Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 132: A Fronteira do Sonho
Duncan fez a proposta com um sorriso.
“Quer dar uma olhada no limite do seu próprio sonho… agora que está consciente?”
Para Shirley, suas palavras soaram como um sussurro profundo vindo das Profundezas Abissais, uma tentação soturna ecoando do fundo do oceano escuro.
Seu corpo tremeu instintivamente.
Uma parte dela rejeitava aquela ideia com todas as forças.
Mas, ao mesmo tempo, um impulso irresistível começou a crescer dentro dela.
O que havia além deste pequeno quarto trancado?
O que existia na rua que ela nunca chegou a ver com os próprios olhos, naquele fatídico amanhecer iluminado pelo fogo?
Este pesadelo a assombrava havia onze anos.
E agora, pela primeira vez, ela estava lúcida dentro dele.
Lentamente, Shirley respirou fundo e voltou seu olhar para a janela.
O vidro pequeno estava preenchido por uma tonalidade vermelho-escura, opaca como sangue seco.
Não dava para ver nada além.
Ela nunca soube como era a rua naquele dia. Nunca olhou pela janela enquanto o incêndio consumia tudo.
E como nunca viu, seu subconsciente nunca foi capaz de recriar esse detalhe.
Assim, no sonho, o mundo exterior se dissolvia num brilho caótico e indistinto.
Até mesmo a sala ao lado era um breu nebuloso.
O sonho apenas refletia suas próprias memórias e percepções.
Se há onze anos ela nunca conseguiu sair desse quarto, será que agora, onze anos depois, finalmente conseguiria atravessar essa porta?
“Uma pessoa pode mesmo andar dentro do próprio sonho?” Shirley murmurou, pensativa. “Não faço ideia do que há lá fora… E se for apenas um vazio sem fim?”
“Os sonhos refletem o inconsciente”, a voz de Duncan ecoou da porta. “E a mente humana registra detalhes que nem sequer percebemos conscientemente. Você pode ter ficado presa nesse quarto, mas os jogos de luz e sombra, os sons do lado de fora, e até sua própria intuição podem ter armazenado informações que nem imagina. Se analisarmos esses detalhes, talvez encontremos pistas sobre o que realmente aconteceu.”
Ele fez uma breve pausa antes de continuar:
“Mas a decisão é sua. Se quiser recusar, não irei forçá-la, nem continuarei explorando o seu sonho. Vou permanecer aqui. E enquanto eu estiver presente, este pesadelo não voltará a atormentá-la. Pode dormir tranquila. Amanhã ainda será uma manhã ensolarada.”
Shirley mordeu levemente os lábios.
Foi como se precisasse reunir uma força absurda para tomar a decisão.
Então, finalmente, ela murmurou:
“Eu… quero ver o que há lá fora.”
“Ótimo.”
Duncan assentiu e se afastou da porta, abrindo espaço para que ela passasse.
“Eu vou com você.”
Uma Sombra do Subespaço.
O Flagelo Errante do Mar Infinito.
Se oferecendo para caminhar ao seu lado.
Era para ser um convite aterrorizante.
Mas, por algum motivo…
Desta vez, Shirley sentiu que podia respirar um pouco mais aliviada.
Era como se, no meio daquele pesadelo interminável e sombrio, uma pequena chama quente tivesse surgido, permitindo-lhe relaxar um pouco.
Shirley sentiu que devia estar enlouquecendo.
De alguma forma, conviver com um Deus Maligno parecia estar corrompendo sua sanidade.
Duncan a seguiu enquanto ela atravessava a porta de madeira do pequeno quarto.
Agora, ambos estavam na sala de estar da casa onde Shirley passou sua infância.
Cão os acompanhava de perto.
O Cão de Caça Abissal parecia extremamente tenso, seus olhos vazios e brilhantes examinando constantemente os arredores.
De tempos em tempos, inclinava a cabeça ligeiramente, como se estivesse tentando ouvir algo vindo da rua.
Shirley notou seu comportamento e perguntou, curiosa:
“Cão, o que você está fazendo?”
