Capítulo 166: O Capitão aguarda por ti em sonhos
Durante esse período, todas as informações conhecidas foram sendo anotadas por Duncan, uma a uma, em uma folha de papel. Ele traçou linhas ligando cada item de acordo com o grau de correlação entre eles. Entre essas pistas, também estavam entrelaçadas as memórias de Nina e Shirley sobre o incêndio, bem como os ‘sonhos’ nitidamente já distorcidos que cada uma delas vinha experienciando.
Depois de listar todas as pistas, Duncan abriu uma nova linha no final do diagrama. Ele franziu a testa, mergulhado em pensamentos, e escreveu algumas frases enquanto refletia:
〖Primeiro: neste mundo, tudo pode ser “corrompido”, exceto o Subespaço.
Segundo: a realidade deste mundo está assentada sobre alicerces instáveis — o espaço é instável, o tempo é instável, e até mesmo a realidade talvez não seja tão imutável quanto se acredita.
Terceiro: o poder do Subespaço já invadiu Pland! As anomalias na capela do Sexto Distrito são a prova — o Fragmento do Sol de onze anos atrás pode nem ter sido o fator mais crucial de todo o evento. Em termos de hierarquia… é mais provável que o Subespaço seja o verdadeiro responsável pelas anomalias atuais em Pland!〗
Duncan largou a caneta-tinteiro e fitou o conteúdo das três anotações — elas não eram pistas, mas sim ‘premissas’ e ‘conclusões’ com profundas implicações para a situação atual de Pland.
Seu olhar pousou sobre o primeiro item. Era o mais conciso, mas também o mais fundamental. E a ‘inspiração’ para ele viera de uma frase ouvida casualmente quando fora abrir uma conta no banco da cidade-estado.
Pensativo, ele pegou novamente a caneta ao lado e traçou uma linha a partir do primeiro item, ligando-o a uma das pistas anteriores — a capela do Sexto Distrito, presa em um estado de bloqueio espaço-temporal.
A corrupção começava ali. Sua manifestação era um colapso espaço-temporal e a sobreposição de diferentes ‘linhas do mundo’. O nível de corrupção era extremamente elevado — a ponto de aparentemente interferir até na vigilância da realidade pela Deusa da Tempestade… Mas como tal corrupção teria sido implementada? O que foi corrompido… será que foi mesmo apenas a capela?
Ele se lembrou do que dissera a Shirley na despedida — isso devia causar um rebuliço maior, mas uma simples denúncia por parte de cidadãos comuns provavelmente não seria suficiente.
Com esse pensamento, um leve sorriso surgiu em seu rosto. Em seguida, ele virou a cabeça, olhando para a pomba que andava de um lado para o outro no parapeito da janela.
A pomba parou imediatamente de andar e encarou Duncan fixamente:
“Tem cheiro de sangue no ar!”
Duncan simplesmente a ignorou e estalou os dedos.
Uma chama verde-espectral irrompeu da bússola no peito de Ai. O artefato se abriu, o ponteiro girou e, num instante, a linha entre realidade e ilusão se tornou turva. A visão de Duncan oscilou por um breve segundo, e então ele já se encontrava em estado de Caminhada Espiritual — aquele espaço escuro e caótico, familiar, repleto de incontáveis pontos cintilantes de luz, surgiu diante de seus olhos.
Permanecendo imóvel no coração da escuridão, ele respirou fundo para acalmar o espírito. Logo em seguida, guiado por uma percepção sutil, começou a se aproximar de um dos pontos de luz não muito distante.
Parou ao lado daquela estrela, e sem sequer tocá-la, já podia sentir claramente a mente da jovem Inquisidora — aquele ponto brilhante pertencia à consciência de Vanna.
Comparado à primeira vez em que avistou essa estrela, Duncan pôde perceber nitidamente que seu vínculo com Vanna havia se fortalecido bastante — a visita que ela e Heidi fizeram à loja de antiguidades reforçou essa conexão, e agora esse laço poderia finalmente ser útil.
Duncan então virou o rosto, olhando para a escuridão ao lado. Ali, Ai — em sua forma espiritual — girava entediada no ar. Ao perceber o olhar do ‘mestre’, o pássaro imediatamente se aproximou:
“Quem está chamando a frota?”
