Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 143: Hipnose
Nina engoliu em seco, um pouco nervosa, enquanto observava o leve balançar do pingente de cristal na mão de Heidi.
Mesmo que ela tivesse dito para relaxar, era a primeira vez que Nina passava por um tratamento hipnótico, e ela não conseguia evitar sua reação natural de apreensão.
Ao fixar o olhar no pingente oscilante, Nina também notou algo diferente – no pulso de Heidi, havia um bracelete de contas de pedra, simples e discreto. As contas coloridas estavam presas por um fio resistente, e algumas delas tinham símbolos gravados que pareciam runas.
Percebendo seu olhar, Heidi sorriu e balançou levemente o pulso.
“Sou uma ‘estudante’ da Academia da Verdade, seguidora e serva do Deus da Sabedoria, Lahm1. Pode não parecer à primeira vista, mas no meu registro profissional, sou uma clériga.”
Clériga…
Além de psiquiatra, ela também fazia parte da Academia da Verdade?
Nina, é claro, já ouvira falar da Academia da Verdade. Apesar do nome sugerir uma instituição de ensino, a realidade era bem diferente. A Academia era, na verdade, uma das Quatro Grandes Igrejas, junto da Igreja do Mar Profundo, da Ordem da Morte e dos Portadores da Chama. Juntas, essas quatro facções sustentavam a ordem na Era do Mar Profundo.
No entanto, ao contrário das outras três igrejas, a Academia da Verdade tinha uma presença menos teológica e era muito mais voltada para a pesquisa de conhecimento e a disseminação da tecnologia. Seus membros formavam relações com base em linhagens acadêmicas e tradições de aprendizado, ao invés das estruturas convencionais de templos e rituais.
Enquanto as outras igrejas construíam catedrais e santuários, organizando cultos e missas diárias, a Academia da Verdade erguia universidades e laboratórios em cidades-estado por todo o mundo. Para seus seguidores, a fé era medida por provas e exames rigorosos – onde um superior hierárquico não oferecia bênçãos ou orientações divinas, mas sim problemas complexos para resolver.
Afinal, para provar sua devoção a Lahm, era necessário atingir a pontuação mínima exigida.
Essa abordagem única da Academia também resultava em um fenômeno curioso: entre as Quatro Grandes Igrejas, ela tinha o menor número de seguidores. E, para piorar, aqueles que realmente conquistavam o direito de usar símbolos sagrados e serem reconhecidos como clérigos oficiais eram ainda mais raros.
Simplesmente porque… as provas eram difíceis demais.
Mesmo nas universidades mais prestigiadas, poucos alunos conseguiam se qualificar como devotos de Lahm a cada ano. Para alguém como Nina – uma garota do Distrito Inferior, estudando em uma escola pública, encontrar uma clériga oficial da Academia da Verdade era algo completamente fora de sua realidade.
Aos olhos dela, Heidi parecia ter ganhado um brilho celestial.
Mas, em vez de relaxar, esse brilho a deixou ainda mais tensa.
Era a mesma sensação de um estudante mediano encontrando um gênio que se formou no topo da turma da melhor universidade do país.
Heidi percebeu claramente a mudança na expressão de Nina, mas não parecia se importar. Com a mesma naturalidade de antes, continuou brincando casualmente com o pingente de cristal, enquanto sua voz, ainda calma e gentil, voltava a soar no quarto:
“Você poderia me contar um pouco sobre sua infância? Você mencionou que seus pais faleceram em um acidente. Talvez essa experiência tenha deixado uma marca em sua mente… Poderia falar sobre isso?”
“Na verdade… não há problema em falar sobre isso.”
Nina pensou por um momento antes de continuar:
“Já contei essa história para várias pessoas, mas ninguém nunca me levou a sério. Dizem que eu era muito pequena na época, que devo estar confundindo as coisas. Mas… há onze anos, houve um vazamento químico em uma fábrica no Sexto Distrito. Naquela época, vários cultistas também estavam causando tumulto, e muitas pessoas foram presas depois. Você já ouviu falar desse incidente?”
