Capítulo 101: A Despreocupação de Alice
Duncan olhava para Alice sem expressão alguma, como se estivesse observando uma completa idiota.
Os ecos da história ainda ressoavam em sua mente—o olhar calmo e perspicaz da Rainha de Geada continuava fixo em seus pensamentos, como se não quisesse deixá-lo ir.
Mas aquele momento solene e carregado de significados agora colidia diretamente com…
… Alice, a boneca absolutamente sem noção, arrancando e recolocando a própria cabeça repetidamente com um plop, plop, plop.
O impacto destruiu completamente a atmosfera sombria e contemplativa que Duncan carregava.
A memória da Rainha estava se fragmentando, sendo violentamente transformada em algo completamente cômico.
Ele a encarou por um longo tempo, em silêncio absoluto, até que finalmente não conseguiu mais suportar:
“… O que exatamente você está fazendo?”
“Ah! Capitão!” Alice finalmente percebeu sua presença.
Ela rapidamente segurou sua cabeça com uma das mãos, girando o olhar para Duncan.
“Ah, é que senti alguns fios de cabelo presos na articulação do pescoço…”
Duncan permaneceu impassível.
“Se você continuar arrancando sua cabeça assim, logo terá que dar nome para novos fios de cabelo.”
“Já escolhi os nomes!” Alice respondeu com empolgação. “Se eles caírem, serão a Família Williams!”
Duncan fez um esforço monumental para manter sua expressão sob controle.
Ele respirou fundo, contendo o impulso de jogar aquela boneca pela janela da cabine.
Após alguns segundos, ele finalmente suspirou profundamente, permitindo que sua mente se acalmasse aos poucos.
Seja como for, Alice trazia um pouco de alegria ao Banido—um navio que, de outra forma, seria sombrio e melancólico.
Mas… às vezes, a boneca simplesmente passava dos limites.
Até mesmo o Cabeça de Bode, que normalmente tinha resposta para tudo, não conseguia acompanhar o ritmo dela.
E Duncan…
Duncan não tinha a menor ideia do que se passava dentro daquela cabeça oca.
Isso se ela não fosse completamente maciça por dentro.
Ele desviou o olhar para Alice, e imediatamente, sua mente trouxe de volta a lembrança do que ele havia testemunhado na escuridão da ressonância.
Seu semblante se tornou sério novamente.
Os detalhes daquela visão ainda o incomodavam.
Ele tinha certeza absoluta—a mulher que viu sob a lâmina da guilhotina era Ray Nora, a Rainha de Geada, executada meio século atrás pelos rebeldes.
E essa era a mesma mulher mencionada nos arquivos da Anomalia 099, descrita como o ‘modelo original’ de Alice.
Duncan havia testemunhado a execução dela com seus próprios olhos.
E o catalisador para essa visão tinha sido o Caixão de Boneca.
A Chama Espiritual havia estabelecido uma conexão com o caixão.
Mas… o que exatamente ele viu?
Era o Caixão de Boneca tentando conscientemente lhe mostrar algo?
Ou teria sido apenas uma gravação passiva, uma memória residual da Anomalia 099?
Seria aquela visão uma reprodução fiel da história?
Ou ela havia sido distorcida e modificada, transformando-se em uma ilusão cheia de falhas e correções?
A imagem da Rainha de Geada surgiu novamente em sua mente.
Ele recordou seu olhar tranquilo e profundo, e suas últimas palavras—
【”Não importa quem você seja… não corrompa a história.”】
Essas palavras foram dirigidas a quem?
Foi realmente para ele?
Essa mensagem realmente atravessou o tempo, ou foi apenas um reflexo da ilusão, uma reação do Caixão de Boneca à sua presença?
Além disso, logo após a Rainha de Geada pronunciar essa frase, ele ouviu uma voz próxima perguntar, assustada, “Com quem você está falando?”
Cada um desses detalhes parecia real demais—tão real que causava um arrepiante desconforto.
E então, havia o final da ressonância, as vozes no escuro, carregadas de informações cruciais.
