Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    O Banido navegava a toda velocidade.

    Sob o pálido brilho lançado pela Criação do Mundo, as velas espectrais semitransparentes se inflavam sem a necessidade de vento. O vasto e complexo sistema de mastros e cordas rangia suavemente, como se fosse manipulado por inúmeras mãos invisíveis, ajustando-se com rapidez e precisão. Duncan sentiu a leve oscilação e inclinação do casco sob seus pés enquanto a proa se virava na direção de um ponto desconhecido no oceano infinito. O som das pequenas ondas batendo contra o casco se misturava com os ‘sinais de percepção’ enviados pelo próprio Banido, ecoando suavemente nas profundezas de sua mente.

    Por alguma razão, no instante em que o navio mudou de rumo, Duncan percebeu uma sutil alteração na atmosfera ao seu redor. A paisagem continuava a mesma, mas…

    Ele teve a estranha sensação de que o navio havia soltado um suspiro de satisfação.

    Duncan saiu da cabine do capitão e caminhou despreocupadamente até o convés. Sob o manto da noite, ergueu a cabeça para observar as velas infladas e os mastros imponentes. Então, estendeu a mão e bateu levemente na amurada ao seu lado, murmurando pensativo:

    “Você também estava entediado com a deriva sem rumo?”

    O Banido não respondeu com palavras. Em vez disso, um leve rangido veio das profundezas do convés, e algumas cordas próximas começaram a se mover suavemente, deslizando pelo deque como serpentes e balançando ao redor dele.

    “… Isso não é nada adorável. Na verdade, é um pouco assustador”, comentou Duncan, lançando um olhar às cordas. “Da última vez, foi assim que vocês fizeram Alice sair correndo apavorada, não foi?”

    As cordas hesitaram no ar por um momento antes de se retraírem apressadamente, desaparecendo de vista.

    Duncan soltou um leve suspiro e se preparava para apreciar a brisa fresca do mar à noite, quando, de repente, uma sensação distante e sutil atravessou sua consciência.

    No início, ele não percebeu do que se tratava. Mas, no instante seguinte, compreendeu—o sinal vinha da Cidade-Estado Pland.

    Dentro de Pland, no segundo andar da loja de antiguidades, Duncan piscou levemente e imediatamente virou-se na direção do quarto ao lado—o quarto de Nina.

    Em sua visão, uma chama verde espectral tremulava intensamente dentro do aposento.

    Mas não era Nina.

    A marca deixada sobre Shirley havia sido ativada.

    Aquela chama detectara o crescimento de uma força sobrenatural. Sentia que as emoções de sua portadora estavam se agitando de maneira anormal.

    Algo estava acontecendo com Shirley?!

    Duncan não hesitou. Levantou-se imediatamente e saiu do quarto, dirigindo-se até a porta do quarto de Nina. Ele bateu levemente, mas não obteve resposta.

    Ele hesitou por um breve instante. Porém, no momento seguinte, sentiu a marca deixada em Shirley tremular mais uma vez.

    Não havia tempo para hesitação. Duncan empurrou a porta do quarto de Nina.

    Assim como quando era criança, Nina ainda não tinha o hábito de trancar a porta ao dormir.

    O quarto estava mergulhado na escuridão, iluminado apenas pela fraca luz dos postes da rua que entrava pela janela. No alcance de sua visão, Duncan não notou nada fora do normal.

    Shirley e Nina dormiam tranquilamente na cama—uma delas estava deitada com a cabeça voltada para os pés da cama, enquanto a outra dormia atravessada, usando o abdômen da primeira como travesseiro.

    … Uma posição de dormir artisticamente única.

    Duncan, é claro, não estava interessado nos hábitos de sono das duas. O que realmente chamou sua atenção foi a expressão tensa no rosto de Shirley. Suas sobrancelhas estavam franzidas e, em seu braço—aquele que normalmente usava para invocar Cão e que compartilhava uma conexão simbiótica com as correntes—pequenos traços negros estavam lentamente se movendo sob sua pele.

    Duncan franziu ligeiramente as sobrancelhas antes de ativar a marca que havia deixado em Shirley, tentando usar a natureza especial do Fogo Espiritual para localizar a fonte da ‘corrupção’ no quarto.

    Para ele, o estado atual de Shirley, combinado com o alerta da marca, indicava sem sombra de dúvida que uma força sobrenatural estava tentando corrompê-la.

    Uma pequena chama verde-escura surgiu ao lado de Shirley, espalhando sua luz espectral pelo ambiente. No entanto, apesar de tremeluzir algumas vezes, a chama permaneceu onde estava.

