Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    O ruído em sua mente subia e descia de intensidade, como se uma imensa fonte de interferência se aproximasse e se afastasse de seu cérebro de forma errática. A loja de antiguidades à sua frente permanecia estável na maior parte do tempo, mas de vez em quando, sombras obscuras pareciam passar entre as prateleiras, como se quisessem mostrar a um visitante imprudente as terríveis verdades vindas do Subespaço.

    Morris sentou-se cautelosamente diante do balcão, contendo seus pensamentos e emoções. Dentro da breve lucidez concedida por Lahm, o Deus da Sabedoria, ele se esforçava para raciocinar sobre uma série de questões.

    A conversa ainda continuava e, até que o ‘Senhor Duncan’ à sua frente estivesse satisfeito, ele — o ‘interlocutor’ — precisava acompanhar até o fim.

    No entanto, Duncan permanecia em silêncio no momento — ele também estava imerso em seus pensamentos, ponderando sobre o Sol Negro e a contaminação da história.

    Esse silêncio, ao mesmo tempo morto e repleto de ruído agudo, durou por um tempo indefinido. Até que, de repente, Morris ouviu uma voz grave vindo do outro lado:

    “Última pergunta: se realmente houver algo contaminando a história, como se resolve esse problema?”

    “Alguém está… contaminando a história?” Morris levantou a cabeça com certa lentidão, encarando Duncan com confusão. “Você está se referindo a quem?”

    “Não importa quem seja”, respondeu Duncan com indiferença. “Pode ser o Subespaço, pode ser o Sol Negro, pode ser alguma outra divindade herética. O ponto é: se existe algo tentando contaminar a história, como lidar com isso? O que os Portadores da Chama fariam diante de uma crise assim?”

    Morris ficou paralisado por um instante e balançou a cabeça, hesitante: “Isso… me desculpe, mas não posso responder. Isso já está além do que eu conheço. Mesmo entre os Portadores da Chama, acredito que só os santos mais poderosos ou os escolhidos saberiam sobre os segredos do funcionamento da história — a maioria dos Portadores, na verdade, não é muito diferente dos guardiões da Igreja da Tempestade, e só lida com tarefas como eliminar hereges e purificar contaminações no cotidiano. Afinal, uma verdadeira contaminação da história é algo quase impossível de ocorrer…”

    “…Também acho. Foi minha curiosidade indo longe demais, exigir de você uma resposta assim é pedir demais”, suspirou Duncan suavemente. Ele se deu conta de que sua curiosidade estava ultrapassando os limites e provavelmente já havia colocado grande pressão psicológica no velho à sua frente. Por isso, encerrou diretamente o assunto: “Vamos deixar por aqui hoje.”

    Um alívio imenso tomou conta de Morris, e ele soltou um suspiro imediatamente.

    Sua mente estava turva desde algum tempo atrás, os pensamentos vinham e iam aos trancos, várias perguntas surgiam em sua cabeça, mas ele não conseguia organizá-las. Agora que Duncan decidiu encerrar o assunto por conta própria, era tudo o que ele poderia desejar.

    Duncan, por sua vez, levantou a cabeça e olhou para fora pela vitrine de vidro não muito distante.

    Pelo horário, ainda faltava um pouco para o pôr do sol, mas o céu encoberto já havia mergulhado o exterior em completa escuridão. Os lampiões a gás se acenderam antes do tempo, espalhando sua luz amarelada pelas ruas do lado de fora. Com o fundo das nuvens sombrias, o Distrito Inferior de Pland parecia ter sido lançado prematuramente à noite.

    “O tempo está bem ruim”, disse Duncan, afastando o olhar da janela e voltando-se para o velho à sua frente. “Quer ficar? A Nina provavelmente já terminou de preparar o jantar.”

    O coração de Morris quase saltou do peito, e de repente lhe veio à mente uma frase popular na Academia da Verdade, usada para descrever os mais insanos — e lendários — estudiosos obcecados por conhecimento:

    Nadou pelo Subespaço, contou vantagem diante de deuses hereges, testemunhou disputas entre divindades e aproveitou uma sopa feita por um dos escolhidos.

    Se ele considerasse esta loja de antiguidades, agora ocupada pelo ‘Senhor Duncan’, como parte do Subespaço… Se Duncan tivesse de fato um nível comparável ao de uma divindade… E se realmente houvesse um embate entre a sombra do Subespaço e o Deus da Sabedoria… Então ele acabara de realizar três dos quatro ‘milagres’!

    Se eu subir agora pra tomar essa sopa… é capaz de virar lenda na hora!

    Morris se surpreendeu por ainda ter energia para pensar em tais absurdos nesse momento. Então organizou cuidadosamente suas palavras:

    “Na verdade…”

    “Na verdade, você quer ir embora, não é?” Duncan o interrompeu antes que terminasse, acenando com a cabeça. Ele ainda possuía certa consciência de sua situação. “Embora eu ache que, com o tempo ruim de hoje, uma sopa quente cairia bem, parece que o desconforto de estar aqui comigo supera qualquer conforto que uma sopa possa trazer, não é?”

    Morris se levantou rapidamente e assentiu: “Pra ser sincero, cada segundo aqui é uma agonia — claro, sem querer ofender, é só que…”

    “Não precisa dizer mais nada, eu entendo”, respondeu Duncan, fazendo um gesto com a mão e esboçando um sorriso levemente resignado. “Se fosse em outra circunstância, com um clima mais leve, eu adoraria conversar com você sobre história e os deuses. Tenho grande interesse por conhecimento — e não é aquele tipo de ‘interesse’ malicioso, viu? Mas parece que hoje não vai dar mesmo.”

