Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 127: Jantar
Havia certas conversas que simplesmente não poderiam acontecer na frente de Nina.
Ao ouvir a descrição de Cão, Duncan sentiu um aperto no peito.
Cinzas ao redor dela… Uma quantidade imensa de cinzas…
O que isso significava?
Naquela fábrica encoberta pelo Véu, tudo estava tomado por cinzas ocultas—cinzas eram a marca deixada pelo fogo, a prova de que um incêndio havia ocorrido, um símbolo daquilo que foi consumido e destruído.
Então, as cinzas ao redor de Nina…
Duncan ergueu a cabeça e olhou para a escada que levava ao segundo andar.
Lá em cima, Nina estava ocupada na cozinha. Dava para ouvir vagamente os sons dos utensílios de cozinha sendo usados—o tilintar metálico e ritmado.
Aquela garota otimista havia passado por muitas coisas naquele dia. Mas, mesmo assim, ainda parecia estar de bom humor.
Ele desviou o olhar e voltou-se para Shirley, sentada à sua frente.
“Então, depois que Cão te disse que havia encontrado um alvo altamente suspeito, você deu um jeito de se infiltrar na escola e se aproximar de Nina em busca de pistas. Ao mesmo tempo, começou a se infiltrar entre os hereges do Sol, tentando encontrar respostas através deles para desvendar o mistério do incêndio de onze anos atrás…”
Shirley assentiu levemente. “Sim.”
“Imagino que você não está procurando pelo Fragmento do Sol, certo?”
“… Qual seria o sentido em procurar por ele?” Shirley devolveu a pergunta. “Encontrar uma porção de fogo e perguntar por que ela queima? O que eu realmente quero encontrar… é quem iniciou o incêndio.”
“Mas isso não foi um fogo comum.” Duncan a encarou fixamente. “Se aquilo realmente era um Fragmento do Sol, seu poder vai muito além de simplesmente consumir uma fábrica. Shirley, você está lidando com algo extremamente perigoso.”
“Se eu for sincera, espero que o senhor não leve a mal.” Shirley abaixou a cabeça, parecendo muito consciente do que estava prestes a dizer. “Mas… eu acho que sentar aqui, na frente do senhor, já é perigoso o suficiente…”
Duncan ficou em silêncio por um momento.
Então, inesperadamente, riu.
“… Hah. Talvez tenha razão.”
Ele se levantou lentamente de trás do balcão e começou a caminhar em direção à escada que levava ao segundo andar.
“Eu só quis deixar um aviso amistoso.” Sua voz era calma e despreocupada. “Mas, no final das contas, como você decide lidar com isso, cabe a você.”
“Espere um momento.”
De repente, Shirley se levantou.
Ela parecia hesitante, demorando alguns segundos antes de continuar:
“Então… pelo jeito que o senhor reagiu… quer dizer que não sabia sobre o que há de especial em Nina?”
Duncan parou no meio do caminho.
Após um breve momento de reflexão, ele ergueu a mão e apontou para os próprios olhos.
“Aparentemente, os olhos deste corpo não são muito bons… Acabei não notando algumas coisas.”
… Deste corpo.
Shirley imediatamente captou essas palavras.
Mas não ousou perguntar nada.
Ela apenas ficou ali, observando enquanto Duncan retomava sua caminhada em direção ao andar de cima.
Curiosa, perguntou:
“E o senhor… vai fazer o quê agora?”
“O quê?” Duncan abaixou o olhar para ela, respondendo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
“Vou subir para jantar. Está na hora do jantar.”
Está na hora do jantar.
Como era jantar na casa de uma Sombra do Subespaço?
Shirley não sabia como descrever o turbilhão de pensamentos que passou por sua mente enquanto subia as escadas atrás do ‘grande senhor’.
Ela estava nervosa e animada ao mesmo tempo, curiosa e assustada.
