Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    Duncan se recordava do que havia lido nos livros.

    O Deus da Sabedoria, Lahm — uma das quatro divindades que protegiam o mundo na Era do Mar Profundo — assim como a Deusa da Tempestade e o Senhor da Morte, também detinha dois domínios contraditórios: ele era o doador da sabedoria, e ao mesmo tempo, carregava o título sagrado de ‘Deus da Estupidez’ ou ‘Evangelho da Ignorância’.

    Poucos eram os fiéis que seguiam essa divindade. Costumavam passar por avaliações rigorosas antes mesmo de conquistar o direito à conversão, mas uma vez aceitos, recebiam duas bênçãos distintas ao mesmo tempo.

    A primeira era a sabedoria — que permitia ao mortal enxergar a verdade, dominar o conhecimento, compreender mais facilmente o funcionamento do mundo e perceber as verdades capazes de interferir no próprio destino.

    A segunda era a ignorância — uma barreira chamada ‘desconhecimento’, que os mantinha afastados das verdades prematuras, da contaminação do Subespaço e de suas tentações. Num mundo cercado de perigos por todos os lados, ser ignorante era, na verdade, uma dádiva abençoada.

    Era evidente o quanto essas duas bênçãos de Lahm significavam em uma era repleta de anomalias e fenômenos sobrenaturais, onde a loucura dominava as profundezas do mar e nuvens sombrias pairavam sobre a superfície — os fiéis do Deus da Sabedoria eram poucos, sim, mas cada um deles estava entre os pilares mais refinados da civilização.

    Do andar de cima, vinham os sons de Nina ocupada na cozinha. Lá fora, o tráfego nas ruas diminuía. No primeiro andar da loja de antiguidades, envolta nesses ruídos cotidianos, o ambiente parecia especialmente calmo e acolhedor.

    Duncan estava sentado atrás do balcão, com os dedos entrelaçados sobre a superfície de madeira, observando o velho Morris com um olhar pensativo.

    A bênção do Deus da Sabedoria era, de fato, algo valioso. Mas, claramente, os seguidores dessa divindade — por força da profissão e do impulso natural por conhecimento — estavam expostos a perigos ainda maiores que os demais.

    Nem mesmo um deus poderia conter o estrago causado por um motor de destruição total — se esse senhor estudioso da história estivesse em outro tipo de ‘enredo’, provavelmente já estaria com tentáculos de um metro brotando das costas.

    Duncan já compreendia o que havia acontecido. Ele tinha uma noção razoável de sua própria ‘particularidade’. No entanto, mais do que preocupado, naquele momento ele estava curioso:

    “Todos os seguidores do Deus da Sabedoria conseguem enxergar minha real natureza como você?”

    “Só os mais notáveis… os mais abençoados por Lahm seriam capazes disso…” Morris massageava a testa. Ainda ouvia alguns ruídos estridentes misturados à voz de Duncan, mas ao menos, agora, a maior parte do que ele dizia era inteligível para um ser humano. “Pode parecer irônico… mas a maioria dos seguidores de Lahm sequer tem a ‘honra’ de perder a sanidade diante de você.”

    “Ah… então você é um dos mais afortunados”, murmurou Duncan com uma expressão estranha — especialmente ao pronunciar a palavra ‘afortunado’, que lhe soava completamente errada naquele contexto. “As ‘bênçãos’ por aqui são mesmo de matar… Espera aí — mas por que da outra vez que você veio aqui não aconteceu nada?”

    Morris pareceu surpreso. Não sabia se Duncan estava sendo genuinamente ignorante ou apenas se divertia com o papel de um ‘mero mortal’ desinformado, mas na situação em que se encontravam, não ousava divagar muito. Forçou-se a manter o foco e respondeu:

    “Mesmo os seguidores abençoados por Lahm… não mantêm o ‘Olho da Verdade’ aberto o tempo todo. Na última vez que estive aqui, não usei nenhum dom divino. Mas desta vez…”

    O velho professor esboçou um sorriso amargo e ergueu a mão, apontando para o próprio olho — o monóculo que antes usava para reforçar os rituais já havia sido retirado, mas um de seus olhos ainda brilhava levemente com um fulgor esbranquiçado. Entre o branco ocular e a pupila, era visível um halo flutuante, fácil de notar ao se aproximar.

    Duncan franziu levemente a testa, curioso: “…Então você não consegue mais interromper esse efeito?”

    “…Eu tentei, mas não adiantou”, Morris balançou a cabeça. “E mesmo que conseguisse… já não faria muita diferença. Eu já vi… sua verdadeira forma.”

    “…Sinto muito, de verdade. Não era minha intenção”, disse Duncan, com um certo peso na consciência. “Você vai conseguir se recuperar depois que voltar? Ou vai precisar de algum tipo de tratamento especial?”

    “Eu…” Morris abriu a boca, sentindo-se especialmente desconfortável. Nos tempos de juventude, já havia se perguntado se o estudo constante da história um dia o colocaria em contato com algum tipo de existência estranha e perigosa. Chegou a imaginar como seria estar frente a frente com uma entidade vinda das Profundezas Abissais ou do Subespaço — e como essa cena seria aterradora.

    Mas nunca imaginou que seria… assim.

    Ele realmente havia visto uma sombra do Subespaço capaz de levar alguém à loucura — uma entidade indescritível, que agora lhe dirigia palavras gentis, perguntando se ele estava bem, preocupando-se com o estado de um pobre humano que acabara de ver ‘demais’.

    Mas uma entidade do Subespaço… seu ‘cuidado’ seria mesmo algo que um ser humano pudesse compreender como preocupação?

