Capítulo 175: Nuvens Negras sobre a Cidade
Sem que se percebesse exatamente quando, o céu escureceu. Camadas e mais camadas de nuvens densas e pesadas cobriam o céu acima da cidade-estado, enquanto rajadas de vento marítimo, úmido e salgado, varriam as ruas, como se quisessem enfiar o frio até os ossos das pessoas.
O velho capitão Lawrence saiu pela porta da igreja e encolheu o pescoço ao encarar o vento gelado. Ergueu os olhos para o céu carregado e começou a resmungar contra o tempo miserável:
“Maldição, que sorte horrível… Finalmente termina o período de quarentena e agora tenho que encarar esse vento por meia hora até em casa…”
Na rua que atravessava a praça em frente à igreja, os pedestres andavam às pressas — parecia que uma tempestade podia cair a qualquer instante. Todos pensavam nas roupas ainda no varal ou em alguma janela esquecida aberta. Mas o primeiro pensamento do velho capitão foi sobre sua esposa de temperamento explosivo — ele passara vários dias em ‘isolamento preventivo’ dentro da igreja e sequer havia enviado um bilhete. Ao voltar, será que não receberia uma recepção calorosa demais? Do tipo que deixaria marcas?
Lawrence esfregou os braços e as mãos, suspirou e se preparou para enfrentar o vento pela frente, mas mal dera dois passos quando notou pelo canto do olho um guarda da igreja se aproximando às pressas. Um pouco mais distante, estava a jovem psicóloga responsável pelo aconselhamento — o nome era… Heidi? Ou Hayley?
“Ah, não…” Lawrence murmurou, desconfiado, e logo viu o guarda se colocar à sua frente. O rapaz o saudou com respeito e, em seguida, estendeu o braço em sua direção, impedindo sua passagem com um tom sério:
“Desculpe, Capitão Lawrence. Acabamos de receber uma notificação urgente. Por ora… o senhor ainda não pode deixar o local.”
“Mas o período de quarentena já acabou, não foi?” Lawrence, que já pressentia algo assim no instante em que viu o guarda se aproximar, não conseguiu evitar que seu rosto desabasse. “Você vai precisar me dar um bom motivo.”
“Os detalhes não podem ser divulgados, mas…” O jovem guarda parecia também um pouco desconfortável, mas manteve o tom oficial. “Esta é uma ordem direta da Inquisidora — houve uma mudança na situação. Todos os civis que tiveram contato com o Banido devem permanecer na igreja por tempo indeterminado.”
O canto da boca de Lawrence tremeu. Ao ouvir o nome Banido, já sabia que não teria escolha a não ser obedecer. Mas seu humor piorou na hora, impossível de evitar. Franziu a testa:
“Tá bom, entendi — extensão do isolamento. Mas quem vai explicar isso pra minha esposa? Eu já fiquei…”
“Perdão pela interrupção.” Antes que ele pudesse terminar a frase, a voz de Heidi soou ao lado. “Há algo que o esteja preocupando?”
Lawrence virou o rosto e olhou para Heidi — durante os dias em que estivera sob observação na igreja, teve algum contato com a jovem psicóloga. Sabia que, apesar da aparência jovem, ela era uma especialista confiável, e de fato ajudara bastante a ele e aos marinheiros a lidar com o estresse e a frustração. Por isso, seu rosto suavizou um pouco:
“Fiquei tempo demais longe de casa. Minha esposa não é exatamente uma pessoa paciente… Eu tirei folga depois da última rota de transporte marítimo, e agora tô vendo minha folga se dividir entre isolamento aqui na igreja e repouso em casa por causa das porradas que vou levar…”
“…De fato, ninguém quer passar por esse tipo de situação.” Heidi suspirou, demonstrando empatia. Em seguida, retirou de sua maleta uma ampola de vidro contendo uma substância e a entregou ao velho capitão, dizendo: “Mas a situação está um pouco complicada agora. O melhor é seguir as orientações da catedral — não se preocupe, sua família será contatada.”
“O que é isso?” Lawrence pegou o tubo e olhou com desconfiança para o líquido lá dentro, depois lançou um olhar igualmente desconfiado para Heidi — aquela psicóloga vivia carregando umas substâncias bem esquisitas na maleta, o que deixava qualquer um com um pé atrás.
“Calmante, relaxante, e também reforça a resistência mental, em certo grau”, explicou Heidi, despreocupadamente. “É para prepará-lo para a próxima fase da quarentena.”
“…Droga, então não tem escapatória mesmo…” Lawrence gemeu ao ouvir ‘próxima fase da quarentena’, como se sentisse uma dor de dente. Ainda assim, arrancou a rolha da ampola e bebeu o líquido de gosto salgado e amargo de uma vez só, devolvendo o frasco vazio à psicóloga.
O efeito do remédio foi quase imediato. O velho capitão estremeceu levemente no vento gelado, seu olhar passou por algumas variações, e por fim se acalmou, soltando um suspiro longo e carregado.
“Quer que eu o acompanhe até lá?” perguntou Heidi com voz suave, observando as reações do velho marinheiro.
“…Não precisa, eu conheço o caminho”, respondeu Lawrence, a voz um pouco desanimada, mas logo sacudiu a cabeça com resignação. “É… voltar pra lá nem é tão ruim assim. Pelo menos dá pra conversar com alguém. Algumas daquelas noviças até que têm boas histórias…”
Virou-se sob o vento cortante e caminhou sozinho em direção à entrada da igreja, onde dois Guardiões já o aguardavam para escoltá-lo de volta ao setor de observação.