Embora soubesse que, provavelmente, o jantar seria algo comum e cotidiano, sua imaginação não parava de criar cenários absurdos sobre os tipos de pratos horripilantes que poderiam estar à mesa.
Afinal, aquela não era uma simples loja de antiguidades.
Este lugar era o covil de uma Sombra do Subespaço, um espaço intermediário entre a realidade e as camadas ocultas do mundo.
E em um covil como esse, seria perfeitamente normal encontrar na mesa o filhote de um deus profano, ou algo ainda pior…
Com essas ideias frenéticas girando em sua cabeça, Shirley seguiu Duncan até o andar de cima e entrou na cozinha estreita.
Então, finalmente, viu o que estava na mesa.
Era apenas um jantar comum.
Uma bandeja de pão amanhecido, recém-aquecido.
Uma tigela de sopa de legumes, feita com os ingredientes mais simples e baratos do Distrito Inferior.
Algumas porções de molho de tomate e molho de cogumelos.
E o prato mais chamativo da mesa… uma tigela de sopa de peixe.
O caldo branco opaco tinha um aroma reconfortante. Pedaços de peixe cozido flutuavam nele, já desossados e cortados em pedaços pequenos, tornando impossível identificar sua forma original.
O cheiro era tentador.
E, para sua surpresa, o som de seu próprio estômago roncando foi o que mais quebrou o ‘clima sombrio’ que ela esperava encontrar.
“Usei o que restava de um peixe salgado na cozinha para fazer a sopa.” Nina sorriu para Duncan antes de se virar para Shirley.
“Foi o tio quem comprou esse peixe. Você deveria experimentar—está uma delícia!”
Shirley ainda parecia um pouco atordoada enquanto se sentava à mesa. Seus olhos percorriam os pratos simples diante dela. Duncan notou sua expressão e riu levemente.
“O que foi? A comida é simples demais e te pegou de surpresa? Ou será que não é do seu gosto?”
“Ah, não, não… Isso é bem melhor do que o que eu costumo comer…” Shirley respondeu automaticamente e, logo em seguida, acrescentou:
“Mas, para ser sincera… eu realmente não esperava que fosse algo tão comum.”
“Essa comida tem um cheiro estranho.”
A voz abafada de Cão ressoou quando ele esticou o pescoço para espiar a sopa de peixe sobre a mesa.
“De alguma forma… esse cheiro me parece familiar?”
“O que você sabe sobre comida?” Shirley lançou-lhe um olhar de canto.
“Você normalmente rói pedras como se fossem biscoitos…”
“Senhor Cão não come?” Nina perguntou, surpresa.
“Os Demônios Abissais não precisam de comida humana—na verdade, eles nem precisam se alimentar.” Shirley assentiu. “Às vezes, só mastigam pedras ou aço para afiar os dentes.”
Cão bufou e balançou a cabeça em desaprovação.
“Isso foi meio cruel, Shirley. Já esqueceu o trabalho que tive para conseguir comida e alimentar você? E, ocasionalmente, eu também como…”
Enquanto resmungava, ele se inclinou para a beirada da mesa, aproximando-se da sopa de peixe.
Mas assim que ficou cara a cara com o caldo esbranquiçado e os pedaços de peixe flutuando, ele congelou no lugar.
O resto da frase simplesmente morreu em sua garganta.
No instante seguinte, o Cão de Caça Abissal recuou bruscamente, saltando para trás e se deitando no chão imóvel, como se quisesse sumir.
Shirley ficou perplexa.
“Cão…? O que aconteceu com você?”
Cão olhou diretamente para Duncan.
E viu que ele ainda estava sorrindo, com a mesma expressão tranquila de sempre.
“Que foi? Não gosta de peixe?”
Aquela vórtice de luz indescritível e distorcida falou em tom amigável, sorrindo.
Cão sacudiu a cabeça nervosamente.
Naquele momento, ele teve certeza—
Toda aquela conversa amigável, toda aquela expressão afável, toda aquela cooperação pacífica… era pura ilusão.