“Você lembra como conectamos a mente da Shirley da última vez?”
Ai pensou por um instante, depois inclinou a cabeça:
“Vai custar caro!”
“De fato será um pouco mais difícil desta vez. A pessoa é uma santa devota, com uma mente certamente mais firme que a da Shirley, e ainda há a possibilidade de atrair a atenção da Deusa da Tempestade.” Duncan assentiu levemente, mas mesmo assim estendeu o dedo, aproximando-se lentamente do ponto de luz. “Ainda assim, agora o vínculo entre mim e Vanna está mais forte. Se for apenas uma comunicação superficial, sem qualquer dano à sua mente, não deve haver problema.
“Afinal de contas, é só uma reclamação justa de um capitão preocupado com a justiça.”
No momento seguinte, a ponta de seu dedo tocou a estrela.
Ondas ilusórias e sobrepostas com o som do mar pareciam vir de um lugar infinitamente distante, apenas para desaparecerem em um piscar de olhos. Duncan sequer teve tempo de registrar o som antes de sentir que havia estabelecido contato com uma mente.
Vanna esfregou os olhos e abaixou a cabeça, notando que segurava em mãos um dossiê espesso. Em seguida, levantou o olhar e viu que estava sentada em seu quarto. À sua frente estava sua penteadeira, e no espelho, refletia-se seu rosto levemente cansado.
Um leve torpor surgiu do fundo de sua mente, mas ela logo sacudiu a cabeça, relembrando o que estava fazendo.
Ela continuava investigando os registros sobre cultos heréticos na cidade-estado de Pland anteriores ao ano de 1889 — após deixar o Arquivo, havia pegado emprestados, das mãos do velho sacerdote que guardava o local, alguns documentos que ainda não tivera tempo de examinar cuidadosamente, levando-os para casa.
Durante a visita ao Arquivo, ela e o velho sacerdote haviam descoberto uma anomalia: o desaparecimento inexplicável dos registros referentes ao ano de 1885. No final, nenhum sinal dos documentos sumidos foi encontrado. Esse fato incomum acendeu um alerta em Vanna — e como Inquisidora responsável por investigar eventos heréticos, isso se tornaria um dos focos centrais de sua próxima etapa de apuração.
Ela já havia delineado os próximos passos: designar clérigos de expediente para consultar os volumes dos outros arquivos da cidade-estado; solicitar à prefeitura os relatórios de segurança pública correspondentes ao período; ordenar que equipes de Guardiões patrulhem e vigiem os locais onde ocorreram cultos heréticos na época; discutir com o Bispo Valentine a possibilidade de obter novas orientações diretamente da Deusa…
Vanna já possuía um esboço claro das providências a serem tomadas. Mas antes de dar início àquela série de ações, precisava primeiro concluir a consolidação dos registros de todos os casos de culto herético entre os anos de 1886 e 1889.
Ela lançou um olhar para o céu pela janela, vendo a Criação do Mundo pairar no firmamento noturno, sua luz pálida derramando-se sobre toda a cidade-estado.
Depois, voltou os olhos para o documento em mãos — a volumosa pasta ainda estava na metade, e talvez por estar lendo há tempo demais, começou a sentir a vista cansada: as palavras diante dela estavam ficando turvas.
Espera aí… tem algo errado!
De repente, Vanna despertou do torpor. Com um movimento brusco, fechou o dossiê e virou o rosto na direção da janela.
Era meia-noite — o período em que a influência da Criação do Mundo alcançava seu ápice. Ler qualquer texto nesse horário era extremamente perigoso. Mesmo os Arquivistas especializados evitavam toda leitura durante a hora em que o astro brilhava mais intensamente. E ainda por cima, o que ela tinha à sua frente era um documento histórico de altíssimo risco, emprestado diretamente do Arquivo!
Uma clériga treinada jamais cometeria esse tipo de erro… Este lugar não é o mundo real. Era seu próprio sonho — um sonho que estava sendo manipulado!