“Patrulha”, Cão respondeu em um tom grave. “Estamos entrando numa parte desconhecida do sonho… Daqui para frente, estamos indo para uma região que não existe na sua memória. Teoricamente, tudo o que surgir à frente será moldado pela sua imaginação e pelas emoções inconscientes que você reprimiu. E quando o medo é a emoção dominante… essas manifestações raramente são amigáveis.”
Shirley ficou surpresa.
“Cão, como é que você sabe de tudo isso?”
“Sei um pouco”, Cão sacudiu a cabeça grotesca. “Eu sou um demônio abissal legítimo, afinal de contas…”
Duncan, por outro lado, ignorou a conversa dos dois.
Ele estava focado em observar a sala de estar, procurando por pistas.
Aquele cômodo modesto estava envolto por uma escuridão nebulosa e caótica, como se estivesse tomado por uma névoa persistente.
Ele viu uma estante de madeira encostada na parede, cadeiras e uma mesa simples em um canto.
Um relógio antigo estava pendurado na parede—mas seus ponteiros tremulavam e se retorciam como fumaça, girando incessantemente em círculos sem qualquer sentido.
No centro da sala, o chão estava marcado por profundos arranhões.
Era ali que, há onze anos, Cão havia arrombado a casa pela primeira vez.
Fora isso, não havia sangue, corpos ou qualquer vestígio de fogo.
O incêndio parecia confinado ao mundo lá fora…
Ou talvez, no subconsciente de Shirley, o fogo nunca tenha conseguido entrar na casa.
Eles atravessaram a sala e chegaram à porta da frente.
A porta estava destruída.
Havia um buraco enorme nela.
Restavam apenas a moldura e alguns fragmentos de madeira pendurados nos batentes.
Era evidente que aquele estrago também havia sido causado pelo Cão de Caça Abissal.
Do lado de fora, estava a rua consumida pelo incêndio.
Shirley parou abruptamente.
Ela havia chegado até ali…
Mas, de repente, percebeu o que realmente a aterrorizava.
“Shirley?“
Cão percebeu sua hesitação e olhou para ela com curiosidade.
Mas Shirley não respondeu.
Ela apenas mordeu o lábio com força, seu olhar fixo na rua além da porta—na névoa densa preenchida pelo brilho distorcido e avermelhado.
Cada célula, cada nervo de seu corpo estava em alerta, tensionado, rejeitando aquele momento.
Ela podia ver, em sua mente, seus pais saindo pela porta naquela manhã.
Ela sabia que nunca voltaram.
E agora, ao olhar para fora, não podia evitar a imagem de seus corpos caídos ali, bem em frente à casa.
Ela não ousava imaginar o que aconteceria se desse um único passo para fora.
Foi então que ouviu o som sutil de uma corrente se movendo.
Cão deu um passo à frente.
Ele esticou o pescoço e espiou para a rua… Depois, recuou.
“Shirley, está tudo bem. Não há nada assustador lá fora… ou, se havia, já não dá mais para ver.“
Shirley olhou surpresa para os olhos vazios de Cão.
Ela apertou os lábios e murmurou:
“Obrigada.”
E então, deu um passo à frente.
Um único passo para além da porta de sua casa, pela primeira vez em onze anos.
A rua estava coberta por uma névoa avermelhada e turva.
No meio daquela neblina fina, era possível distinguir o contorno de prédios, postes de luz e uma estrada deformada e irregular.
Os edifícios distantes tremulavam como se fossem ilusões.
Eles haviam sido reduzidos a esqueletos carbonizados pelo incêndio, agora tingidos de negro e vermelho escuro.
As bordas das construções vibravam de forma estranha, como se fossem chamas instáveis, e estalos secos ecoavam pelo ar—como se o fogo ainda queimasse em algum lugar invisível.
Partículas de cinzas e poeira pairavam na atmosfera, misturadas com um cheiro sufocante.
Duncan franziu levemente a testa.
O fogo havia se apagado.
Mas os rastros de sua destruição estavam por toda parte.
