Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    A Criação do Mundo pairava no céu noturno. Sobre o Mar Infinito, soprava uma brisa fria, e pequenas ondas se agitavam levemente ao redor. O bote balançava suavemente, como um sonho prestes a acabar, suspenso entre a vigília e o sono antes do amanhecer.

    Mas Alice, na verdade, não sabia o que era ‘sonhar’. Ela dormira por muito, muito tempo, mas nunca havia tido sonhos como os humanos. Ainda assim, ela imaginava que sonhar deveria ser algo parecido com essa sensação.

    Flutuar em um lugar muito, muito grande, enquanto os pensamentos se espalham com o vento.

    Ela ergueu a cabeça, e tudo o que viu ao longe foi o mar. As luzes do Banido, bem distantes, pareciam uma pequena chama flutuando sobre a superfície da água. Aquilo lhe dava uma sensação estranha… como se o mundo inteiro tivesse desaparecido, restando apenas ela, o pequeno bote sob seu corpo, e o Mar Infinito se estendendo infinitamente em todas as direções.

    Ah… e os três Pregadores do Fim amarrados do outro lado do bote.

    A Srta. Boneca desviou o olhar do horizonte e passou a observar, curiosa, os cultistas amarrados diante dela.

    Eles eram humanos — do tipo bem ruim. Alice não conhecia muitos humanos, mas sabia que havia bons e maus. Os bons faziam coisas boas; o Capitão Duncan os elogiava, às vezes até os ajudava. Os maus, por sua vez, faziam coisas ruins; Duncan os desprezava, às vezes até os denunciava. E aqueles três ali… pertenciam ao tipo que o Capitão mais detestava.

    Eles acreditavam no Subespaço, seguiam uma fé perversa, e em nome de uma ‘justiça’ que eles mesmos inventaram, eram capazes de matar qualquer um — até mesmo atacar uma pobre garotinha que vivia sozinha com um cão. Se fossem descobertos pelos guardas da cidade-estado, seriam executados a tiros no meio da rua. Se fossem encontrados por marinheiros em alto-mar, seriam enforcados no mastro. Até mesmo piratas — conhecidos por sua crueldade — os enfiariam em caixotes e os jogariam ao mar como forma de pedir proteção à Deusa da Tempestade.

    Mas agora estavam ali, amarrados, quietos. Não demonstravam nenhum impulso de loucura descontrolada. Alice ainda se lembrava de como haviam agido ao subir a bordo: estavam tão excitados que pareciam ter tomado alguma substância errada.

    Com o passar do tempo, no entanto, os Pregadores do Fim foram ficando cada vez mais… obedientes.

    “Vocês estão com medo?” depois de muito se segurar, Alice finalmente não aguentou mais e falou. Estava realmente incomodada ali. Embora soubesse que esse era um ‘teste de segurança’ necessário para que pudesse circular entre os humanos nas cidades, flutuar em alto-mar daquele jeito a deixava muito desconfortável.

    Um dos Pregadores do Fim respondeu à pergunta da boneca. Sua cabeça, magra como um crânio, ergueu-se lentamente, e ele fitou os olhos de Alice:

    “Impureza estúpida… casca defeituosa… tua alma é pálida e vazia. Nem o Subespaço te aceitaria…”

    Alice ficou pasma por um momento. Alguns segundos depois, finalmente reagiu:

    “Ei! Você me xingou!”

    Do outro lado, os três cultistas apenas começaram a rir — risadas roucas e desagradáveis. Diante da ‘Anomalia 099’, aquela entidade temida por todos, eles não demonstravam o menor sinal de medo.

    Ou talvez, como eles próprios afirmavam, já tivessem transcendido o conceito de vida e morte — já não se importavam com a chegada da morte no mundo real.

    Alice só pôde ficar emburrada sozinha, mas depois de um tempo, balançou a cabeça:

    “Eu não tô mais brava.”

    Um dos Pregadores do Fim ergueu os olhos e a olhou, sem dizer uma palavra.

    Alice continuou falando sozinha:

    “Eu nem devia ficar com raiva, na verdade quem deveria reclamar são vocês. Afinal, quem tá amarrado aí são vocês, não eu. E quem vai passar pelo teste do pescoço também são vocês, não eu. O Capitão já disse: quando o vento tá a favor, a gente não pode ficar todo empolgado demais, porque se a onda virar, o barco afunda, e quem pula demais, morre… E olha só o estado em que vocês estão, eu vou ser generosa e deixar vocês falarem umas besteiras.”

    Os Pregadores do Fim permaneciam em silêncio dentro do bote, como se os resmungos da boneca não chegassem aos seus ouvidos. Mas, passado um tempo, Alice percebeu alguns ‘pequenos movimentos’ — discretos, mas perceptíveis.