A Rainha de Geada não foi executada apenas por sua posição, mas porque teria tentado ‘trazer o Banido de volta ao mundo real’ e ‘construir um segundo Banido’.
Havia também a menção ao Projeto Abismo—um nome que soava como o verdadeiro estopim de sua queda.
E, no entanto, Duncan nunca ouvira o Cabeça de Bode mencionar nada disso!
O Cabeça de Bode adorava contar sobre as ‘grandes façanhas’ do Banido—quantos navios ele havia engolido, quanta destruição causou em cada cidade-estado…
Claro, oito em cada dez histórias eram claramente exageradas.
Mas se uma governante de cidade-estado realmente tivesse tentado ‘trazer o Banido de volta ao mundo’, seria algo grande demais para ele simplesmente ignorar!
A menos que…
Isso não fosse verdade.
A menos que tudo não passasse de uma acusação fabricada pelos rebeldes.
“Capitão? Capitão, o senhor está bem?”
A voz de Alice o puxou de volta.
Duncan exalou lentamente, afastando as turbulentas dúvidas que se acumulavam em sua mente.
Ele lançou um olhar para Alice, como se tentasse encontrar um resquício da Rainha de Geada em seu rosto.
Mas, quase imediatamente, balançou a cabeça.
“Estou bem. Apenas vi algo preservado dentro do Caixão de Boneca.”
“Preservado?” Alice arregalou os olhos, curiosa. “Que tipo de coisa?”
“A execução da Rainha de Geada, há meio século.” Duncan disse calmamente. “Eu a vi. Ela realmente se parece com você.”
Instintivamente, Alice levou a mão ao pescoço.
Ela parecia incerta se deveria ficar nervosa ou tratar a revelação como algo normal.
Depois de um longo momento, ela finalmente murmurou:
“Então… Eu sou a Rainha de Geada? Fui decapitada, mas, em vez de morrer, fui transformada por alguma força sobrenatural e acabei assim?”
Duncan refletiu por um instante e, por fim, disse a verdade:
“Se você não falasse, não se mexesse, e simplesmente ficasse deitada dentro desse caixão… eu realmente acreditaria nisso.”
Alice parou.
Seu rosto ficou completamente vazio por alguns segundos, como se tentasse processar o que ele acabara de dizer.
Então, sem chegar a uma conclusão, deixou o assunto para lá.
Ela virou-se para o Caixão de Boneca, desta vez com um olhar atento e sério.
“E depois que o senhor… queimou ele com sua chama… Alguma coisa mudou? O senhor conseguiu controlá-lo?”
Duncan voltou sua atenção para o Caixão de Boneca, sentindo a conexão residual que agora existia entre ele e o objeto.
As chamas haviam desaparecido, mas os vestígios do fogo permaneceram.
Em um nível invisível, ele ‘via’ claramente a marca deixada por sua Chama Espiritual dentro do caixão, sentia os fios tênues de ligação que agora os uniam.
A conexão era semelhante àquela que ele tinha com o Amuleto do Sol Modificado—mas era muito mais complexa e sutil.
Mesmo deixando de lado os grandes mistérios que aquele caixão carregava, Duncan tinha certeza de uma coisa:
Ele havia estabelecido um vínculo com a anomalia.
No entanto, diferente do Amuleto do Sol, que possuía uma estrutura simples, ele não tinha ideia de como controlar o Caixão de Boneca.
Na verdade, nem mesmo conseguia sentir que essa anomalia possuía uma opção de ‘controle’.
A única coisa que podia afirmar com certeza era:
O caixão estava estável.
Estava… submisso.
Após o contato com sua chama, ele parecia completamente ‘domesticado’.
Era como se… tivesse se tornado parte do Banido.
“Não tenho certeza”, Duncan admitiu, refletindo. “Talvez precisemos de mais testes para saber se ele está realmente seguro. Depois disso, precisaremos testar novamente para determinar se o efeito de ‘decapitação’ vem do caixão ou de você.”
Ele balançou a cabeça e continuou:
“Mas, pelo que posso sentir agora… ele está ‘obediente’. Igual aos outros objetos a bordo do Banido.”
