Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 145: Heidi e Sua Família
Heidi teve o bom senso de não insistir no assunto.
Ela sabia que era diferente de Vanna. Embora, formalmente, também fosse uma ‘membro do clero’ e tivesse um registro oficial na Academia da Verdade, sua especialidade era mais voltada para a pesquisa e o raciocínio do que para o combate direto contra forças ocultas e perigosas. Sim, ela era capaz de arrancar segredos da mente de cultistas e identificar a sombra deixada pela heresia nos sussurros das alucinações coletivas, mas isso era algo completamente distinto do trabalho de uma Inquisidora.
Ela não possuía a mesma sensibilidade para certos tipos de ameaças.
Já Vanna, acostumada a enfrentar hereges e forças ocultas de frente, podia ter detectado um sinal de perigo — talvez a visita ao Distrito Inferior naquele dia tivesse, sem querer, tocado em algo maior.
Quando estavam quase chegando em casa, Heidi perguntou:
“… Aquela loja de antiguidades tem algo de errado?”
“A loja de antiguidades está completamente normal”, Vanna respondeu enquanto reduzia a velocidade do carro, um olhar pensativo no rosto. “Mas nossa cidade-estado… talvez não esteja.”
A noite já havia caído por completo. O som do sino marcando a troca do dia para a noite ressoava ao longe, misturado ao apito do Núcleo Central de Vapor, atravessando as nuvens sobre a cidade-estado. No Distrito Superior, os postes a gás já haviam sido acesos meia hora antes.
Ao chegar à porta de casa, Heidi ouviu o ronco do motor se afastando.
A cidade entraria em toque de recolher em breve, mas essa restrição se aplicava apenas às pessoas comuns, que não tinham meios de se proteger. Os Inquisidores da Igreja, obviamente, estavam acima disso. Vanna ainda precisava passar no museu para inspecionar a área e se reunir com os guardiões responsáveis pelo bloqueio do local. Seus dias de descanso eram sempre assim — nunca realmente descansava.
Heidi, sem querer, lembrou-se de seu próprio dia de folga interrompido e suspirou antes de abrir a porta e entrar em casa.
A luz estava acesa na espaçosa sala de estar, mas ninguém estava à vista. A casa estava silenciosa. A empregada diurna, responsável pela limpeza e lavanderia, já havia ido embora antes do pôr do sol, deixando aquele grande casarão com um ar um pouco frio e vazio.
Mas Heidi já estava acostumada. Seu pai era do tipo que, uma vez trancado no escritório, dificilmente saía. Sua mãe, por conta da saúde frágil, passava boa parte do tempo descansando no quarto. Para uma família de três pessoas, aquela casa era grande demais, e o silêncio era quase constante.
Ainda assim, isso não significava que faltava calor humano naquele lar — Heidi sempre teve um ótimo relacionamento com seus pais, e isso nunca mudou.
Heidi, já acostumada com a rotina, tirou o casaco, guardou o chapéu e colocou sua maleta médica no lugar de sempre. Olhou para o escritório, cuja luz ainda estava acesa, mas decidiu não incomodar seu pai, que provavelmente estava imerso na leitura de algum documento. Como de costume, seguiu direto para o quarto dos pais, bateu na porta e chamou:
“Cheguei! Está aí, mãe?”
A voz da mãe veio de dentro do quarto, carregada de um tom ligeiramente teatral de irritação:
“Olha a hora que você resolve voltar para casa!”
Heidi fez uma careta na porta, mas logo compôs uma expressão mais séria antes de abrir a porta com um sorriso, murmurando enquanto entrava:
“Eu saí com a Vanna. Com ela por perto, vocês ainda se preocupam? Ela sozinha consegue derrubar metade da cidade…”
O quarto estava iluminado de forma suave. A luz não era muito intensa, pois um brilho forte poderia incomodar os olhos da mãe — que, há onze anos, havia sido afetada pelos vapores químicos do vazamento na fábrica, e desde então sua visão nunca mais foi a mesma.
Heidi demorou um instante para se acostumar à penumbra antes de ver sua mãe sentada na cama. Era uma senhora amável, vestindo um pijama de tecido macio, ocupada trançando um ornamento de corda típico da cidade-estado de Pland. Sob a fraca iluminação, ela levantou a cabeça para olhar Heidi e suspirou:
“Você anda grudada demais na Vanna. No fim, vai acabar igual a ela, sem conseguir se casar. Eu sei muito bem que ela anda indo escondida ao centro de assistência matrimonial todo fim de semana, escolhe um sujeito e dá uma surra nele. A Igreja recebe reclamações o tempo todo…”
A expressão de Heidi ficou um pouco estranha.
“Bem… não fale assim… A Vanna agora é uma Inquisidora…”
“E daí? Aqui em casa, ela passou anos almoçando conosco”, a senhora resmungou, sem interromper os movimentos ágeis dos dedos. “Depois que o tio dela virou Governador, ele só pensa na cidade-estado e esqueceu do resto. No fim, a menina ficou assim por causa da criação rígida dele. Sempre foi teimosa demais. No dia do batismo, ainda insistiu em fazer votos. Tudo bem, votos são normais, mas três de uma vez? As freiras normais escolhem um. Ela não, teve que fazer os três só para provar sua devoção… e agora está presa nessa situação, sem conseguir se casar até hoje…”
Heidi, sem saber como responder, apenas sorriu sem graça. Aproveitou a primeira pausa que a mãe fez para respirar e, rapidamente, mudou de assunto ao olhar para o artesanato que ela segurava:
“Está quase pronto?”
