Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 138: Brilho Estelar
“Uma única embarcação como o Banido já é ruim o bastante para este mundo…”
Na sala de adivinhação, iluminada pela tênue luz de velas, Lucretia permanecia sentada em uma cadeira de encosto alto, revestida com almofadas de veludo. Ela observava o Cristal de Visão sobre a mesa, mas, por alguma razão, sua mente vagava para um passado distante—um momento ocorrido há quase um século…
Naquele entardecer, a figura já um tanto difusa em suas lembranças permanecia no convés de um navio, de costas para o sol poente que afundava lentamente no horizonte. Sua silhueta alta e imponente oscilava como uma chama tênue na luz do crepúsculo.
Com um tom baixo e sufocado que ela nunca ouvira antes, ele disse:
“Nosso mundo… não passa de brasas se apagando.”
Agora, Lucretia sabia que, naquela época, seu pai já havia sido tomado pela loucura—e que, não muito tempo depois, ele abandonaria completamente sua humanidade para aceitar, de bom grado, a ‘bênção’ do Subespaço.
Mas, ainda assim, ocasionalmente se perguntava: e se, naquele dia, ela tivesse insistido em conversar mais com ele? Se tivesse perguntado o significado exato daquela frase? Se tivesse questionado o que exatamente ele havia visto nos confins do mundo?
Será que as coisas teriam tomado um rumo diferente?
Talvez o destino de seu pai fosse enlouquecer de qualquer forma. Talvez o surgimento do Banido fosse um evento inevitável, uma marca já escrita no fluxo do tempo, impossível de ser revertida.
Mas, pelo menos, ela teria entendido como tudo aconteceu. Teria uma direção clara para buscar a verdade—e não estaria agora à deriva, navegando em uma embarcação amaldiçoada, sem rumo pelas fronteiras do mundo, um território tão remoto que nem mesmo os inspetores do clero ousavam patrulhar.
“Lucretia, ainda está me ouvindo?”
A voz de Tyrian ecoou do cristal, interrompendo seus devaneios e trazendo-a de volta à realidade.
Ela sacudiu levemente a cabeça, afastando aqueles pensamentos turbulentos.
“Irmão.” Ela fixou o olhar em Tyrian, agora falando com seriedade. “Você ainda se lembra do que nosso pai disse antes de partir para as fronteiras pela última vez? Naquela ocasião, ele não nos deixou acompanhá-lo…”
“É claro que lembro.” Tyrian assentiu. “Ele disse que havia encontrado pistas sobre a Anomalia 000—e que partiria em busca de uma ‘cura para este mundo’. Naquele momento, não apenas recusou nossa companhia, como também rejeitou a escolta de várias outras embarcações.”
Tyrian fez uma breve pausa antes de continuar, com um olhar sombrio:
“E quando ele e o Banido retornaram… nada mais era como antes.”
“Sim. Quando o Banido retornou, nenhum de seus tripulantes falava mais—como se estivessem sob uma maldição de silêncio. Mas nosso pai ainda era capaz de se comunicar conosco com clareza. Ele nos disse que não encontrou a Anomalia 000 e que, mesmo que ela existisse, não era a causa original da distorção do mundo. Ele afirmou que a ‘cura’ para este mundo nunca existiu.”
Lucretia fez uma pausa antes de continuar:
“Desde aquele momento, até o dia em que ele nos disse no convés, sob o pôr do sol, que ‘o mundo era apenas brasas se apagando’, ele nunca mencionou nada sobre aquela expedição às fronteiras.”
Tyrian ficou em silêncio. Ele não respondeu de imediato, e um longo intervalo se passou antes que Lucretia voltasse a falar.
“Depois disso, procurei contato com as frotas do clero que patrulhavam as fronteiras—incluindo os Portadores da Chama, os Sacerdotes do Mar Profundo, os estudiosos da Academia da Verdade e até mesmo aqueles mórbidos cultistas da morte. Perguntei a todos sobre a Anomalia 000, mas todos me deram a mesma resposta: não há qualquer anomalia ou fenômeno numerado como ‘zero’.”