Mas antes que ele cruzasse a imponente e solene porta, a voz de Heidi voltou a soar:
“Sr. Lawrence, como profissional da saúde mental, deixo uma recomendação séria — está na hora de se aposentar. O Mar Infinito não faz bem à sua cabeça.”
Lawrence não respondeu. Apenas levantou a mão em um gesto de que ouvira, e então sua silhueta desapareceu lentamente pelas portas da igreja.
Na praça, restaram apenas Heidi com sua maleta e o Guardião de casaco longo preto.
O soldado olhava com certo respeito para o velho capitão.
Depois, voltou-se para a psicóloga ao seu lado:
“Senhorita Heidi, a senhorita sabe o que está acontecendo, afinal?”
Heidi revirou os olhos:
“Você é da Igreja, não sabe. E eu, que fui enviada como ‘consultora externa’ pela Prefeitura, é que deveria saber?”
“Mas a senhorita tem contato direto com a Inquisidora…”
“Ela não me disse nada. E, pra falar a verdade, desde ontem eu nem a vi mais”, disse Heidi, balançando a cabeça. Depois lançou um olhar curioso ao soldado à sua frente. “Mas ouvi dizer que ela começou a emitir uma tonelada de ordens de investigação de repente… Esta manhã, inclusive, um grupo de clérigos administrativos apareceu na Prefeitura requisitando arquivos…”
“Pois é, uma porção de ordens de investigação”, suspirou o Guardião. “Requisição de arquivos, visitas a comunidades, checagem de casos antigos… Até instalaram bloqueios no porto para monitorar doze vendedores de batata frita…”
Heidi: “…?”
“Então nem nós sabemos ao certo o que está acontecendo.” O Guardião suspirou novamente e ergueu o olhar para o céu carregado de nuvens. “Tsc… esse tempo maldito.”
Morris estava sentado à escrivaninha, os dedos passando levemente pelas bordas ásperas de um tomo antigo. Aos poucos, sua mente se aquietava, a ponto de ele conseguir ouvir até mesmo os batimentos do próprio coração.
Baixou a cabeça e, com gestos calmos, abriu o Cânone de Lahm, indo direto às seções sobre proteção da mente e discernimento da sabedoria, recitando mentalmente os preceitos ali contidos.
Somente após completar a auto-sugestão básica e o fortalecimento mental, ele se levantou, acendendo uma a uma as velas e o incenso sobre a mesa ritualística. Em três das chamas, pingou algumas gotas de óleo essencial especialmente preparado.
Com as chamas se elevando subitamente, Morris fixou o olhar no espelho diante do altar, observando o próprio reflexo. Um leve sorriso de autoironia surgiu em seus lábios.
“Estou mesmo velho… Ainda bem que minha memória não falha na hora de realizar esses rituais.”
O estalo das chamas foi se tornando mais suave, e a fumaça do incenso começou a se acumular acima do espelho, formando uma nuvem densa que ocultava parcialmente a imagem refletida. Nesse ponto, a proteção mental e a bênção do Deus da Sabedoria, Lahm, estavam seladas.
“Fiquei afastado de Vós por onze anos… e mesmo assim me concedeis Sua graça.” Morris suspirou suavemente ao ver o sucesso do ritual. “Será que ainda espera algo de mim…”
O ambiente permaneceu em silêncio. Naturalmente, o Deus da Sabedoria não apareceria assim, de forma direta. Ainda assim, Morris inclinou levemente a cabeça, como se escutasse algo na quietude, e aos poucos seu semblante se acalmou. Em seguida, abriu uma gaveta ao lado.
Dentro, repousava um bracelete feito de pedrinhas coloridas — eram doze ao todo.
Morris hesitou por um instante, então o pegou e o colocou no pulso.
No mesmo instante, uma clareza mental o invadiu, como se um véu que lhe encobria os pensamentos há anos tivesse se dissipado de repente. Voltou a olhar para a névoa sobre o espelho, que ainda pairava ali, e enfim tomou sua decisão: saiu do quarto e fechou a porta atrás de si.
Heidi não estava em casa, e a mansão silenciosa parecia ainda mais vazia do que de costume.
O quarto do casal ficava logo à esquerda, com a porta entreaberta. Lá dentro, pairava uma penumbra silenciosa.
Morris tocou o bracelete no pulso, desviando o olhar daquela porta entreaberta. Sem coragem de encarar o que havia lá dentro, atravessou o corredor quase correndo, passou pela sala de estar, saiu pela porta da frente, entrou no carro estacionado no pátio e partiu em direção ao Distrito Inferior.
Ao mesmo tempo, uma pomba branca cortava o céu sobre os prédios antigos e baixos da parte baixa da cidade.
Sem que ninguém notasse, ela entrou pela janela do segundo andar da loja de antiguidades de Duncan. Poucos segundos depois, uma chama verde-espectral brilhou atrás do vidro.
Duncan surgiu das chamas. Olhou para o clima carregado do lado de fora e depois para o relógio na parede — ainda faltava um pouco para Nina chegar da escola.
Desceu para o térreo, abriu a porta da loja, puxou uma cadeira e se sentou bem na entrada, observando calmamente a rua diante de si, mergulhado em pensamentos silenciosos.
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