Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 178: Amizade
Duncan observava cautelosamente a expressão do idoso à sua frente. A sensação estranha que o acometia desde instantes atrás ainda não havia se dissipado. Ele percebia claramente que Morris não estava em seu estado normal, mas, infelizmente, ele não era médico.
“Precisa que eu chame um doutor?” perguntou com preocupação, “Como está se sentindo agora? Está tonto, enjoado? Ou com a mente confusa?”
Morris esfregou a testa.
Para ele, a voz de Duncan parecia conter milhares de gritos sobrepostos, ruídos estridentes que ressoavam em seus ouvidos, acompanhados por ‘cores’ intensas e ofuscantes que invadiam sua visão junto das ondas sonoras. Essas ‘informações’ pareciam estar repletas de um conhecimento incompreensível à mente humana, testando sua sanidade a cada segundo. Contudo, mesmo à beira da loucura, ele se esforçava para manter a racionalidade e, após algum tempo, balançou lentamente a cabeça:
“Estou bem… só preciso descansar um pouco…”
Aquele ‘ser’ diante de si, cuja verdadeira natureza ele desconhecia, demonstrava preocupação — mas Morris não ousava imaginar o que se escondia sob tal aparência de empatia. Talvez mil olhos o fitando ao mesmo tempo? Ou línguas e dentes se contorcendo em uníssono? As palavras de cuidado seriam sussurros do Subespaço, ou uivos vindos das Profundezas Abissais? Graças a Lahm por lhe conceder este momento de entorpecimento — ele não precisava encarar a verdade diretamente.
Ele apenas respondia da maneira mais normal possível… dentro da sua condição humana.
Ao mesmo tempo, tentava desativar de forma voluntária o ‘Olho da Verdade’ que havia se aberto quando saiu do veículo. Esse dom divino era um recurso valioso para os seguidores do Deus da Sabedoria em suas jornadas de descoberta, mas agora… parecia evidente que seu preço justificava o título de bênção mais perigosa entre os Quatro Deuses.
Ele falhou — o Olho da Verdade já estava aberto e, por ora, não poderia ser fechado. E mesmo que fechasse… de que adiantaria? Uma mente à beira da loucura não se recuperaria apenas ao fechar os olhos…
Morris pensava de forma nebulosa. Depois de um tempo, começou a falar com lentidão:
“Eu… só vim fazer uma visita, agradecer… Ah, sim, agradecer. Pela ajuda que deu à minha filha no museu da última vez. Ela pediu que eu…”
De repente, ele se interrompeu, hesitou por vários segundos até conseguir retomar o raciocínio:
“Ela pediu que eu entregasse uma carta. Está no meu bolso.”
Tateando os bolsos do casaco, o idoso tirou um envelope lacrado com cuidado e o entregou a Duncan. Este o recebeu, abriu na hora e viu que, além das saudações iniciais, o conteúdo tratava da saúde física e mental de Nina, além de algumas ‘recomendações médicas’.
Era o resumo que Heidi havia prometido escrever após realizar uma sessão de hipnose com Nina — Duncan ainda se lembrava dela ter mencionado essa carta.
“Não precisa agradecer tanto. Naquela situação, foi uma reação instintiva ajudar”, respondeu Duncan com seriedade ao guardar a carta. “E, por favor, agradeça à senhorita Heidi por mim — desde aquela sessão de hipnose, Nina está bem melhor. Não teve mais aqueles sonhos estranhos.”
Morris assentiu, pressionando as têmporas com os dedos, ao mesmo tempo em que tentava evitar fitar diretamente os olhos de Duncan, enquanto organizava as palavras:
“E… como tem passado nesses últimos dias?”
“Eu? Estou ótimo”, respondeu Duncan, um tanto confuso. Achava que o modo como o senhor puxava assunto hoje estava meio estranho. “Saúde perfeita, mente afiada, bom humor — tirando o clima horrível de hoje, que está meio opressivo, não tem nada de errado.”
Clima?
Uma mera mudança no tempo podia deixar uma entidade como ele se sentindo ‘opressiva’? Isso era uma nova piada em alta no Subespaço?
Morris sentia que sua mente estava um pouco mais estável do que antes, e ao ouvir as palavras de Duncan, chegou até a ter ânimo para resmungar internamente. Nesse instante, ele também ouviu a voz de Nina vindo de perto:
“Tio! Já guardei a bicicleta e fechei a loja! O vento lá fora está ficando cada vez mais forte… Como o senhor Morris está?”
“Ele está melhor, mas não me disse o que estava sentindo”, respondeu Duncan, voltando-se para olhar Nina, que se aproximava. “Talvez seja melhor você ficar com ele um pouco enquanto eu envio uma ‘mensagem urgente’ ou um telegrama pra senhorita Heidi vir buscá-lo…”
“Não, não, não, estou bem”, interrompeu Morris, erguendo a voz e fazendo um gesto veemente com a mão antes que Duncan pudesse terminar. “Não precisa chamá-la. É só um problema antigo, só preciso descansar um pouco.”