    “Estou bem”, respondeu o velho por fim, balançando a cabeça. “Já me sinto muito melhor. Depois que você conteve sua… presença, acho que já não corro mais perigo.”

    “Que bom. Pelo visto, vou ter que andar com mais cuidado aqui na cidade-estado — parece que entre os humanos ainda existem indivíduos com uma ‘visão apurada’ como a sua. Isso pode ser problemático”, disse Duncan, assentindo com seriedade. Em seguida, voltou a encarar Morris com um olhar curioso: “Mas, sendo assim… acho que você não veio aqui só pra fazer uma visita, não é? Por que ativou o seu ‘Olho da Verdade’ justamente na frente da loja? Estava procurando algo?”

    O coração de Morris deu um leve pulo.

    Ele encarou o olhar de Duncan — uma expressão comum, um rosto de homem maduro com um quê de curiosidade e preocupação. Mas ao redor daquele rosto, entre as estantes do antiquário, as formas distorcidas e trêmulas começaram novamente a se manifestar…

    Até que a voz de Duncan soou outra vez, e a visão distorcida se desfez de imediato.

    “Você está hesitando. Está com receio. Não quer responder a essa pergunta”, disse Duncan, lendo com precisão a emoção nos olhos do velho. E, naquele momento, uma suspeita surgiu em sua mente. “Isso tem a ver com a senhorita Heidi, não é?”

    “Como você sabe…?”

    “A senhorita Heidi é psiquiatra. E aparentemente também uma seguidora de Lahm — embora não pareça ser tão… experiente quanto você”, respondeu Duncan com naturalidade. “Agora que penso bem, ela estava um pouco estranha da última vez que saiu daqui com a senhorita Vanna… Somando isso com sua reação à minha pergunta, fica fácil de deduzir.”

    “…De fato, como você disse”, suspirou Morris, percebendo que já não adiantava tentar esconder. “Depois que Heidi voltou, percebi que a proteção espiritual dela havia sido parcialmente rompida. Na hora, pensei que talvez houvesse algo perigoso nesta loja de antiguidades. Eu… não imaginei…”

    Suspirou mais uma vez, lançando um olhar para Duncan, do outro lado do balcão.

    Duncan, por sua vez, já estava com a expressão carregada.

    Heidi… Aquela jovem médica da mente só havia feito uma sessão de hipnose com Nina ali na loja, e a bênção espiritual dela foi rompida?

    Ele não sabia absolutamente nada disso — e Heidi, pelo visto, também não.

    Morris observava, um tanto inquieto, o homem do outro lado do balcão. Percebia que ele havia mergulhado em seus próprios pensamentos, e por isso não ousava interrompê-lo com perguntas. Aproveitou o breve momento de silêncio para tentar restaurar sua mente abalada e controlar o turbilhão de pensamentos — e também para dar uma espiada discreta na pulseira de pedras coloridas em seu pulso.

    Restavam quatro pedras.

    A bênção de Lahm estava estável.

    Finalmente, soltou um leve suspiro de alívio. Nesse momento, Duncan ergueu o rosto, saindo de sua breve reflexão.

    “Ela não sabe de nada, certo?”

    “Sim. Heidi realmente não sabe de nada”, respondeu Morris de imediato — quando o assunto era a filha, sua lucidez permanecia firme como sempre. “Ela nem percebeu que sua bênção foi danificada… muito menos sabe que eu vim até aqui hoje…”

    “Então não vou incomodá-la. Só deixo meu pedido de desculpas para você mesmo”, disse Duncan com educação. “Vamos considerar isso como uma compensação pelo favor que você me fez lá no museu.”

    Ele fez uma breve pausa, e então algo lhe veio à mente — algo que despertou sua curiosidade de verdade:

    “Você poderia me descrever? Digo, poderia descrever exatamente o que viu agora há pouco — se não for muito incômodo.”

    Morris não respondeu de imediato, confuso com a pergunta. Duncan, notando a hesitação, explicou:

    “É que eu realmente tenho curiosidade. Quero saber como pareço aos olhos de diferentes ‘observadores’. Um espelho não resolve esse tipo de coisa.”

    E de fato, Duncan estava genuinamente curioso. Compreender como sua ‘forma verdadeira’ se manifestava para diferentes pessoas talvez o ajudasse a entender melhor seus próprios poderes — e, quem sabe, descobrir mais sobre a natureza do corpo que agora habitava.

    Morris hesitou por um momento. A cena que havia presenciado em frente à loja ainda estava viva em sua mente — um espetáculo de horrores não humanos que mal conseguia traduzir em palavras. Sentiu até sua mente, há pouco estabilizada, voltar a estremecer. Mas diante do olhar fixo de Duncan, acabou engolindo em seco e começou a falar, em voz baixa e firme:

    “Eu… vi você como um gigante envolto em correntes de luz caóticas… Seu corpo estava coberto por uma espécie de manto de estrelas. Você estava parado em meio a uma rua distorcida e grotesca… segurando Nina — que, aos meus olhos, era um arco de chamas intensamente irrompendo…”

    Duncan escutava atentamente, acenando lentamente com a cabeça. A descrição fazia jus à sua reputação como ‘sombra’ dos mares infinitos… até que a última parte o pegou totalmente desprevenido.

    Seus olhos se arregalaram na hora, e ele quase engasgou com a própria saliva: “Cofcof cof… o quê?! O que você disse?! A Nina era o quê, no seu olhar?!”

    Morris levou um susto com a reação, mas respondeu rapidamente, sem tempo para refletir: “U-uma chama arqueada… explodindo com força… tem… tem algo de errado nisso?”

    Duncan: “……”

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