Duncan então se virou para Alice.
“O ponto-chave agora é você. Está sentindo alguma coisa estranha?”
Alice apontou para si mesma, piscando os olhos.
“Eu? Não! Por quê?”
“Você e esse caixão são uma unidade”, Duncan explicou pacientemente, já acostumado com o atraso de raciocínio da boneca. “Juntos, vocês formam a Anomalia 099. Agora que reivindiquei o controle do caixão com minha chama, pode haver um impacto sobre você também.”
Ele a encarou com seriedade.
“Experimente se mover. Teste seu corpo. Se notar algo diferente, me avise.”
Alice finalmente processou a instrução e imediatamente se levantou para testar sua mobilidade.
Ela correu em círculos pela cabine, deu alguns saltos no mesmo lugar e, por fim, se aproximou do caixão e estendeu a mão.
Ela esticou o dedo e fez um pequeno gesto, como se chamasse o caixão para ir até ela.
Nada aconteceu.
Alice piscou, confusa.
Ela tentou de novo.
O caixão permaneceu imóvel.
Seus olhos se arregalaram em choque.
“E-ele… Ele não me obedece mais!” Alice gritou em pânico. “Antes, eu só precisava chamá-lo, e ele flutuava sozinho!”
Duncan sentiu um leve arrepio.
No exato momento em que Alice tentou dar um comando ao caixão, ele percebeu uma resposta sutil da anomalia.
Mas…
O caixão não estava mais esperando as ordens de Alice.
Ele estava esperando as ordens de Duncan.
Duncan franziu as sobrancelhas, sentindo uma leve sensação de constrangimento.
“Parece que, depois de entrar em contato com minha Chama Espiritual… o caixão agora me reconhece como seu mestre de nível superior.”
Alice encarou Duncan, boquiaberta.
Seu rosto claramente demonstrava uma expressão de puro desgosto e injustiça.
Duncan imediatamente percebeu o problema—e se sentiu ainda mais constrangido.
“Não se preocupe. Eu posso remover minha restrição sobre ele”, ele disse rapidamente, acenando com a mão. “O caixão ainda obedecerá suas ordens.”
Alice piscou, parecendo confusa e cautelosa.
Ela se virou para o caixão e, hesitante, repetiu o gesto com o dedo—
E desta vez, o caixão finalmente reagiu, flutuando exatamente como antes.
Alice abriu um sorriso radiante, deixando o caixão pousar novamente no chão antes de imediatamente se jogar sobre ele e abraçá-lo.
“Que alívio! Achei que você nunca mais me obedeceria!”
Duncan observou a cena com uma expressão indescritível.
Ele não sabia o que o deixava mais desconfortável—se era o fato de Alice tratar um caixão como um animal de estimação, ou se era a forma como suas emoções mudavam em um instante.
Depois de um longo silêncio, ele soltou um comentário seco:
“Às vezes… Eu realmente invejo sua capacidade de lidar com a vida.”
Alice congelou por um momento, refletindo sobre o comentário.
Mas, como sempre, não conseguiu entender direito.
Duncan suspirou.
“Esqueça, desde que você esteja feliz, está tudo bem.”
Então, voltou ao assunto principal.
“Você tem certeza de que não sente nada estranho?”
Alice baixou o olhar para si mesma, fazendo uma rápida autoavaliação.
“Nada. Nenhum incômodo.” Ela então franziu a testa, como se tivesse acabado de notar algo diferente. “Na verdade… Me sinto até melhor que antes?”
“Melhor que antes?”
“Não sei explicar… Apenas sinto que meu corpo está mais leve?” Alice inclinou a cabeça, tentando encontrar as palavras certas. “E também… me sinto mais segura? É um pouco parecido com quando eu me deitava dentro do caixão. Mas agora, mesmo fora dele, ainda me sinto tão segura quanto antes.”
Ela continuou refletindo por um instante, mas, antes que Duncan pudesse começar a analisar o que aquilo significava, ela simplesmente deu de ombros com um sorriso despreocupado.
“Ah, não importa! Se é uma coisa boa, está ótimo!”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.