“Eu também investiguei.” Tyrian finalmente quebrou o silêncio, sua voz grave. “E obtive a mesma resposta que você… Não é que a Anomalia 000 ainda não tenha sido descoberta—ela simplesmente não existe.”
“O primeiro registro que vazou da Tumba do Rei Sem Nome já continha toda a numeração oficial. Mesmo anomalias e fenômenos ainda não descobertos tinham posições reservadas, esperando para serem preenchidas no futuro. Até mesmo aquelas que evoluíram ao longo da história, como o Frasco de Micélio e a Ilha dos Fungos, tinham seus espaços previstos desde o início. Mas, no topo da lista, nunca houve uma posição para a Anomalia 000.”
Tyrian fez uma breve pausa antes de continuar, seu olhar sombrio fixo na imagem de Lucretia no cristal.
“É por isso que digo que nosso pai já estava instável antes mesmo de partir para as fronteiras. Ele não poderia ignorar essas informações.”
Ele então parou de falar abruptamente e ergueu a cabeça, sua expressão se tornando ainda mais séria.
“Por que está trazendo esse assunto à tona agora? Faz meio século que não falamos sobre isso. O que está tentando fazer?”
“… Não se preocupe, não pretendo me lançar contra aquela imensa muralha de neblina como ele fez.”
Lucretia raramente demonstrava emoções, mas, dessa vez, esboçou um leve sorriso.
“Estou apenas seguindo as pistas que nosso pai deixou para trás. Mas não pretendo trilhar o mesmo caminho que ele.”
Tyrian permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de assentir lentamente.
“… Que assim seja.”
Os dois irmãos ficaram em silêncio por um momento, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. Eles raramente se encontravam pessoalmente, mesmo após um século.
Então, um som distante rompeu a quietude—o som abafado do apito do Névoa do Mar ecoando pela comunicação mágica.
Lucretia quebrou o silêncio.
“Você vai mesmo para Pland? Tudo isso por causa do ‘convite’ daquele governador?”
“‘Convite’ não é o que importa. Não me interesso pelos problemas de segurança dessa cidade-estado, mas o governador afirmou, com certeza absoluta, que o Banido ressurgiu no mundo real. Preciso ver isso com meus próprios olhos”, disse Tyrian, com uma expressão séria. “Aquela embarcação esteve desaparecida por quase meio século. Seu reaparecimento agora é muito suspeito.”
Lucretia refletiu por um momento antes de perguntar:
“Você já encontrou o Banido uma vez, há cinquenta anos. Lembro que, na época, você ainda estava em Geada… O que viu naquela ocasião? Era realmente o Banido?”
“… Sim, sem dúvida alguma. Por mais inacreditável que pareça, era ele”, a voz de Tyrian ficou mais grave. “Eu poderia reconhecer a posição de cada mastro e a disposição de cada corda naquele navio.”
“Então… a figura que estava a bordo era realmente o ‘pai’?”
Tyrian abaixou ligeiramente a cabeça, seu rosto obscurecido pelas sombras.
“… Sim. Embora eu preferisse que não fosse.”
Lucretia observou a imagem do irmão no cristal e hesitou antes de dizer, em um tom suave:
“Tenha muito cuidado. Se for realmente ele… você estará em grande perigo.”
“Eu sei.” Tyrian soltou um longo suspiro. “Aquela coisa já se tornou um espectro completamente distorcido pelo Subespaço. Eu jamais abaixaria minha guar…”
Lucretia, sem expressão, balançou a cabeça e o interrompeu:
“Não, o que quero dizer é… Se for realmente o pai, e ele vir que você transformou o Névoa do Mar num enorme pedaço de ferro, ele vai te atacar ainda mais ferozmente do que há cinquenta anos.”
Tyrian congelou por um momento e então arregalou os olhos.
“Como é?! Isso é uma modernização eficiente! Qual o problema com caldeiras a vapor e canhões de disparo rápido?! E você não tem moral nenhuma pra me criticar—pelo menos eu ainda mantive algumas partes originais. Sua embarcação, por acaso, tem sequer um pedaço do Brilho Estelar de antigamente?!”
