Capítulo 106: A Dádiva de Duncan
A ilusória água do mar dissipou-se rapidamente, como um sonho ao amanhecer. Vanna sentiu sua consciência retornar ao corpo e, após inspirar profundamente, abriu os olhos subitamente. Ainda estava de pé naquela câmara de pedra, semelhante a uma caverna submersa. Diante dela, uma chama ardia intensamente.
Ela virou-se para o lado e viu que o Bispo Valentine também estava abrindo os olhos.
As lembranças da Assembleia Espiritual ainda estavam vívidas em sua mente. Instintivamente, Vanna olhou para a palma da mão—como esperado, estava vazia. O pergaminho de pele, que existia apenas no domínio da assembleia, não a acompanhou de volta ao mundo real.
“Mal acabamos de emitir um comunicado para avisar os capitães de mar aberto sobre a perda de controle do Caixão de Boneca”, suspirou o Bispo Valentine, “e agora parece que teremos que divulgar outro.”
Vanna flexionou os pulsos e olhou pensativa para o bispo:
“O problema é… como devemos redigir esse comunicado? Além da mudança no nome da Anomalia 099, não sabemos de mais nada…”
O bispo idoso permaneceu em silêncio por um momento, claramente reconhecendo a complexidade da situação.
Vanna havia trazido uma mensagem do Fenômeno 004, mas essa mensagem se resumia apenas ao novo nome da Anomalia 099. Talvez, dentro do Mausoléu do Rei Sem Nome, ela realmente tenha ouvido informações mais detalhadas do dono do mausoléu—talvez até descoberto as novas características da Anomalia 099 após sua renomeação para Boneca. No entanto, todo esse conhecimento havia sido irremediavelmente perdido junto ao pergaminho rasgado e deixado para trás na Câmara Sepulcral.
“Por ora, só podemos divulgar que a Anomalia 099 teve seu nome alterado de Caixão de Boneca para Boneca, além de modificar sua descrição para indicar uma ‘possível mutação'”, disse finalmente o Bispo Valentine, após um longo silêncio. “Essa Anomalia está entre as cem primeiras da classificação. A mudança em seu nome, com certeza, resultará em uma série de reações em cadeia—sua força, gatilhos, métodos de contenção e até mesmo suas características externas podem ter sido afetadas. Tratá-la com base nos registros antigos pode resultar em um desastre…”
Vanna assentiu silenciosamente.
O número da Anomalia 099 permanecia o mesmo, e sua periculosidade absoluta provavelmente também não havia mudado. Entretanto, para a humanidade, essa Anomalia havia deixado de ser algo conhecido para se tornar um completo mistério. A experiência acumulada à custa de incontáveis vidas fora anulada—e a incerteza se tornara, agora, seu maior perigo.
Se, após o primeiro comunicado, os capitães que navegavam pelo Mar Infinito ainda poderiam tentar conter e selar o Caixão de Boneca com base nos registros antigos, a partir de hoje… qualquer um que encontrasse a Boneca teria apenas uma opção: afastar-se imediatamente e torcer para que os Guardiões das Quatro Grandes Religiões conseguissem contê-la novamente.
A câmara permaneceu em silêncio por um longo tempo. Vanna e Valentine estavam imersos em seus próprios pensamentos.
Eventualmente, Vanna quebrou o silêncio:
“… Todos os números atribuídos às Anomalias e Fenômenos vêm do Fenômeno 004, certo?”
“Sim, claro”, respondeu o Bispo Valentine, assentindo. “Por que a pergunta repentina?”
“Eu estava pensando… aquela entidade sem nome dentro do Mausoléu, e aquele Guardião do Mausoléu, sempre tão silencioso… quem, ou o que, eles realmente são?” Vanna refletiu em voz alta. “Eles claramente não são humanos, e nem sequer pertencem ao mundo real. Não são deuses, tampouco sombras de Deuses Antigos do Subespaço… Por que um Fenômeno capaz de interagir com o mundo exterior escolheria ajudar a humanidade dessa forma? E como o dono do Mausoléu consegue definir a lista de Anomalias e Fenômenos?”
O Bispo Valentine encarou Vanna, aguardando pacientemente até que ela terminasse de expressar suas dúvidas. Só então suspirou e disse:
“Essa foi sua primeira vez entrando no Mausoléu como uma Ouvinte, certo? A maioria das pessoas, ao sair de lá, também fica com tantas perguntas quanto você… Mas, infelizmente, depois de tantos anos, por mais que tenhamos aprendido muito sobre as Anomalias e os Fenômenos, ainda não conseguimos compreender a verdadeira natureza do Fenômeno 004. Aquele Mausoléu… nunca explica nada sobre si mesmo.”
“Eu me lembro que você já entrou antes”, Vanna virou-se, encarando o Bispo Valentine com curiosidade. “Que informação você trouxe de lá? Também estava relacionada a alguma Anomalia ou Fenômeno?”
“Na verdade, não”, o Bispo Valentine balançou a cabeça. “Embora, na maioria dos casos, o Mausoléu transmita informações sobre Anomalias e Fenômenos, às vezes ele compartilha coisas… diferentes. Algumas mensagens podem ser estranhas, até inúteis. Quando o Guardião do Mausoléu convoca alguém, ninguém pode prever o que será revelado. A única certeza é que qualquer informação vinda de lá… é verdadeira.”