Nas profundezas daquela entidade indizível e distorcida, o que realmente existia era apenas puro terror!
Uma criatura de alto nível, um ‘Filho das Profundezas’, havia sido cortada em pedaços, cozida e transformada em uma sopa.
E o mais aterrorizante de tudo era que sua própria essência havia sido convertida em ‘comida’ de verdade…
Essa cena inimaginável estava acontecendo bem ali, naquela mesa de jantar!
“Eu… não gosto de peixe.”
O Cão de Caça Abissal murmurou, sua voz abafada.
No canto de sua visão, a tigela de sopa de peixe ainda soltava vapor quente, exalando um aroma que, para os humanos, parecia delicioso.
Ele sabia…
O que estava naquela tigela agora era realmente ‘peixe’.
Não importava o que já tinha sido antes—agora não passava de peixe.
Sua essência havia sido completamente distorcida e reescrita.
Se não fosse pela bênção do Senhor Sagrado das Profundezas, que lhe concedera seus olhos, nem ele seria capaz de perceber o que aquela carne antes fora.
Agora, era realmente comida inofensiva.
Mesmo se Shirley comesse, nada de ruim aconteceria.
Mas Cão não se aproximaria daquela mesa nem que sua vida dependesse disso!
Duncan não sabia por que Cão havia reagido tão mal à sopa de peixe, mas supôs que isso tinha algo a ver com as peculiaridades da alimentação dos Demônios Abissais.
Ele não deu muita importância.
Seu foco estava em Nina.
Ela parecia normal, como sempre.
Talvez tivesse um pouco mais de pensamentos pesando em sua mente, mas, como uma garota sensível e esperta, ela escolheu lidar com isso da maneira mais gentil possível—sem constranger ninguém ao seu redor.
Mas, por outro lado, Duncan agora sabia.
Algo estava ‘escondido’ perto de Nina.
Ou, melhor dizendo—
Aquele vasto e invisível Véu que envolvia a fábrica também havia se estendido até ela.
Ele ainda não podia afirmar nada com certeza.
Não sabia o que exatamente significavam as cinzas flutuando ao redor dela.
Mas não restava dúvidas—
Naquela noite, há onze anos, Nina esteve em um lugar extremamente especial durante o incêndio.
Assim como aquela fábrica era especial.
Nina, no entanto, não sabia de nada.
Por onze anos, ela viveu completamente alheia a tudo isso.
“Tio?”
Finalmente, ela percebeu o olhar de Duncan. Sua expressão se tornou levemente confusa.
“O que foi?”
Duncan não respondeu imediatamente.
Apenas estendeu a mão e pousou-a suavemente sobre a cabeça dela.
Nina congelou por um instante.
Em seguida, começou a balançar a cabeça de um lado para o outro, protestando:
“Eu já não sou mais uma criança!”
“Eu sei.” Duncan sorriu.
Entre os fios de cabelo de Nina, pequenos fragmentos de luz esverdeada brilharam por um breve instante antes de desaparecerem.
“Mas você ainda é uma criança.”
Nina fez um pequeno bico, inflando as bochechas levemente.
“Tio, você vai continuar investigando isso com Shirley?”
No final, ela não conseguiu conter a pergunta.
“Dentro dos limites do que for seguro.” Duncan respondeu com seriedade.
“… Não pode simplesmente parar?”
Duncan balançou a cabeça.
“Não.”
Nina ficou em silêncio por alguns segundos antes de perguntar:
“E o que eu posso fazer?”
Duncan sorriu.
“Coma direito.” Ele apontou para a mesa. “Durma bem. Estude com dedicação. E, acima de tudo… cuide de si mesma. E acredite no seu tio Duncan.”
Nina pegou um pedaço de pão e o enfiou na boca, mastigando com as bochechas estufadas.
“… Tá bom, entendi.”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.