Duncan se assustou levemente com a reação repentina do velho, mas após observá-lo atentamente de cima a baixo e confirmar que ele estava firme em suas palavras, assentiu com a cabeça:
“Tá certo, então não vou insistir. Nina, por que não sobe e prepara uma sopa? Uma refeição quente talvez ajude o senhor Morris a se sentir melhor.”
Nina piscou, olhando confusa entre Duncan e seu professor. Por algum motivo, sentiu que o clima ali estava meio esquisito, mas logo assentiu com um sorriso obediente:
“Tá bom!”
A garota subiu rapidamente a escada, com passos leves e apressados que ecoaram pelo corredor até se apagarem na distância.
Com a saída de Nina, Morris sentiu sua carga mental aliviar-se mais um pouco — embora, comparado à pressão esmagadora causada pela presença de Duncan, esse alívio fosse praticamente irrelevante. Mesmo assim, soltou um leve suspiro.
O velho estudioso, acostumado a lidar com história todos os dias, ficou em silêncio por um tempo, organizando cuidadosamente as palavras antes de falar:
“Minha atitude agora há pouco… foi muito inapropriada, não foi?”
Duncan não tirava os olhos de Morris. No início, só achava que o velho estava agindo de maneira esquisita, mas, pouco a pouco, começou a perceber algo vagamente familiar na reação dele… uma sensação que já conhecia de algum lugar. Enquanto tentava lembrar de onde vinha essa familiaridade, respondeu sem pensar muito:
“Foi meio estranho, sim. Então… o que aconteceu, afinal?”
Morris ficou calado por dois ou três segundos, antes de falar com voz grave e cautelosa:
“Na minha profissão, lidando com história e conhecimento o tempo todo… às vezes a mente fica mais sensível do que o normal.”
Ele só queria testar… Queria ver qual seria a reação dessa ‘entidade do Subespaço’ que sempre demonstrou tanta gentileza e nunca causou nenhum problema morando aqui.
Ao ouvir essa frase com certo peso nas entrelinhas, Duncan franziu imediatamente a testa. Subitamente, ele entendeu de onde vinha aquela estranha sensação de familiaridade!
A reação bizarra de Morris já havia aparecido em outra criatura… o Cão!
Aquele cão de caça abissal que sempre acompanhava Shirley, um demônio do Subespaço com uma visão especial da ‘realidade’. O Cão também ficava nervoso e assustado ao vê-lo — pois podia enxergar parte da “verdade” escondida sob a forma humana que Duncan assumia. A diferença era que o Cão, sendo um demônio com alta resistência à contaminação, conseguia suportar o impacto. Morris, por outro lado, era um ser humano frágil… Por isso sua reação fora tão intensa.
Duncan começava a juntar as peças e, encarando Morris nos olhos, foi direto ao ponto:
“Você viu algo que não devia… não foi?”
Morris prendeu a respiração.
Mas, no instante seguinte, o temido colapso não aconteceu — muito pelo contrário, ele sentiu a pressão mental aliviar-se bruscamente, a ponto de conseguir suportá-la mesmo sem a proteção de Lahm.
Duncan, silenciosamente, deslocou sua ‘consciência principal’ de volta ao Banido, deixando no antiquário apenas um corpo sendo controlado remotamente através da técnica de navegação espiritual.
Após tanto treino, ele já conseguia manipular seu corpo à distância de forma quase natural, mantendo percepção do ambiente ao redor — a única limitação era uma leve redução de poder, mas ali não havia ameaças, então não fazia diferença.
Ele queria ver se isso ajudaria Morris a se estabilizar.
“Melhorou?”
A voz grave e gentil de Duncan quebrou o silêncio, fazendo Morris despertar do torpor.
O velho levantou depressa os olhos — viu apenas a figura humana estável, clara e inofensiva de Duncan. Pelo canto da visão, também notou que o mundo ao redor havia se acalmado.
As distorções de luz sumiram, os ruídos cessaram, as construções rasgadas, as chamas fluídas e as criaturas deformadas desapareceram — sua mente voltou à normalidade. O colapso iminente parecia recuar.
Ele olhou para Duncan, incrédulo, que lhe retribuiu com um leve aceno de cabeça e um tom quase divertido:
“Desculpe… realmente não esperava que um humano tivesse um ‘olhar tão afiado’. Da outra vez, só assustei um demônio abissal — e os nervos de um demônio são bem mais resistentes que os de um humano.”
“E-eu estou melhor agora…” Morris engoliu seco. Embora a recuperação mental também fosse desgastante, com o coração batendo como um tambor descompassado, ao menos voltava a pensar com clareza — o suficiente para captar informações relevantes no que Duncan dissera.
“Eu… argh… também não achei que fosse enxergar sua forma verdadeira… Fui descuidado. Esses anos afastado da fé me deixaram frouxo…”
Duncan não deu muita atenção aos murmúrios do velho.
Estava ocupado pensando em como resolver aquela situação com o mínimo de estrago.
Afinal, o historiador não era como o Cão… Este se intimidava fácil; o outro, não podia ser tratado com métodos tão… brutos.
“Mas me diga”, perguntou de repente, intrigado, “por que você consegue ver?”
“Eu…” Morris hesitou um instante antes de responder com honestidade:
“Sou seguidor do Deus da Sabedoria, Lahm.”
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