“Sim, claro.” Heidi assentiu. “Eu ainda era uma adolescente na época. Quando tudo aconteceu, minha família estava visitando o Distrito da Encruzilhada, então também testemunhamos parte do caos…”
“Então você se lembra do incêndio?”
“… Incêndio?” Heidi inclinou levemente a cabeça, parando, sem perceber, de balançar o pingente de cristal. “Que incêndio?”
“Viu? Você também não sabe sobre o incêndio.”
A expressão de Nina permaneceu serena, mas havia um peso evidente em sua voz.
“Mas, na minha memória, houve um incêndio. Um grande incêndio. Meus pais morreram nele. Só que… todos insistem que não houve fogo algum, que eu devo estar me lembrando errado.”
Heidi permaneceu em silêncio, escutando atentamente.
Depois de alguns instantes, ela assentiu suavemente e disse:
“Então esse é o medo que assombra você. Você teme um incêndio que ninguém mais pode ver. Um fogo que só existe na sua memória. Você teme que ele possa retornar um dia e levar as pessoas que ama, enquanto o resto do mundo continua incapaz de enxergá-lo… ou de ajudá-la.”
Nina abaixou a cabeça levemente e assentiu.
“Ultimamente você tem passado por alguma pressão?” Heidi perguntou. “Na escola, em casa… Às vezes, preocupações recentes podem intensificar traumas antigos.”
Nina hesitou por um instante antes de responder, com um tom incerto:
“Talvez seja porque… meu tio esteve doente por muito tempo. E, há algumas semanas, parecia estar piorando. Isso me deixou preocupada…”
Ela fez uma pausa e rapidamente acrescentou:
“Ah, mas agora ele está melhor! Muito melhor! Acho que isso também me ajudou a relaxar bastante. Nos últimos dias, não tive mais aquele sonho estranho.”
Heidi murmurou para si mesma, pensativa:
“Preocupação com a saúde da família…”
Sua voz era suave, quase um sussurro.
Ela observou Nina, que agora estava encostada na cabeceira da cama, os olhos meio fechados, como se estivesse presa entre o sono e a vigília. Com um gesto delicado, Heidi soltou o pingente de cristal de sua mão, deixando-o de lado.
Como uma psiquiatra treinada na Academia da Verdade, habituada a lidar com fenômenos sobrenaturais, Heidi não precisava de métodos convencionais como pingentes oscilantes ou vapores alucinógenos para induzir a hipnose.
Bastava falar.
O único propósito do pingente era atrair a atenção de Nina, ajudá-la a relaxar e reduzir sua resistência inconsciente à sugestão verbal.
Heidi soltou um leve suspiro. Seu olhar era gentil, observando a jovem à sua frente, que já estava completamente relaxada e caía cada vez mais fundo no sono.
“Eu consigo ver o quanto sua vida tem sido difícil…”
Sua voz era baixa e tranquilizadora, fluindo como uma brisa suave.
“Você carrega todo esse estresse e ansiedade dentro de si. Esconde isso no fundo do coração, porque acha que, assim, pode proteger aqueles ao seu redor. Você deseja tornar a vida deles mais fácil… Mas, no processo, acaba se esquecendo de si mesma.
“Agora, apenas relaxe. Descanse profundamente. Deixe toda essa tensão se dissolver em um sonho passageiro… E, quando acordar, tudo isso não terá mais nada a ver com você.”
No meio desse estado de semiconsciência, Nina murmurou suavemente:
“… Obrigada…”
Heidi sorriu.
Para levá-la ainda mais fundo no estado de relaxamento, ela fez uma última pergunta, como se estivesse apenas comentando casualmente:
“A propósito… Você disse que seu tio estava doente antes, não é? O que ele tinha? Porque agora o Sr. Duncan parece estar em perfeita saúde.”
