Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 180: O historiador fala de história
Tem algum problema? Isso é um problemão!!
Duncan arregalou os olhos ao encarar o velho à sua frente. Logo percebeu que Morris não fazia ideia do que significava aquela chama em erupção que havia visto em Nina — o estudioso claramente não conhecia nada sobre o Fragmento do Sol. Era muito provável que tivesse interpretado Nina como algum tipo de ‘ser extraordinário’, talvez uma seguidora de Duncan… ou algo que, assim como ele, também viera do Subespaço.
E de fato, era nisso que Morris acreditava. No instante em que viu aquela chama em forma de arco, passou a considerar sua ‘aluna’ como uma existência semelhante à de Duncan. Quanto à razão de uma ‘família do Subespaço’ ter uma aparência de gigante e a outra de labareda flamejante… bem, nem pensou muito nisso — quando se trata do Subespaço, o bizarro é o normal. Aquelas entidades não são humanas, afinal, e cada uma tem uma forma mais esquisita que a outra…
Mas, diante da reação de Duncan, Morris começou a perceber que talvez sua suposição estivesse bem errada.
“A Nina, ela…” O velho hesitou, e após todo o medo e choque que havia sentido, sentiu agora algo novo — uma pontada de preocupação. Preocupação com sua aluna.
Ele mesmo achava esse sentimento meio absurdo. Aquela erupção flamejante que vira… fosse o que fosse, era claramente algo de um nível de poder inimaginável. Um ser com esse tipo de força simplesmente não podia ser sua aluna comum, frágil e normal.
Duncan balançou a cabeça.
“A Nina não é como eu — ela é uma humana comum, sempre foi”, disse com seriedade, encarando Morris com um olhar firme. “Ela mesma não sabe se tem algo de especial. E quanto a essa chama que você viu… talvez tenha sido ‘outra coisa’.”
“Eu… não entendo direito.”
Duncan observou Morris por um instante, depois decidiu não mencionar diretamente o Fragmento do Sol. Em vez disso, mudou repentinamente de assunto:
“Você conhece os chamados ‘Fiéis do Sol’ e a divindade que eles veneram? O ‘Verdadeiro Deus Sol’?”
“Verdadeiro Deus Sol?” Morris franziu a testa, sem entender por que Duncan de repente tocou nesse tema, mas ainda assim respondeu prontamente: “Sim, tenho certo conhecimento. Afinal, esses cultistas existem há muito tempo, e muitos de seus rituais fazem parte dos estudos históricos.”
“O ‘Verdadeiro Deus Sol’ é como eles se referem à sua divindade. Mas entre os fiéis dos deuses reconhecidos, esse nome não é usado — nós o chamamos de ‘Sol Negro’ ou ‘Deus Sol das Trevas’. E em alguns registros muito antigos, estudiosos da antiguidade o chamavam de ‘Disco Solar Deformado’.”
“Disco Solar Deformado?” Duncan ergueu as sobrancelhas. Já ouvira falar do termo ‘Sol Negro’, mas esse ‘Disco Solar Deformado’ era novo para ele — e o nome imediatamente lhe trouxe à mente as visões que tivera ao tocar a máscara solar: um corpo apodrecido sob uma coroa de luz resplandecente, um antigo deus envolto em chamas grotescas.
“Sim. Fora dos círculos acadêmicos, quase ninguém menciona esse nome. Ele vem de registros preservados desde a época dos Reinos Antigos, e os manuscritos originais estavam escritos na língua cretense. Isso acabou conferindo ao termo um certo misticismo. Se esse nome se espalhasse entre o povo comum, poderia gerar consequências negativas.”
Morris assentiu, explicando os detalhes com a naturalidade de quem retorna à zona de conforto. Ao tocar em temas acadêmicos, era como se esquecesse por completo a terrível ‘realidade’ por trás de Duncan — como se estivesse de volta àquela visita anterior à loja de antiguidades, quando conversaram longamente sobre história como dois estudiosos entusiasmados.
Até mesmo o zumbido constante que ainda ecoava em sua mente… sumira sem que percebesse.
“Reino Antigo de Creta…” Duncan estava visivelmente surpreso. “Aqueles cultistas adoradores do deus sol têm uma história tão longa assim?!”
“…Sim. Embora pareça inacreditável, os hereges que cultuam o chamado ‘Disco Solar Deformado’ podem ser rastreados até os tempos áureos do antigo reino”, respondeu Morris. “E considerando que o atual Fenômeno 001 — o ‘Sol’ — só surgiu após o colapso do Reino de Creta, há algo ainda mais delicado nisso…”
Ele parou por um momento, como se estivesse em conflito interno, hesitou por alguns segundos antes de continuar:
“Na verdade, tanto a comunidade acadêmica tradicional quanto a Igreja dos Quatro costumam evitar discutir esse assunto diretamente — porque, levando em conta a época em que o fênomeno solar surgiu, o culto ao Sol Negro já existia muito antes disso…”
Duncan permaneceu em silêncio por um instante.
O fato de o culto ao Sol Negro ser mais antigo que o próprio fênomeno solar era algo lógico — mas também algo que nenhuma das igrejas gostava de admitir.
Pois admitir isso implicava reconhecer outra afirmação feita pelos próprios cultistas do sol:
O chamado ‘Verdadeiro Deus Sol’ teria sido o sol original dos tempos antigos — e o atual fenômeno solar seria, na verdade, uma criação profana que usurpou o domínio do sol.
“…Então os cultistas estavam certos”, disse Duncan após meio minuto de silêncio. “Antes da Era do Mar Profundo, era o ‘senhor’ deles quem iluminava o mundo. Se formos usar o critério de ‘quem veio primeiro é o legítimo’… então eles seriam os legítimos.”