O olhar de Vanna ficou subitamente afiado. No mesmo instante em que percebeu a invasão do sonho, ela começou a examinar o ambiente ao redor em busca de sinais do intruso — e no segundo seguinte, ela o viu —
Bem diante dela, sobre a penteadeira, no espelho oval adornado por molduras ornamentadas, uma figura de semblante sombrio e imponente permanecia de pé, envolta pela escuridão. Chamas verde-espectrais ardiam discretamente nas bordas do espelho.
Aquela figura observava Vanna com calma através do espelho. Quando ela levantou os olhos, ele apenas esboçou um leve sorriso. Uma voz grave e austera soou do outro lado do espelho:
“Boa noite, Vanna. É nossa primeira conversa… mas eu já a observo há muito tempo. Pode me chamar de—”
“Capitão Duncan!” Antes que a figura pudesse terminar, Vanna reagiu de forma explosiva. A inquisidora, treinada com rigor, saltou para trás com agilidade felina, recuando dois metros com um único movimento, enquanto chutava o banco redondo que a atrapalhava no caminho. Assim que pousou no chão, concentrou sua mente com esforço, fazendo surgir do ar sua enorme espada de combate — aquela que jamais deixava seu lado. Sem hesitação, ergueu-a e lançou um golpe descendente!
Duncan: “…?!”
Com um estrondo ensurdecedor, a penteadeira foi destruída por completo, e o espelho se estilhaçou em mil pedaços sob o impacto brutal. A imagem espectral de Duncan se dispersou diante dos olhos de Vanna, dissolvendo-se em fragmentos de luz.
Cacos finos de vidro choveram ruidosamente sobre o chão. Com a espada firme nas mãos, Vanna olhava em volta com ferocidade — como uma leoa pronta para o combate. Ao mesmo tempo, já começava a entoar uma prece em voz baixa, ativando técnicas de autocontrole mental aprendidas em treinamento, tentando romper com aquele sonho corrompido e forçar-se a despertar.
Contudo, justo quando sentia que estava prestes a romper a barreira do sonho e alcançar a realidade, a voz grave e autoritária soou novamente — reverberando de todas as direções:
“Sua reação me pegou um pouco de surpresa.”
Vanna arregalou os olhos subitamente e olhou na direção da voz — o que viu foram os inúmeros fragmentos do espelho espalhados por todo o quarto.
Em cada pedacinho de vidro, chamas ilusórias se erguiam em silêncio, e dentro de cada fragmento… havia um Capitão Duncan em pé na escuridão.
O lendário terror dos mares, o cataclismo ambulante das águas infinitas, observava Vanna com um traço de resignação no olhar — enquanto ela permanecia em total estado de alerta.
“Relaxe, criança. Só quero conversar”, disseram centenas de vozes de Duncan ao mesmo tempo, reverberando com força contra a mente de Vanna. “É sobre Pland…”
“Então era o espelho…” A jovem inquisidora murmurou para si.
Duncan: “Hã?”
Vanna não respondeu. Em vez disso, ela abaixou levemente a ponta da espada até encostá-la no chão — e num movimento repentino, desferiu um poderoso soco contra a lâmina!
Com um estrondo retumbante, uma onda de choque intensa reverberou em forma de pulsação sônica por todo o quarto. No instante seguinte, todas as superfícies espelhadas do ambiente se despedaçaram por completo — nenhum único reflexo restou.
O quarto mergulhou num silêncio absoluto. Vanna soltou um leve suspiro e endireitou o corpo com firmeza.
Foi então que ela o viu: o Capitão Duncan continuava parado, bem diante dela.
Não importava quantas vezes ela piscasse, ou para onde movesse os olhos — Duncan permanecia imóvel, sempre no centro de seu campo de visão, fitando seus olhos diretamente.
“Seu palpite não foi exato. Não é o espelho — é qualquer superfície lisa e reflexiva”, a voz sombria e imponente do Capitão Fantasma ressoou diretamente dentro da mente dela. “Neste momento… estou dentro do seu cristalino1.”
- Cristalino: Estrutura transparente no olho, localizada atrás da íris. Atua como uma lente natural que ajusta o foco da luz na retina, permitindo a visão.[↩]
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