O silêncio se prolongou por um momento.
Então, em um tom quase inaudível, Nina respondeu:
“… Ele só estava um pouco fraco… Mas agora… Ele está completamente curado…”
No entanto, Heidi não ouviu essa resposta.
No instante em que fez a pergunta, seu corpo caiu sobre os pés da cama, afundando em um sono ainda mais profundo que o da própria paciente.
E, no pulso direito de Heidi, a pulseira de contas de pedra – um dos símbolos da Academia da Verdade, usado por monges estudiosos treinados para resistir às loucuras do mundo – brilhou fracamente.
Cada conta da pulseira carregava um símbolo rúnico, representando momentos em que Lahm, o Deus da Sabedoria, havia concedido sua proteção ao portador.
Por alguns segundos, a luz tremeluziu nas pequenas pedras…
Então, uma das contas de cornalina vermelha emitiu um estalo fraco e se desfez em poeira, dispersando-se no ar como se jamais tivesse existido.
No primeiro andar da loja, Vanna continuava fazendo perguntas a Duncan. Algumas eram para esclarecer se ainda havia detalhes não revelados sobre o incêndio no museu, enquanto outras serviam para avaliar se ele ou os outros sobreviventes haviam sido afetados pelo Fragmento do Sol.
À medida que conversavam, a formalidade inicial entre eles começou a se dissolver. O ambiente ficou menos tenso, e a conversa fluiu com mais naturalidade.
Duncan percebeu que a Inquisidora não estava ali apenas para reprimir hereges ou seguir pistas da investigação. Ela realmente se importava com o bem-estar dos sobreviventes daquele dia. Seu interesse parecia sincero.
Ele não sabia se essa empatia se estendia a todos os cidadãos da cidade-estado ou se era apenas por conta de sua relação com Heidi. No entanto, a sinceridade de Vanna foi o bastante para deixar uma boa impressão nele.
“Falando nisso… A Srta. Heidi e Nina já estão lá em cima há um bom tempo, não?”
No meio da conversa, Duncan de repente se lembrou da sobrinha e olhou instintivamente para a escada que levava ao segundo andar.
“É verdade…” Vanna franziu ligeiramente a testa ao perceber isso. “Normalmente, Heidi termina suas sessões muito rápido.”
“… Acho que você não pode usar os métodos usuais da Srta. Heidi como referência.” Duncan contraiu levemente os lábios. “Hipnose por impacto físico e sedação cinética são eficientes em qualquer paciente…”
Ele hesitou por um instante antes de acrescentar:
“Mas elas realmente estão demorando muito… Será que algo aconteceu?”
Vanna balançou a cabeça, confiante:
“Improvável. Heidi é uma profissional rigorosamente treinada pela Academia da Verdade. Ela não cometeria erros em uma simples sessão de hipnose. Provavelmente, elas só se empolgaram conversando.
“Depois de lidar tanto tempo com cultistas fanáticos, Heidi tende a tratar qualquer conversa com uma pessoa normal como uma folga.”
Ela então olhou para Duncan.
“Quer dar uma olhada?”
“Melhor verificarmos.”
Os dois subiram as escadas, um após o outro, e pararam diante da porta do quarto de Nina.
Antes mesmo de abrirem a porta, os dois congelaram no lugar ao ouvir o que vinha do lado de dentro.
Dois roncos profundos, alternando em perfeita sincronia.
- Na mitologia mesopotâmica, existe um deus chamado Lahmu, que é basicamente escrito da mesma forma em chinês 拉赫姆 (Lāhèmǔ), não creio que tenha uma ligação real, pois Lahmu é mais um Deus Protetor que um Deus da Sabedoria, mas fica a informação. Lahmu e Lahm em chinês é 拉赫姆 (Lāhèmǔ). Em inglês por exemplo, chamaram este deus de Lahem, não segui isso, pois Lahem tem um tom mais bíblico.[↩]
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.