    Morris permaneceu de pé ao lado do balcão. Diante das palavras do outro, ficou em silêncio por alguns instantes antes de finalmente encarar Duncan: “Pra falar a verdade, por um momento eu quase me esqueci das ‘verdades’ que vi. Sua… curiosidade e cordialidade foram tão reais. O senhor falou comigo como um amigo. É a primeira vez que vejo alguém como você ser tão amigável…”

    O velho travou por um segundo, como se não conseguisse encontrar uma palavra positiva que se encaixasse. Duncan, percebendo, riu: “Se não encontrar um bom adjetivo, não precisa forçar. Só não vá me denunciar depois, já tá ótimo.”

    “Não, não, de jeito nenhum!” exclamou Morris, agitando as mãos com pressa, como se temesse ser mal interpretado. “De qualquer forma, o senhor salvou a vida da Heidi. E sempre se mostrou amistoso. Não tenho motivos pra denunciá-lo — além do mais…”

    O velho hesitou um instante, depois abriu um sorriso amargo e deu de ombros: “Olhando pro senhor… acho que nem teria muito sentido uma ‘denúncia’, né?”

    “Seria só incômodo pra mim”, respondeu Duncan com naturalidade. “Mas não seria um incômodo grande.”

    Ele fez uma breve pausa, então levantou novamente os olhos em direção ao andar de cima, antes de encarar Morris mais uma vez: “Se o tempo melhorar amanhã, Nina irá à escola como de costume.”

    “Nina…” Morris piscou algumas vezes. Ele se lembrou daquela chama em forma de arco que havia visto, e também da conversa que acabara de ter com Duncan — especialmente a parte sobre o Sol Negro. Ao associar isso com a atitude que Duncan demonstrara, um pressentimento começou a se formar em seu coração. “A Nina… ela está relacionada com aqueles hereges que cultuam o Sol…?”

    Ele não completou a pergunta, pois Duncan apenas balançou levemente a cabeça.

    “Nina é só a Nina. Você não precisa se preocupar com os segredos por trás dela”, respondeu Duncan em voz baixa. “Aja com ela como sempre agiu. Assim, nada de ruim acontecerá.”

    “…Entendi.” Morris abaixou levemente a cabeça. Por alguma razão, ao ouvir aquelas palavras, sentiu-se ainda mais aliviado do que antes. Em seguida, recuou dois passos devagar. “Então, creio que é hora de me retirar. Por favor, diga à Nina que me despedi — no estado em que estou agora… não é adequado eu ‘vê-la’.”

    Duncan respondeu com um breve ‘hm’, e contornou o balcão para acompanhar o velho até a porta.

    Na rua, quase não havia mais pedestres. Apenas as fileiras de lampiões lançavam sua luz sobre a cidade coberta por nuvens escuras. O vento frio serpenteava entre os prédios, e a umidade no ar parecia cada vez mais densa.

    Morris apertou o casaco contra o corpo e ajustou o chapéu-coco que usava. Mas, antes de seguir até o carro, não resistiu e parou. Virou-se para olhar mais uma vez para Duncan, que ainda estava parado na porta da loja.

    O que viu foi um homem de meia-idade com um sorriso sereno. A paisagem da rua ao fundo oscilava de vez em quando, mas não mais com o terror e a estranheza que vira no início.

    “Senhor Duncan”, disse Morris de repente, “o senhor realmente gosta deste lugar, não é?”

    “É verdade, gosto bastante daqui”, respondeu Duncan, sorrindo enquanto acenava para o velho. “Então vá pra casa tranquilo. Pland vai receber em paz o amanhã — e todos os dias que virão.”

    Morris tirou o chapéu e acenou de volta, antes de se virar e caminhar até o carro estacionado na beira da rua.

    Duncan, por sua vez, só desviou o olhar quando o carro arrancou e desapareceu no fim da rua.

    Mas ele não entrou de volta na loja imediatamente. Ficou parado na porta, pensativo.

    A primeira coisa que lhe veio à mente foi se aquele velho ia ou não denunciá-lo depois…

    Conclusão: a chance era mínima — mínima mesmo. Se ele fosse só um cultista qualquer, ou até um sacerdote herege de nível elevado, Morris, como devoto de uma divindade legítima, certamente o denunciaria sem pestanejar. Mas, pela forma como as coisas se desenrolaram, Duncan imaginava que, aos olhos do velho, sua figura estava mais para a de um antigo deus do que qualquer outra coisa. E isso tornava a chance de denúncia praticamente nula.

    A razão era simples: denunciar cultistas resultaria em dois policiais prendendo todo mundo. Denunciar um sacerdote herege exigiria alguns guardiões para resolvê-lo na hora. Mas e se quem estivesse ali fosse uma divindade herege do Subespaço? A denúncia teria de ir pra que nível?

    Nem a igreja do bairro daria conta disso… Mesmo que fosse enviada ao bispo da cidade-estado, ainda assim seria inútil…

    Seria mais eficaz rezar umas palavras para o Deus da Sabedoria que cultuava do que tentar envolver a Igreja.

    E mesmo que Morris de fato denunciasse à Igreja, Duncan também não se importaria tanto assim.

    Afinal, até mesmo Vanna — uma Inquisidora que está no topo do poder de combate da Igreja da Tempestade — era, aos seus olhos… meio fraca.

    Comparado com esse tipo de detalhe, o que realmente preocupava Duncan agora era o estado de Nina.

    Aquela chama em arco que queimava intensamente… Esse foi o ‘verdadeiro aspecto’ que Morris viu nela com os olhos concedidos pelo Deus da Sabedoria.

    “Fragmento do Sol, hein…” Duncan ergueu o rosto e olhou para o céu escuro, murmurando como se falasse consigo mesmo. “Que diabo é esse ‘sol’ deste mundo, afinal…”

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