Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    Após um estrondo avassalador, o mundo mergulhou em completo silêncio.

    Morris sentia sua consciência flutuando, como se tivesse sido completamente arrancada de seu corpo. Não sabia onde estava, nem em que ano vivia — por um instante, ou talvez por toda uma eternidade, chegou até mesmo a esquecer seu próprio nome. Pairava sem forma nem razão em meio a uma vastidão de caos e vazio, cercado por correntes de luz e sombra que desafiavam qualquer compreensão, envolto em um silêncio absoluto e mortal.

    Levou um tempo imensurável até conseguir reunir novamente seus pensamentos fragmentados, restaurar os cacos da própria mente e recompor, ainda que de forma incompleta, sua humanidade.

    Lembrou-se: seu nome era Morris. Morava na cidade-estado de Pland. Era um estudioso da história. Naquele dia, havia decidido visitar uma loja de antiguidades no Distrito Inferior, em busca da verdade por trás de algo que quase tirou a vida de sua filha.

    E sim, ele descobriu.

    Era uma adorável família do Subespaço.

    Incontáveis gritos e ruídos lancinantes, como se o próprio mundo estivesse sendo dilacerado, explodiram ao seu redor. O silêncio do vazio caótico foi finalmente rompido. Sua mente recém-reconstituída esteve prestes a se desfazer mais uma vez sob o impacto daquela cacofonia apavorante — mas, no instante anterior ao colapso completo, ele ‘viu’.

    Viu uma névoa espessa emergir de todos os lados, envolvendo todos os seus sentidos.

    Aquela ‘névoa’ protegeu sua mente. Usando o manto da ignorância e da tolice, ela o isolou dos ruídos e da loucura ao redor. E, assim, Morris pôde voltar a pensar. Através daquele véu turvo, ele olhou ao redor — e já não conseguia mais enxergar os horrores e verdades que beiravam a insanidade. No meio da névoa sem fim, apenas uma coisa chamava sua atenção:

    Um ponto de luz tênue, que cintilava.

    Era formado por vários focos luminosos de diferentes tamanhos. No centro, havia uma luz vermelha, do tamanho de uma cabeça humana. Ao redor dela, dezenas de pequenos pontos azulados, esverdeados e vermelhos tremeluziam, girando em alta velocidade. À primeira vista, pareciam aleatórios — mas havia neles um padrão, uma estrutura… uma razão.

    Em meio ao caos luminoso e à turbulência das formas, aquele conjunto ordenado tornou-se o único ponto de estabilidade para a mente de Morris. E, num lampejo de clareza, ele reconheceu o que era aquilo.

    Ele estava diante de Lahm, o Deus da Sabedoria.

    Em todas as universidades e laboratórios da Academia da Verdade, havia representações dessa entidade. O Cânone de Lahm descrevia em suas passagens que esse deus, que detinha os domínios da sabedoria e da ignorância, não possuía forma humana. Oculto por eras na névoa, raramente se manifestava — e quando o fazia, sua silhueta era a de um plano coberto de pontos de luz, girando ao redor de um núcleo resplandecente.

    “Ó, Senhor!” Morris estremeceu e, instintivamente, reverenciou a matriz luminosa que o protegia. “Está me guiando?”

    As luzes cintilantes não responderam de imediato ao velho erudito. Em vez disso, o que veio foi uma vibração abafada, profunda, como um murmúrio perdido na vastidão. Apenas depois de algum tempo, Morris ouviu — lá no fundo de sua mente — a ‘voz’ de Lahm, o Deus da Sabedoria——

    “Retorne… Interaja1.… Compreenda… Transmita…”

    “Você…”

    Morris olhou, atônito, para aquela massa luminosa. Não compreendia o sentido daquelas palavras — mas não teve a chance de questionar. O deus insondável não permitia dúvidas.

    No instante seguinte, uma poderosa sensação de repulsa o envolveu. Em menos de um segundo, foi ‘lançado’ para fora daquele espaço caótico e aterrador.

    Seu corpo cambaleou. O cérebro parecia em ebulição. Um dilúvio de informações do mundo terreno inundou seus sentidos — o barulho do tráfego, os sinos ao longe, o vento gelado, o tilintar claro da campainha de uma bicicleta.

    E então, passos correndo em sua direção. Uma voz preocupada — familiar.

    Era sua ‘aluna’.

    “Sr. Morris?! O que o senhor tá fazendo aqui…? O senhor está bem?”

    Morris ergueu o rosto, atordoado. Diante de si, estava Nina. Mas num piscar de olhos, ela se transformou numa curva de fogo pulsante, cercada por cinzas que pareciam se estender por toda a cidade-estado — e, logo depois, voltou a ter forma humana.

    Ele virou a cabeça com rigidez e olhou para o lado — um gigante coberto de estrelas o encarava do alto, com um corpo repleto de luzes e sombras enlouquecedoras. Mas, subitamente, aquela forma se dissolveu, tornando-se um homem de meia-idade com feições gentis e olhos cheios de… Sombras do Subespaço.

    A rua distante tremia. O chão sob seus pés pulsava como se respirasse. As portas e janelas da loja oscilavam entre o comum e o vazio negro. O céu, torto e caído, deixava entrever chamas fluídas e membros informes deslizando entre as nuvens. Um ciclista passou rapidamente, e seu corpo virou concreto estraçalhado… só para retornar ao normal no segundo seguinte.

    Morris baixou os olhos com dificuldade, olhando para o próprio pulso.

    O bracelete de pedras coloridas estava lá — agora com quatro pedras restantes.

