iminente, ela permaneceu firme.

    Ela realmente tinha o mesmo rosto de Alice.

    Duncan sentiu uma estranha sensação crescendo dentro de si.

    Ele olhava para aquela rainha de Geada, a verdadeira figura histórica, mas, em sua mente, a imagem que surgia primeiro era a da boneca saltitante a bordo do Banido.

    E então, um som inesperado rompeu seus pensamentos.

    “Seu tempo chegou, ‘Rainha’ de Geada.”

    A voz era fria e distante, como se atravessasse o véu do tempo, ecoando ao lado da guilhotina.

    No instante seguinte, duas figuras espectrais surgiram repentinamente, ao lado da Rainha de Geada.

    Elas se aproximaram, tentando forçá-la a se ajoelhar diante da lâmina.

    Mas… ela permaneceu firme.

    Por mais que aquelas sombras indistintas tentassem empurrá-la, a mulher não se moveu um centímetro sequer.

    Duncan ouviu o murmúrio se intensificando ao redor—o mesmo oceano de vozes que antes ecoava em sua mente agora se tornava ainda mais caótico e furioso.

    As silhuetas negras na multidão se agitaram.

    E então, o mesmo tom frio e autoritário ressoou outra vez, desta vez com um toque de impaciência e raiva:

    “Silêncio! Mantenham a ordem da execução!”

    Mais sombras surgiram ao redor da guilhotina.

    Finalmente, a Rainha de Geada foi subjugada, forçada a se ajoelhar sobre a poeira gelada.

    Mesmo assim, ela manteve a postura ereta, erguendo o olhar para as altas muralhas da cidade ao longe.

    Acima de seu pescoço, a lâmina afiada da guilhotina começou a subir, acompanhada pelo som rangente do mecanismo de roldanas.

    Duncan franziu a testa.

    Mesmo sabendo que tudo isso era apenas um eco do passado, ele não conseguiu evitar o impulso de dar um passo à frente, a mão instintivamente se estendendo.

    Mas, antes que pudesse agir…

    A Rainha de Geada virou a cabeça—ligeiramente.

    Ela olhou diretamente para onde ele estava.

    Para um lugar onde, naquele tempo, não deveria haver nada.

    Então, seus lábios se moveram.

    Ela falou claramente, em um tom baixo, porém inconfundível:

    “Não importa quem você seja… não corrompa a história.”

    Duncan congelou no lugar, chocado.

    Mas antes que pudesse processar o que tinha acabado de acontecer, outro som irrompeu no ar.

    “Com quem você está falando?!”

    O grito veio de alguém ao lado da guilhotina.

    A Rainha de Geada, porém, não respondeu.

    Era como se, de repente, tivesse entendido algo.

    Sua expressão suavizou—por um instante, um pequeno sorriso de alívio surgiu em seus lábios.

    Então, ela voltou o olhar para o executor ao seu lado e disse, com tranquilidade:

    “Faça o que tem que fazer. Antes que o sol se ponha.”

    A lâmina caiu.

    Uma escuridão infinita se precipitou de todas as direções.

    As ilusões do passado começaram a se despedaçar, fragmentando-se em incontáveis estilhaços de luz.

    Duncan sentiu sua conexão com ‘aquele lugar’ se rompendo rapidamente—ele sabia que aquela ‘ressonância’ estava chegando ao fim.

    Mas, no meio do colapso da visão, fragmentos de vozes ainda ecoavam na escuridão.

    Elas eram confusas, intermitentes, distantes e próximas ao mesmo tempo.

    Ele só conseguiu captar partes do que diziam—

    “…A Rainha de Geada está morta. Cortamos a última ligação do Banido com o mundo real…”

    “…Ray Nora tentou construir um segundo Banido… Ela conspirou com as sombras do Subespaço… A prova é irrefutável. Sua execução é justificada…”

    “…O novo Regente restaurará a ordem em breve. Toda a documentação do Projeto Abismo será destruída… Aqueles que denunciarem seus envolvidos ainda podem receber clemência…”

    “Localizar e eliminar o navio rebelde Névoa do Mar e a Marinha desertora… Captura ou execução imediata… Espera, que barulho é esse…?! Rápido, saiam daqui! Está tudo desmoronando!”

    Gritos.

    Ordens desesperadas.

    Estrondos de algo imenso se rompendo e ruindo.

    O bramido furioso do mar.

    Duncan foi repentinamente arrancado da escuridão, como um mergulhador emergindo abruptamente das profundezas.

    No último instante, antes que tudo se apagasse, ele ouviu um som avassalador, como um penhasco inteiro desmoronando no oceano.

    Ele havia testemunhado um fragmento da história.

    E ouvira essa mesma história sendo engolida pelo vazio.

    Ele encontrou um espectro do passado.

    E esse espectro lhe pedira para não corromper a história.

    Duncan abriu os olhos lentamente.

    O mundo familiar de volta ao seu redor.

    O som reconfortante das ondas batendo contra o casco.

    O interior bem conhecido do navio.

    E…

    A cena nada reconfortante de Alice, sentada na beira da cama, arrancando a própria cabeça com um ‘plop’, antes de recolocá-la no pescoço com outro ‘plop’, repetidamente, se divertindo como se fosse um jogo.

    Duncan: “…?”

    Fim do Volume I

    Volume II – As Cidades-Estado

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