    O quarto não estava sendo corrompido.

    Duncan franziu ainda mais o cenho e se aproximou, observando atentamente a expressão inquieta de Shirley.

    Por não saber exatamente como o Fogo Espiritual afetava os vivos, ele não poderia simplesmente liberá-lo em grande escala como fizera na fábrica. Ainda assim, mesmo uma centelha desse fogo deveria ter reagido a qualquer força sobrenatural desconhecida presente ali.

    A contaminação… não estava no mundo real? Um nível espiritual? Ou algo ainda mais profundo?

    Duncan ponderou por um momento. Então, como se tivesse se lembrado de algo, levantou-se e saiu silenciosamente do quarto. Fechando a porta com cuidado, voltou para seu próprio quarto, onde encontrou a pomba espiritual cochilando no parapeito da janela.

    “Caminhada pelo Reino Espiritual.

    No meio de uma série de protestos sonoros—vários ‘gugus’ irritados—Ai foi despertada à força, e Duncan mais uma vez entrou naquele espaço sombrio e infinito, repleto de incontáveis estrelas brilhantes.

    Acalmando sua mente, ele começou a procurar os pontos de luz que representavam suas ‘marcas’, assim como fizera antes ao rastrear o Carvalho Branco e Vanna.

    Dessa vez, a busca foi ainda mais fácil. Como a marca em Shirley havia sido colocada intencionalmente, era muito mais clara e estável do que a ‘faísca’ deixada em Vanna. Duncan localizou instantaneamente a luz pertencente a Shirley…

    Shirley abriu os olhos na escuridão e percebeu que estava deitada em uma cama familiar e, ao mesmo tempo, estranha.

    Tateando no escuro, ela se sentou. Sua mente estava lenta, demorando alguns instantes para recuperar a clareza. Confusa, ela olhou ao redor, tentando distinguir os contornos dos objetos ao seu redor.

    Aos poucos, memórias familiares, mas distantes, começaram a despertar dentro dela. E quando finalmente reconheceu o ambiente ao seu redor, seus olhos se arregalaram em choque.

    No instante seguinte, ela pulou da cama e, com uma mistura de raiva e pavor, começou a praguejar em voz alta, sua voz tremendo de indignação:

    “Droga, droga, droga… $@%#! Porra, de novo isso, de novo isso! Eu $@%#1 essa merda!”

    Seus gritos quebraram o silêncio opressor da escuridão. Mas a voz que ecoava no quarto não era a dela—não a Shirley de agora.

    Era uma voz mais jovem, mais infantil, uma voz que só existia em suas lembranças.

    Ela olhou para suas próprias mãos e pés e viu que seu corpo havia encolhido, voltando a ser tão pequeno e frágil quanto era em sua infância. Vestia um pijama cor-de-rosa pálido, exatamente igual ao que lembrava de sua infância. As mangas desgastadas ainda tinham o mesmo remendo malfeito—um pequeno cachorro, costurado com mãos inexperientes.

    “Parem de me torturar! Parem de me torturar!”

    Shirley gritou no meio do quarto escuro, correndo até a porta fechada.

    Ela socou e chutou a madeira desgastada, tentando derrubá-la, mas a porta permaneceu imóvel, tão sólida quanto uma parede de concreto armado. Desesperada, ela bateu a cabeça contra a madeira, depois tentou morder a maçaneta com os dentes, mas tudo aquilo era apenas um desabafo fútil.

    Sem outra alternativa, ela usou seu pequeno corpo para continuar se jogando contra a porta, golpe após golpe. Enquanto o tempo passava, a luz fraca da manhã começou a se infiltrar pela janela.

    E então, do lado de fora da porta, ela ouviu o som que mais temia naquele amanhecer.

    Ela ouviu alguém se levantar no quarto ao lado. Ouviu passos, o som de coisas sendo arrumadas.

    Ouviu um dos passos se aproximar da porta.

    E então, uma voz suave e familiar falou gentilmente do outro lado:

    “Shirley? Shirley? Você já acordou? Ainda está brava?”

    Os golpes de Shirley contra a porta cessaram de repente.

    Era como se toda a força tivesse sido drenada de seu corpo.

    Ela deslizou contra a madeira, pressionando-se contra a porta com toda a sua energia. Não queria ouvir… mas ao mesmo tempo, ansiava desesperadamente por cada som que vinha do outro lado.

    “Shirley, eu e o papai vamos comprar um bolo para você. Hoje é o seu aniversário… Quando voltarmos, você não vai mais ficar brava, tá bom?”

