Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 169: Atravessando o Véu
“Preste atenção, tá vendo? É assim que se faz batata frita, muito simples — só precisa cuidar pra não queimar e nem deixar crua. Não precisa ficar com a cabeça enfiada na panela de óleo o tempo todo, nem provar pra ver se tá com sal demais ou de menos. Entendeu?”
Era uma manhã a bordo do Banido. Duncan estava na cozinha, com uma expressão séria, dando instruções à tensíssima Alice. Diante dos dois, dentro da panela de óleo quente, batatas ainda meio esbranquiçadas fritavam borbulhando, girando de um lado pro outro com sons constantes de estalido.
“E-eu entendi!” Alice mantinha os olhos grudados na panela fervente, sem piscar. Uma das mãos ainda segurava firmemente uma faca de cozinha, e na tábua ao lado havia pedaços de batata cortados de forma desajeitada — que serviriam como ingredientes para outros pratos.
Duncan olhou para a panela, depois para a boneca ao seu lado, e assentiu levemente. Pensou consigo que uma tarefa tão simples assim ela não devia mais conseguir estragar. Então seu olhar recaiu sobre a faca ainda na mão de Alice, e não conseguiu evitar um leve desconforto.
“…Você pode guardar a faca agora? Não precisa continuar segurando depois de cortar as coisas.”
Uma boneca amaldiçoada empunhando uma faca na cozinha, com uma aura assassina (direcionada às batatas), era uma cena no mínimo inquietante.
Parecia que, a qualquer momento, mudaria a trilha sonora para algo sinistro e o retrato de Alice ganharia uma barra de vida sangrenta que atravessaria a tela.
“Ah… ah, tá bom!” Alice pareceu só então perceber, rapidamente devolveu a faca ao lado e, animada, acenou para o capitão com confiança: “Pode deixar, Capitão! Eu já aprendi como faz. Você e a Ai só precisam esperar pra comer!”
Duncan a observou mais um tempo, certificando-se de que ela não causaria mais nenhum desastre. Só então soltou um suspiro de alívio e, no fundo, não conseguiu conter uma sensação de realização — Depois de tanto tempo, o Banido finalmente conseguia produzir batata frita de forma estável!
No segundo andar da loja de antiguidades, à mesa de refeições, Nina — com um curativo colado na testa — de repente ergueu os olhos com curiosidade e olhou para o tio.
“Tio, eu queria perguntar isso já faz um tempo… Por que o senhor passou a manhã inteira de cara fechada? E agora há pouco parece que até suspirou de alívio, meio do nada…”
“É mesmo? Nem percebi…” Duncan parou por um instante, e sua atenção atravessou vastas distâncias até se fixar na pequena loja de antiguidades. Em seguida, ele sorriu e balançou a cabeça: “Foi nada demais. Só estava pensando em umas contas… fiz um cálculo mental, e agora já resolvi.”
“Ah…” Nina assentiu. “Eu sabia. Você tava com o corpo todo tenso até agora há pouco.”
Duncan não respondeu de imediato, apenas manteve o sorriso calmo no rosto — mas, por dentro, não pôde deixar de pensar: essa garota tem uma boa percepção.
Nina então espiou discretamente pela janelinha do corredor no fim do andar, voltada para a rua. Depois de hesitar um pouco, murmurou baixinho: “A Shirley não veio hoje…”
“…Ela tem a própria casa, sabia?” Duncan olhou para a menina do outro lado da mesa, que agora exibia uma expressão ligeiramente solitária. “E além disso, você ainda tem aula hoje. Não ia ter tempo de sair pra passear com ela mesmo.”
“Eu devia ter perguntado onde exatamente ela mora”, acrescentou Nina. “Assim, quando ela não puder vir me ver, eu é que posso ir atrás dela.”
Duncan permaneceu em silêncio por alguns segundos, então perguntou num tom suave: “Você gosta mesmo dessa nova amiga, né? Mesmo tendo passado tão pouco tempo juntas…”
“A Shirley é uma ótima pessoa. Ela até salvou minha vida no museu”, respondeu Nina sem hesitar. “E… e…”
“E o quê?”
“E quando ela ficou aqui, à noite a gente conversava, eu e ela e o Cão. Perguntei algumas coisas e descobri que ela sempre morou só com ele, num beco do bairro pobre… Lá nem tem poste de luz à noite, e a casa é toda cheia de goteiras e buracos. Eu…”
“Nina”, Duncan interrompeu a garota com um semblante um pouco mais sério, “amizade não pode se basear em pena. Especialmente no caso de alguém como a Shirley.”
Nina se espantou um pouco, levantando os olhos para encará-lo. Depois de alguns segundos, coçou a lateral da cabeça e disse, pensativa: “Tio… essa frase foi bem profunda, hein…”
Duncan: “…”
“Mas você tem razão”, ela emendou. “Talvez eu tenha sentido um pouco de pena sim… Mas eu só queria que ela tivesse uma vida melhor. Dá pra perceber que, mesmo ficando toda nervosa enquanto morava aqui, ela tava realmente feliz. Será que… será que pensar assim por ela não é meio pretensioso da minha parte?”
Duncan não respondeu de imediato. Parecia imerso em reflexão. Depois de alguns instantes, sorriu levemente e balançou a cabeça: “Não pense demais nisso. Da próxima vez que encontrarmos a Shirley, perguntamos o endereço dela. Mas por agora… termina logo de comer. Tá quase na hora da escola.”