Ainda intrigada, Vanna insistiu:
“E então? Que informação você trouxe?”
O Bispo Valentine pareceu hesitante. “Não foi nada de útil… só uma frase.”
A tentativa do bispo de evitar o assunto era evidente, mas Vanna, determinada como sempre, não percebeu a intenção do ancião e continuou insistindo:
“E essa frase era…?”
Sem alternativa, o Bispo Valentine lançou um olhar resignado para a inquisidora persistente, abriu as mãos e recitou:
“Vinte e quatro de julho. Clima ensolarado em Pland, vento sudeste de quatro a seis graus.“
Vanna: “…?”
“Não me olhe assim”, disse o Bispo Valentine, massageando a têmpora. “Às vezes, é esse tipo de coisa que recebemos. As Anomalias e os Fenômenos são imprevisíveis, e essa ‘imprevisibilidade’ se manifesta de várias formas. Eu simplesmente tive o azar de receber uma mensagem… peculiar. Se você quiser rir, pode pelo menos virar para o outro lado? Eu já não tenho idade para isso…”
“Desculpe”, Vanna esforçou-se para conter o riso enquanto se virava. “Mas, para ser sincera, acho que sinto um pouco de inveja. Ouvir uma simples previsão do tempo ainda parece melhor do que toda essa situação bizarra e perturbadora de hoje. No fim das contas… a ausência de eventos já não é uma bênção?”
“… Hah, vou fingir que acredito em você…”
Nos arredores do Distrito Superior, em uma casa independente um pouco antiga, Heidi olhava impassível para seu pai, que parecia um tanto desconfortável.
“… Então, o senhor foi visitar a casa de uma aluna há dois dias e passou várias horas conversando fiado com os pais, dedicou apenas vinte minutos para falar sobre o desempenho da aluna e, ao sair, ainda gastou mais de três mil solas comprando uma adaga velha e um pingente de vidro que imita cristal?!”
Morris estava sentado atrás da mesa. Sobre ela repousava um pingente de ametista (a etiqueta já havia sido removida), e as prateleiras atrás dele estavam abarrotadas de diversas coleções. Ele limpou o suor inexistente da testa, com uma expressão um tanto constrangida.
“O pingente foi um brinde…”
“… E o senhor achou uma boa ideia me dar isso como presente de aniversário?!” Heidi segurou a testa, incrédula. “Ao menos podia fingir que escolheu com cuidado!”
Morris pensou por um instante e, sem alternativa, abriu as mãos.
“A loja não tinha mais nada que fosse genuíno. Simplesmente não havia escolha…”
Heidi: “…”
Ela o encarou por mais alguns segundos, visivelmente frustrada, até que, por fim, suspirou, rendendo-se à situação.
“Tanto faz, tanto faz… Já não é a primeira vez… Mas por que o senhor sempre acaba caindo nessas armadilhas?”
“Mas dessa vez eu saí ganhando! Quem perdeu foi aquele Sr. Duncan”, Morris disse imediatamente. “Comprei essa adaga por um preço 20% abaixo do valor de mercado!”
Heidi estava prestes a balançar a cabeça e suspirar de novo, mas ao ouvir o nome que o pai mencionou, congelou por um instante.
“O dono dessa loja de antiguidades se chama Duncan?”
“Ah, sim. Duncan Strelane”, Morris respondeu casualmente. “Sempre disseram que ele era um beberrão e um viciado em jogos, mas depois de conversar com ele, percebi que tudo isso é apenas boato. Na verdade, ele é um sujeito divertido, espirituoso e muito bem informado… Hm? Por que essa cara? Há algo de errado com esse nome?”
Heidi abriu a boca, hesitou por um momento e então suspirou.
“É que… ultimamente estou lidando com um caso complicado. E esse nome… está diretamente envolvido.”
“Esse é um nome bem comum, há muitas pessoas com o mesmo nome”, Morris assentiu, mas logo demonstrou certa curiosidade. “Que tipo de caso é esse?”
“Não é sua área de especialidade, então é melhor não perguntar”, Heidi respondeu com um aceno de mão. “De qualquer forma, é impossível ser a mesma pessoa. Um Capitão Espectral temido por todos e um dono de antiquário no Distrito Inferior… como eles poderiam ser a mesma pessoa?”
“Definitivamente impossível”, Morris suspirou aliviado. Ele sabia que sua filha frequentemente atuava como consultora, auxiliando a Prefeitura e até mesmo a Igreja na resolução de casos perigosos, às vezes envolvendo Sobrenaturais. Por isso, ficava naturalmente preocupado. Agora, porém, sentia-se mais relaxado e voltou sua atenção para o pingente de cristal sobre a mesa.
“Então… você ainda quer esse pingente ou não?”
“Quero! É claro que quero!” Heidi pegou o pingente da mesa num movimento rápido. “Não é sempre que o senhor se lembra de me trazer um presente, mesmo que seja um brinde…”
Morris refletiu por um momento e, com seriedade, sugeriu:
“… Na verdade, você pode fingir que gastei três mil soras nesse pingente e que a adaga foi o brinde.”
Heidi, já colocando o pingente no pescoço, lançou-lhe um olhar de advertência.
“Se o senhor realmente tivesse gasto três mil soras nessa enganação, eu mesma o arrastaria para minha sala de tratamento e o amarraria lá!”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.