    “Não vão…” A voz de Shirley escapou, num primeiro momento apenas um sussurro.

    Mas então, o sussurro se transformou em um grito.

    “Não vão… NÃO VÃO! NÃO VÃO!”

    Finalmente, ela desabou em prantos. Mesmo sabendo que era inútil, ela continuou gritando o mais alto que podia:

    “NÃO VÃO! NÃO SAIAM! NÃO ABRAM ESSA PORTA, PORRA! NÃO ABRAM!”

    Mas o tempo seguiu seu curso, como uma memória esculpida à força em sua mente, impossível de reverter.

    Os passos do lado de fora se afastaram.

    O som de uma sacola sendo recolhida.

    O murmúrio distante e indistinto de seus pais conversando.

    A maçaneta girando.

    A porta se abrindo.

    A porta se fechando.

    A chave girando uma volta.

    E depois, mais meia volta.

    Shirley se sentou lentamente na escuridão.

    E começou a contar os batimentos do próprio coração.

    No milésimo ducentésimo batimento, os primeiros gritos de alarme sobre um incêndio ecoaram à distância.

    No milésimo sexcentésimo batimento, o cheiro acre da fumaça começou a se infiltrar pela fresta da porta.

    No milésimo octingentésimo batimento, a rua já estava repleta de gritos frenéticos. A luz vermelha brilhante da chama preencheu a janela, como se toda a Cidade-Estado tivesse sido lançada dentro de um mar de lava incandescente.

    No dois milésimo batimento, um estrondo profundo veio da direção da entrada—

    A porta da casa foi derrubada.

    Era como se uma besta gigantesca estivesse entrando, seus passos pesados ecoando conforme avançava pelo cômodo.

    Ela se aproximava.

    Ela se aproximava…

    E então, a porta do quarto caiu.

    A porta que Shirley, com toda a força de seu pequeno corpo, nunca conseguiu derrubar… Agora se despedaçou como se fosse feita de papel.

    Uma criatura terrível surgiu ali.

    Era um cão demoníaco colossal, um pesadelo moldado a partir de ossos, sombras, fumaça e cinzas incandescentes. Para uma criança de apenas seis anos, aquela besta das profundezas era um monstro imenso e avassalador. Agora, suas órbitas vazias e vermelhas captaram a presença de um ser vivo dentro do quarto.

    Shirley olhou para a criatura com calma.

    Era um Cão de Caça Abissal—mas ainda não era Cão.

    Não era aquele Cão que possuía um ‘coração’.

    Não era aquele que revirava latas de lixo para encontrar comida e dividir com ela.

    Não era aquele que tentava contar piadas sem graça para fazê-la rir, mas no final só conseguiu ensinar-lhe um monte de palavrões.

    O Cão de Caça Abissal deu um passo para dentro do quarto.

    O som de carne e ossos sendo mastigados preencheu o ar.

    Shirley estava caída no chão, sentindo os próprios membros sendo devorados pela fera.

    A dor lancinante rompeu o véu de onze anos de lembranças, alcançando sua mente de maneira lenta e entorpecida. Ainda assim, ela continuou contando os batimentos do próprio coração—contando o tempo até o dia em que Cão se tornaria seu Cão e calculando quanto tempo ainda teria que permanecer ali.

    Uma semana?

    Duas?

    Sua consciência começou a se desvanecer.

    Mesmo nesse pesadelo sombrio, a dor distante, lenta e entorpecente finalmente a alcançou. Sua visão se tornou turva, e foi então que ela viu—sobre a cama, nas sombras mais profundas do quarto, uma silhueta havia surgido.

    Não, talvez aquele vulto não tivesse ‘surgido’ repentinamente.

    Talvez ele estivesse ali o tempo todo.

    Desde o início deste sonho.

    Desde o início de todos os sonhos.

    Ou talvez—Shirley não sabia por que aquele pensamento lhe ocorreu—desde onze anos atrás.

    Ele estava sentado ali.

    E, pela primeira vez, ela o notou.

    Era como se um nevoeiro espesso tivesse finalmente se dissipado, permitindo-lhe enxergar o que estava oculto além dele.

    Uma tênue chama verde espectral brilhou do nada, iluminando seu rosto.

    Sombrio e imponente.

    Shirley nunca tinha visto aquele homem antes—mas, de alguma forma, sentia que ele lhe era estranhamente familiar.

    “Sem ofensa.”

    A figura sombria e imponente finalmente falou.

    1. O autor censurou essa palavra no original, seguirei ele nisso.[]
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