A fuligem espalhada pelo chão, os montes de material derretido nos cantos da rua…
Tudo confirmava que aquele incêndio fora real.
Mas não havia nada ali que pudesse estar relacionado ao Fragmento do Sol.
Porém, ao refletir por um momento, Duncan percebeu que isso era perfeitamente normal.
Afinal, aquilo ainda era apenas o sonho de Shirley—um espaço moldado por suas memórias, percepções e imaginação, e não uma verdadeira reconstrução do passado de onze anos atrás.
Com esse pensamento, ele seguiu ao lado de Shirley, caminhando lentamente pela rua consumida pelo incêndio.
Então, de repente, ele parou.
Shirley percebeu e virou-se, surpresa.
“Sr. Duncan?”
Duncan franziu as sobrancelhas e levantou uma das mãos, pedindo silêncio.
Ele inclinou a cabeça, tentando ouvir.
Por um instante, pareceu-lhe que um sussurro fraco havia ecoado bem ao seu lado.
Ele tentou distinguir as palavras.
Então, sem hesitar, caminhou até uma pilha de cinzas acumulada na beira da rua.
Era um amontoado de resíduos queimados, misturados a fragmentos carbonizados que pareciam não ter sido completamente consumidos pelo fogo.
Entre as cinzas, pequenas faíscas ainda ardiam, crepitando levemente.
E se alguém olhasse com atenção…
Notaria que o formato daquela pilha de cinzas se assemelhava a um corpo humano encolhido sobre si mesmo.
Duncan ficou parado por um longo momento, observando aquele monte de cinzas.
Então, lentamente, se inclinou e aproximou o ouvido.
“… Eu… não quero morrer…”
A pilha de cinzas murmurou em voz baixa.
Os olhos de Duncan se arregalaram ligeiramente.
Atrás dele, Shirley também ouviu o sussurro e, ao contrário de Duncan, não conteve sua reação:
“Caralho! Mas que porra é essa?!”
Duncan virou a cabeça ligeiramente para encará-la, e Shirley, em um reflexo rápido, corrigiu-se:
“Quer dizer… A-Ai, que medo!”
Os cantos da boca de Duncan se contraíram levemente.
“… Sua primeira reação pareceu melhor.”
Na verdade, aquele sussurro também o pegou de surpresa…
Mas qualquer tensão que sentisse foi completamente sobreposta pelo grito espontâneo de Shirley.
No entanto, logo sua atenção voltou-se para a rua.
Para as outras pilhas de cinzas espalhadas ao longo do caminho.
Se uma delas estava sussurrando…
Quantas mais também estariam?
As vozes sussurrantes continuaram, misturando-se ao ar carregado de cinzas e fagulhas flutuantes.
“Eu não quero morrer…”
“Socorro…”
“Quero ir para casa…”
“Alguém… ajude…”
Um calafrio subiu pela espinha de Shirley.
Ela instintivamente se aproximou de Cão, sentindo seu corpo inteiro se tensionar.
Ela já havia enfrentado cultistas, disposta a lutar até o fim, mas esse tipo de horror…
Esse tipo de coisa pura e simplesmente macabra…
Ela simplesmente não sabia lidar com isso.
E o pior de tudo—este era seu próprio pesadelo.
E nada é mais difícil de enfrentar do que o terror enraizado dentro de nós mesmos.
Mas então, um pensamento a atingiu.
Ela franziu levemente a testa.
Este era mesmo seu pesadelo?
Era mesmo apenas um sonho?
Ali, na fronteira do sonho, onde as lembranças e percepções de Shirley já não deveriam alcançar…
Por que aqueles sussurros estavam lá?
Por que aquelas vozes, que ela nunca ouviu, que não pertenciam às suas memórias, ecoavam pelo ar?
Se fossem apenas manifestações do seu subconsciente, como poderiam existir ali coisas que ela jamais teria imaginado?
Ela virou-se lentamente para Duncan.
E percebeu que ele também a estava observando.
Seus olhos profundos estavam cheios de reflexão e análise.
Então, sua voz grave quebrou o silêncio:
“Isso pode não ser apenas um sonho.”
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