“Fiz e desfiz várias vezes, mas agora finalmente está do jeito que quero”, a mãe sorriu, erguendo a peça para mostrar melhor. O adorno de cordas trançadas parecia uma faixa ornamental requintada — os fios delicadamente entrelaçados formavam padrões complexos com espaços vazados, decorados com pequenas pedras e contas coloridas. Era um artesanato típico de Pland, um trabalho minucioso e demorado, considerado um amuleto de proteção e afastamento do mal.
“Agora só falta saber se, quando eu terminar, você já terá encontrado um bom rapaz…”
Heidi lançou um olhar cauteloso para a faixa trançada quase finalizada e sugeriu com cuidado:
“Então… talvez você possa desfazê-la mais uma vez. Quem sabe, pode dar tempo…”
“Você só quer me irritar, não é?”
Heidi rapidamente abriu um sorriso conciliador e escapou do quarto.
Enquanto fechava a porta atrás de si, ainda podia ouvir os resmungos da mãe. Com passos leves, começou a se dirigir para a cozinha, mas parou de repente ao notar que seu pai estava parado no corredor.
Morris, um homem de aparência refinada, de cabelos grisalhos e ralos, olhava para a filha com um ar ligeiramente exasperado.
“Ouvi você chegando faz tempo… Brigou com sua mãe de novo?”
Heidi sacudiu as mãos apressadamente.
“Não, não, estávamos apenas conversando.”
“Entregou o presente ao Sr. Duncan?” Morris perguntou em seguida.
“Entreguei — e ele ficou muito feliz”, Heidi confirmou, mas não conseguiu evitar de olhar para o pai com certa curiosidade. “Mas, para ser sincera, eu realmente não esperava que você fosse capaz de se desfazer de um dos seus livros favoritos…”
“Era apenas uma peça da minha coleção — ele salvou a sua vida”, Morris respondeu calmamente. “Na verdade, ainda acho que isso não é o bastante. Em alguns dias, precisarei fazer uma visita para agradecer pessoalmente.”
Heidi imediatamente lembrou do pequeno ‘incidente’ durante a sessão de hipnose com Nina e sua expressão ficou um pouco constrangida.
“Não precisa ser tão formal assim, certo?”
“Não é uma questão de formalidade. O Sr. Duncan salvou a sua vida, e eu não sou apenas seu pai, também sou professor de Nina. Além disso, ele é um antiquário dedicado e apaixonado pelo conhecimento. De um ponto de vista social, essa é uma relação que vale a pena cultivar”, Morris explicou de maneira despreocupada. “Gosto muito de uma palavra que ele costuma usar… ‘destino’.”
“Tá bom, tá bom, faz sentido, faz sentido”, Heidi suspirou, já prevendo onde aquela conversa poderia levar. Sempre achava curioso que seu pai, que não era exatamente um mestre da interação social, insistisse em dar lições sobre etiqueta. “Mas, por favor, quando for visitá-lo, só não saia comprando coisas aleatórias de novo, pode ser?”
“Isso vai depender se houver algo interessante para a minha coleção”, Morris respondeu casualmente. Então, depois de pensar por um momento, perguntou como se fosse algo trivial:
“Hoje você foi com a Vanna?”
“Sim, ela estava de folga, então fui com ela no carro.”
Morris hesitou por um instante, parecendo um pouco incerto.
“Tenho a impressão de que você anda muito próxima da Vanna ultimamente.”
“Eu sempre fui próxima dela”, Heidi respondeu, achando o comentário estranho. “Nos conhecemos desde pequenas…”
“Não, eu só estava pensando…” O velho professor começou a falar, mas, de repente, hesitou.
Por alguma razão, naquele momento, ele se lembrou de algo que o Sr. Duncan havia lhe dito durante sua visita à loja de antiguidades:
【”Colégio feminino… isso não impede nada…”】
“Pai?” Heidi chamou, estranhando o comportamento repentino do pai.
“Ah, nada.” Morris despertou de seus devaneios, percebendo que seu próprio pensamento estava indo longe demais. Apressou-se em mudar de assunto para evitar que a filha percebesse algo incomum.
Mas, nesse breve instante de distração, seus olhos pousaram no pulso de Heidi.
O bracelete de contas que simbolizava a bênção de Lahm, o Deus da Sabedoria, tinha uma conta de ágata vermelha a menos.
A expressão do velho professor mudou abruptamente, mas ele rapidamente percebeu que Heidi parecia completamente despreocupada. Forçou-se a manter a calma e, tentando parecer natural, perguntou:
“Seu bracelete… parece que perdeu uma das contas. Foi um acidente?”
“Bracelete?” Heidi franziu a testa, levantando o pulso para dar uma olhada. Ela notou o nó solto onde a conta deveria estar, mas sua expressão foi absolutamente tranquila.
“Ele sempre teve uma conta a menos, não?”
Sempre teve uma conta a menos?
Morris respirou fundo, tentando manter seu coração e sua mente sob controle, como se tivesse medo de que um pensamento mais intenso pudesse atrair a atenção de algo indesejado. Ao mesmo tempo, começou a vasculhar sua memória, tentando recordar exatamente como era o bracelete da filha na última vez que o vira.
Após dois segundos, ele completou sua barreira mental e conseguiu recuperar sua compostura. Com o mesmo tom casual de sempre, perguntou:
“Ah, sim… Hoje você só esteve na loja de antiguidades, certo?”
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