    Mas as pedras não se partiram mais. E sua mente já não descia em espiral. O mundo diante de seus olhos permanecia severamente distorcido, sim — mas sua capacidade de pensar e julgar estava de volta… ao menos em parte.

    O velho estudioso entendeu imediatamente seu estado: uma “loucura de equilíbrio”, sustentada temporariamente pela bênção de Lahm.

    Ele havia enlouquecido — mas o deus o fizera enlouquecer com lucidez.

    Talvez pudesse se recuperar. Mas teria de encontrar um modo de restaurar sua sanidade antes que a proteção divina se dissipasse e as últimas pedras do bracelete se estilhaçassem. Caso contrário, aquele equilíbrio instável colapsaria — e ninguém conseguiria salvá-lo do abismo da loucura.

    Enquanto seus pensamentos ainda engatinhavam em meio à névoa mental, Nina e Duncan o observavam com visível preocupação.

    Eles estavam treinando para andar de bicicleta quando perceberam Morris parado ali, na calçada. Nina, empolgada, correu até ele para cumprimentá-lo — mas no meio do caminho percebeu a expressão estranha no rosto do velho. Algo estava definitivamente errado.

    Vazio no olhar, consciência turva, sem reagir ao mundo ao redor — como alguém dormindo em pé, de olhos abertos.

    “Será que deu algum surto de demência senil?” Duncan murmurou, franzindo o cenho. Levantou a mão e passou-a diante do rosto de Morris, tentando testar sua reação. Depois se virou para Nina: “Seu professor andou com esse tipo de apagão na escola nos últimos dias?”

    “Não, nunca!” Nina balançou a cabeça e se apressou a segurar o braço do velho. “O professor sempre teve uma saúde ótima. Como é que ia ficar senil assim do nada?”

    “Gente mais velha é imprevisível.” Duncan segurou o outro braço de Morris e olhou para o céu carregado acima. “Melhor parar de conversar aqui fora. Vai chover a qualquer momento — vamos levar o velhote pra dentro.”

    “Tá!” respondeu Nina prontamente, ajudando Duncan a conduzir o idoso desorientado para dentro da loja. Depois, correu de volta até a área externa para levar a bicicleta para dentro também.

    Duncan acomodou Morris em uma cadeira ao lado do balcão. O velho parecia ter recuperado um pouco da consciência. Com o olhar ainda rígido, moveu a cabeça lentamente de um lado para o outro até fixar o olhar em Duncan.

    “Retorne… Interaja… Compreenda… Transmita…”

    A voz de Lahm reverberou subitamente na mente de Morris.

    Sua razão, ainda tênue, conseguiu interpretar com algum esforço aquelas palavras.

    Era esse o desígnio do Deus da Sabedoria? Estava mesmo sendo orientado a continuar o contato com essa… ‘entidade’ à sua frente?

    A imagem de Duncan em seus olhos parecia, ao menos por ora, estabilizada na forma humana. O mundo ao redor continuava tremendo, distorcendo-se em ondas e pulsações, mas o gigantesco ser estelar que antes ocupava aquele espaço havia recuado — ao menos aos seus sentidos. Era uma trégua visual. E isso já era o suficiente para que a racionalidade de Morris ganhasse algum terreno.

    Ele compreendia agora, com assustadora clareza: aquele homem, o suposto dono de uma simples loja de antiguidades, não era algo que deveria existir no mundo real.

    E a própria ‘aluna’ que tanto prezava — sempre sorridente, otimista, gentil — também não era uma humana comum.

    Ficar ali, interagindo com essa ‘família do Subespaço’, era brincar com os limites da sanidade. Mais alguns passos e ele ultrapassaria o limiar do equilíbrio — mergulharia de vez no abismo da loucura permanente.

    Mas a voz de Lahm havia fincado raízes em sua mente. O mantinha ali. Sentado. Observando.

    E então, outra ideia — ainda mais ousada — começou a germinar dentro dele.

    Estava sob a proteção divina. Na ‘loucura em equilíbrio’. Enquanto não atravessasse o ponto de ruptura, poderia manter a lucidez mesmo diante da essência do Subespaço. Poderia enxergar o inominável e ainda preservar a humanidade.

    Dizia-se que, no extinto Reino de Creta, os maiores — e também os mais insanos — buscadores do conhecimento haviam recorrido a esse mesmo estado. Após uma vida inteira de preparação, tomavam poções e realizavam rituais para se lançar deliberadamente ao limiar da loucura. Tinham uma única chance. Um único momento para espiar a verdade do Subespaço, trazer à tona seu saber e então… aceitar a morte.

    E agora, Morris sentia que estava pisando nesse mesmo campo de batalha ancestral.

    Lentamente, o olhar perdido do velho ganhou brilho. A rigidez deu lugar a um sutil sorriso. Seus olhos, ainda turvos, voltaram-se para Duncan — e, com um esforço deliberado, ele abriu a boca, falando com clareza:

    “Boa tarde, senhor Duncan.”

    Duncan congelou por um instante. A mudança súbita na expressão do velho o deixou… desconfortável.

    Aquele sorriso… Por que aquele sorriso de repente parecia tão assustador?

    1. Em chinês está escrito ‘接触’, que significa “entrar em contato” ou “interagir”. Pode se referir a contatos físicos, como tocar algo, ou a interações mais amplas, como estabelecer comunicação ou conexão com algo ou alguém, usarei ‘Interaja’, pois faz mais sentido com o que será dito nos próximos capítulos.[]
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