“Tá bom!” Nina assentiu com obediência, mas logo sua expressão se iluminou com empolgação, como se tivesse lembrado de algo importante: “Ah! Então hoje eu já posso… ir pra escola com a bicicleta nova?!”
“Nem pensar”, respondeu Duncan, sem levantar muito o olhar, recusando sem hesitação. “Esqueceu o tombo que você levou ontem à noite?”
Enquanto falava, a imagem de ontem lhe veio automaticamente à mente: Nina voltando pra casa, avistando pela primeira vez a bicicleta novinha parada no térreo — quase pulando de tanta empolgação. Mal tinha subido no selim, e trinta segundos depois… pum, estava caída na porta.
O curativo na testa ainda estava lá.
“Eu… eu achei que andar de bicicleta fosse mais fácil…” Nina abaixou a cabeça, visivelmente envergonhada. “Vi meus colegas andando e achei que…”
Duncan soltou um suspiro.
Ele devia ter previsto isso. Se aquela loja de antiguidades nunca teve uma bicicleta, e se Nina passou tantos anos praticamente sem amigos, como teria tido oportunidade de aprender a pedalar? Ele simplesmente não pensou nisso quando decidiu comprar a bicicleta.
“Hoje vá de ônibus para a escola, não vá correndo. A gente não está mais economizando ao ponto de se preocupar com o preço da passagem.” Duncan colocou algumas moedas na frente de Nina. “Quando voltar, eu te ensino a andar de bicicleta — não é difícil. Com a sua esperteza, em poucos dias você aprende.”
Nina ficou um pouco desanimada no início, mas logo voltou a sorrir, assentindo animada: “Tá bom!”
Pouco depois, saiu correndo alegremente pela porta da loja de antiguidades. Duncan, por sua vez, ficou de pé na janela do segundo andar, observando a silhueta da menina atravessar a rua banhada pela luz da manhã, rumo ao ponto de ônibus mais próximo.
Cada vez mais o barulho das carruagens, dos passos e da vida urbana ressoava pelas vielas. Aquele setor da cidade despertava lentamente sob o sol. A luz dourada e avermelhada do amanhecer se espalhava pelas cristas dos telhados ao longe, como se um véu irreal e resplandecente subisse sobre o mundo.
Um véu feito de chamas, varrendo toda a cidade-estado.
O semblante de Duncan se fechou de repente. Franziu a testa, olhando para as fileiras de casas à distância.
Aquela imagem grandiosa — o véu flamejante cobrindo a cidade — se dissipou na luz da alvorada, como se a impressão que acabara de atravessar sua mente tivesse sido apenas um devaneio, um lampejo sem fundamento.
Mas Duncan não relaxou a expressão nem por um instante. Continuava fixando o olhar no horizonte, como se quisesse enxergar por trás daquela paisagem deslumbrante uma outra realidade sobreposta. Só depois de vários minutos, lentamente desviou o olhar.
Refletiu em silêncio por alguns segundos e então acenou para o ar ao lado:
“Ai.”
No instante seguinte, uma labareda verde-espectral explodiu no ar. Das chamas rodopiantes surgiu o pássaro espectral, que pousou no ombro de Duncan enquanto soltava um sonoro arroto.
“Hic… quem está chamando a frota… hic…?”
Toda a seriedade de Duncan desmoronou no mesmo instante. Virou a cabeça e ficou boquiaberto ao ver a pomba praticamente inflada de tanto comer.
“…Quantas vezes você foi à despensa hoje?!”
Ai abriu as asas e esticou o pescoço com esforço: “É chegada a hora do banquete… hic!”
Duncan olhou para a ave por alguns segundos com expressão vazia, até que soltou um suspiro: “Então era por isso que, depois de tanto trabalho da Alice, acabou vindo tão pouca comida pra cabine… Você pegou tudo no meio do caminho, né? Ah, pelo menos não foi desperdiçado. Ainda consegue voar? Sexto Distrito.”
A pomba soltou um grasnado vibrante: “Missão será cumprida! Missão será cumprida!”
No instante seguinte, um lampejo de fogo brilhou pela janela do segundo andar da loja de antiguidades, e uma pomba gorda e inchada saltou desajeitadamente pelo vão, batendo as asas de forma trôpega enquanto voava na direção do Sexto Distrito.
Ao mesmo tempo, nas profundezas do Sexto Distrito, dois automóveis a vapor de cor cinza-escuro seguiam pelas ruas desertas e silenciosas.
No banco traseiro de um dos veículos, sentava-se a imponente Vanna. Ao seu lado repousava sua enorme espada, e ela mesma observava em silêncio a paisagem que passava pelas janelas.
Como a situação da capela ainda era incerta, Vanna optara por não entrar no distrito com uma das chamativas máquinas de marcha a vapor. Em vez disso, decidira liderar pessoalmente uma pequena equipe de elite, entrando discretamente, enquanto as forças de apoio permaneciam em prontidão nos arredores.
E assim que adentrou o Sexto Distrito, percebeu de imediato — havia algo de profundamente errado naquele lugar.
Um bairro desprovido de vitalidade, com poucos moradores vagando pelas ruas, lentos e apáticos, como se suas reações estivessem amortecidas. As instalações, visivelmente antigas, estavam em condições tão precárias que ultrapassavam até os padrões normalmente tolerados nos bairros inferiores.
Havia algo pairando no ar. Uma atmosfera sufocante e densa envolvia o lugar inteiro. Para Vanna, era como se o tempo naquele distrito tivesse se cristalizado… aprisionado em uma fenda esquecida da realidade.
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