O cristal se apagou.
Lucretia suspirou suavemente e levantou-se da cadeira.
Seu irmão ainda estava cheio de energia. Bastava provocá-lo um pouco para que recuperasse todo o vigor, e sua curiosidade pelo avanço tecnológico continuava forte.
Isso era bom.
Na longa jornada da imortalidade, o pior inimigo não era o tempo—mas a decadência da mente e a corrosão da alma.

Passos leves ecoaram na penumbra, acompanhados pelo som de engrenagens mecânicas e mecanismos de corda se movimentando. Lucretia ergueu o olhar na direção do som e viu uma figura se aproximando—
Era um Autômato de Cordas, com aparência feminina.
O rosto do autômato possuía uma semelhança moderada com Lucretia, mas sua estrutura era claramente mecânica. Seu corpo era composto de articulações metálicas visíveis e placas de aço reforçado e cerâmica, moldadas na forma de um vestido de criada. Na iluminação escassa, sua presença era simultaneamente impressionante e perturbadora.
Ao caminhar, as engrenagens em suas costas emitiam um leve som de clique e rotação. Quando chegou à frente de Lucretia, estendeu uma xícara de chá com um movimento preciso. Sua boca articulada abriu-se com um estalo, emitindo uma voz feminina ligeiramente rígida e artificial:
“Senhora, seu chá.”
“Obrigada.” Lucretia pegou a xícara e perguntou casualmente:
“Luni, onde estamos agora?”
A autômato chamada Luni respondeu imediatamente:
“O Brilho Estelar acaba de ultrapassar a Ilha do Cabo Enevoado. Atualmente, estamos navegando na borda da Cortina Eterna. Deseja admirar a vista?”
“… Abra o domo”, respondeu Lucretia após saborear um gole de chá e devolver a xícara ao prato prateado de Luni. “O dia amanheceu. Acho que devo tomar um pouco de sol.”
“Sim, senhora.”
Luni fez uma leve reverência e recuou com passos calculados.
No instante em que a autômato terminou de falar, um leve tremor percorreu a sala de adivinhação.
O ambiente foi tomado por uma sinfonia mecânica—o ranger de engrenagens, o zumbido dos circuitos mágicos, o clique de travas liberando-se. Uma infinidade de engrenagens e trilhos ocultos entrou em movimento, e as paredes começaram a se afastar, revelando o mundo exterior.
Em questão de segundos, a sala, antes imersa na penumbra, foi inundada pela luz do sol.
Diante de seus olhos, o espaço transformou-se em algo que lembrava uma flor mecânica se abrindo lentamente—como um palco se erguendo diante do vasto oceano.
Este era o convés superior do Brilho Estelar.
O aposento pessoal da Bruxa dos Mares, Lucretia, desdobrou-se na proa do navio como um majestoso palco elevado, e, ao seu redor, revelou-se a verdadeira forma do Brilho Estelar—
A embarcação era dividida em duas metades distintas.
A proa do navio fora completamente reformada. Símbolos arcanos e dispositivos mágicos cobriam a estrutura, transformando-a em algo que se assemelhava mais a um complexo mecanismo arcano do que a uma embarcação tradicional.
Materiais raros, extraídos das fronteiras do mundo e das profundezas do mar, foram incorporados à estrutura do convés, infundindo-lhe uma aura surreal e hipnótica. O ambiente parecia pulsar com o fluxo contínuo de um ritual mágico perpétuo, alimentado pelos intricados círculos rúnicos e cristais de energia espalhados pelo navio.
Já a popa, porém, contava uma história completamente diferente.
Ali, metade do casco assumia uma forma etérea, translúcida como um espectro. Uma névoa fina e ilusória envolvia a traseira da embarcação, conferindo-lhe uma aparência meio fantasmagórica.
No brilho flutuante da luz mágica, era possível discernir as silhuetas dos traços originais do navio—
Os contornos de uma fragata de velas construída um século atrás, cujo design lembrava muito o estilo do Banido.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.