“O meio acadêmico é dividido, cheio de correntes distintas — e essa, entre todas, é a mais herética de todas”, suspirou Morris. “Fica a um passo de ser considerada oficialmente uma doutrina desviada. Mas a existência de tantos manuscritos do Reino de Creta nos obriga a considerar a questão.”
“Digamos que esses cultistas tenham de fato acesso a fragmentos de uma verdade”, comentou Duncan, balançando a cabeça. “Mas isso não muda o fato de que a fé deles, hoje, representa um grande perigo para o mundo. Não importa como era seu deus na Era anterior — o estado em que ele se encontra agora… tsc, tsc.”
Morris ouvia atentamente — até que, de repente, se deu conta do que acabara de ouvir.
A atmosfera amigável e acadêmica da conversa se esvaiu, e ele olhou para Duncan com olhos arregalados, atônito:
“Espere… isso quer dizer que… você…”
“Por acaso o vi uma vez”, respondeu Duncan, depois de pensar por um momento. Achou que já era hora de compartilhar um pouco de informação de peso com aquele velho — afinal, já havia extraído tanto conhecimento gratuito dele que já começava a se sentir em dívida. “Como posso dizer… Estava em estado tão deplorável que me deu até pena. Sem nenhuma chance de recuperação. E honestamente? Não acho que as ações daqueles cultistas estejam salvando seu deus — parece mais que estão empurrando ele cada vez mais para a loucura e a deformação.”
Ele fez uma pausa e olhou para o velho à sua frente:
“Quer que eu te conte como Ele está agora? Talvez te dê uma noção mais cla—”
Morris, que já sentia a mente tremer desde que Duncan começara a falar, finalmente agarrou a primeira brecha para interromper — e soltou um grito apavorado:
“Não precisa!!”
Logo em seguida, como se percebesse que havia sido grosseiro, tossiu duas vezes e, com uma expressão séria e reverente, corrigiu-se:
“Esse não é um tipo de conhecimento ao qual eu deva ter acesso.”
“…Ah, claro. Desculpe”, respondeu Duncan, um pouco surpreso, logo acenando com a mão. “Vamos deixar esse assunto de lado. Falemos do culto ao Sol Negro no mundo real — esses cultistas vivem tentando ressuscitar seu deus, mas os sacrifícios humanos que fazem, sempre brutais e toscos, nunca parecem funcionar. Ao longo da história, eles já tiveram algum ‘sucesso’ real?”
“Os hereges solares já causaram muitos estragos… mas quanto a ‘reviver o Sol’, isso está muito além do alcance dos mortais”, respondeu Morris, refletindo enquanto falava. “Pelo que sei, há apenas alguns poucos registros históricos de manifestações em larga escala do poder do Sol Negro.
“A mais antiga remonta ao fim da Dinastia Caótica. Após o colapso do Reino de Creta, inúmeros problemas históricos se acumularam. Diversas cidades-estado entraram em guerra, e a fome assolava a região. Os hereges solares aproveitaram a brecha e realizaram um grande ritual de sangue na cidade-estado de Caronte1. Conseguiram invocar uma enorme esfera de fogo, que flutuou sobre a cidade por cinco dias antes de se dissipar — e, ao desaparecer, deixou toda Caronte fundida em uma única massa vítrea.
“Outro caso ocorreu na Era das Cidades-Estado Clássicas. A causa exata é desconhecida, mas o resultado foi o desaparecimento súbito de vários pequenos estados na periferia do mundo civilizado. Segundo relatos, o céu se rasgou em fendas luminosas. De dentro delas, surgiu um disco solar, e cidades inteiras foram puxadas do fundo do mar por uma força gravitacional absurda, sendo dilaceradas e sugadas pelas fendas.
“A ocorrência mais recente foi no início da atual Era das Novas Cidades-Estado. E essa foi a mais estranha de todas — pois dessa vez… não houve testemunhas. Nenhum relato. Nenhum dano documentado. Nenhuma evidência. Ninguém sabe o que aconteceu, nem onde, nem quando. Aliás… talvez nem saibam se aconteceu.”
Duncan estava perplexo com o que ouvia, até que não resistiu e interrompeu:
“Ninguém sabe que aconteceu?! Como isso pode ser considerado uma manifestação do Sol Negro? As pessoas sequer sabem qual cidade foi atingida?!”
“Sim. É exatamente por isso que essa ocorrência é tão estranha”, disse Morris com firmeza. “Já está além do que os estudiosos comuns ousam pesquisar — mas meu cargo na Academia da Verdade me permitiu acesso a alguns documentos reservados.
“E essa ocorrência… realmente aconteceu. Sabemos disso porque, numa certa manhã, apareceu uma frase esculpida no mais sagrado ‘Pilar da Criação’ da Igreja dos Portadores da Chama.”
“Uma única linha, mencionando uma cidade que nunca existiu:
“‘Wilhelm enviou a última mensagem. O Sol Negro desceu da história2. Nós falhamos.’”
- Em chinês é usado 卡戎(Kǎ róng), esses são os caracteres usados para se referir a Caronte, o barqueiro do rio Estige na mitologia grega, responsável por conduzir as almas dos mortos ao mundo dos mortos, governado por Hades.[↩]
- aqui em chinês é usada a palavra 降临(jiàng lín), que significa descer, manifestar-se, vir do alto, surgir de forma súbita e imponente. Pensei em por algo mais claro como ‘O Sol Negro ressurgiu da história, mas isso meio que tira a ideia de divino, de uma ‘divindade descer ao mundo mortal’.[↩]
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