    Eles estavam se observando, lançando olhares sutis para o pescoço uns dos outros, mexendo o próprio pescoço de vez em quando, e às vezes até lançavam um olhar cauteloso na direção dela, com um brilho de dúvida no olhar.

    Alice pensou um pouco e concluiu que talvez estivessem curiosos para saber por que suas cabeças ainda estavam presas.

    Afinal, aqueles cultistas claramente conheciam as informações sobre a Anomalia 099. Talvez realmente não temessem a morte, mas ainda assim… eram curiosos. Estavam há tanto tempo perto da tal Anomalia — e continuavam vivos — que nem eles sabiam o motivo.

    “Na verdade, eu tenho um pouco de medo”, disse Alice de repente. “Eu tenho medo das cabeças de vocês caírem do nada. O Capitão falou que eu tenho esse poder de decapitar as pessoas. Quando ouvi isso pela primeira vez, levei um susto! Humanos não são como eu… se a cabeça de vocês cair, não tem como colocar de volta…”

    Nesse momento, um som de asas batendo se fez ouvir no alto. Alice ergueu os olhos, curiosa, e viu a pomba Ai voando para longe — e logo depois voltando da direção do Banido, com chamas verdes subindo do seu corpo.

    Ai deu duas voltas sobre o mar, próximo ao bote. Então, envolta em um redemoinho de chamas espectrais, fez surgir do nada uma caixa de madeira luxuosa, que caiu com um plof na água ao lado do bote.

    “Minha caixa!” exclamou Alice, arregalando os olhos de surpresa. Em seguida, as palavras ‘expulsa do navio’ passaram por sua cabeça, e sua própria cabeça quase caiu do pescoço de susto — mas então percebeu que havia um bilhete colado à tampa da caixa. Rapidamente, pegou os remos e remou algumas vezes até se aproximar. Quando tirou o papel e leu, estava escrito:

    〖A habilidade de guilhotina pode estar relacionada à sua caixa. Enviando-a também para testes.

    P.S.: Aposto que você já tá achando que tô te expulsando do navio. Para de bobagem. Assim que terminar o teste, volte logo.〗

    Alice segurou o bilhete e o virou várias vezes na mão, tentando entender, mas não conseguiu.

    Ela não sabia ler…

    Mas logo viu algo no verso do papel: um rabisco, uma ilustração simples e apressada. Nela, estava desenhada a cena de Alice remando de volta ao Banido. No final do desenho, havia até um rostinho sorridente.

    A Srta. Boneca então compreendeu — não importava o que estivesse escrito na frente, o Capitão não estava tentando expulsá-la do navio.

    Tranquila, ela guardou cuidadosamente o bilhete e puxou a caixa de madeira para fora da água. Com um ‘pum’, jogou o pesado baú sobre o bote com uma só mão. Só então ergueu os olhos e olhou para os cultistas amarrados à sua frente:

    “Vocês estão com fome?”

    Nenhum dos Pregadores do Fim respondeu. Mas Alice não se importou. Continuou resmungando sozinha:

    “O Capitão disse que vocês são do tipo que merecem morrer, mas também disse que, se realmente conseguirem passar no teste e sobreviver, ele não vai matar vocês. Vai levar vocês de volta pra cidade… pra… pra…”

    Ela parou um pouco, tentando lembrar as palavras exatas do Capitão. Então, depois de pensar bastante, disse:

    “Ah! Pra mostrar a preocupação dos cidadãos de bem com a segurança da cidade-estado! Ele disse que vocês valem pelo menos sete bicicletas. O que é bicicleta?”

    “O Subespaço nos trará sustento… o Subespaço nos trará paz… o Subespaço abençoará todos os que se extinguem, e após todos os fins chegarem conforme o previsto…”  um dos cultistas murmurou de forma arrastada, talvez respondendo aos devaneios de Alice, talvez apenas fazendo uma prece profana. “Caminhamos no fim dos tempos, rejeitando esta carne amaldiçoada. Nossa mente cruzará os muros e se abrirá, novamente, no novo mundo…”

    “Hã?” Alice franziu o cenho. “O que vocês estão murmurando aí?”

    Mas os Pregadores do Fim não responderam mais. E dali em diante, permaneceram calados — ou melhor, presos em seus próprios sussurros.

    Durante o restante da madrugada, até o amanhecer, ficaram ali, de cabeça baixa, murmurando sobre o Subespaço. Falavam do fim do rio do tempo, de um apocalipse inevitável e merecido. Naquele mar imóvel, em que as ondas suaves batiam contra o casco do bote, os únicos sons eram as marolas e os cochichos insanos dos fanáticos.

    Para a maioria das pessoas, aquilo seria uma cena aterradora. O conteúdo de tais preces era suficiente para amaldiçoar qualquer mente fraca, que poderia acabar sendo corrompida pelas sombras profundas do mundo.

    Mas, para Alice… era só barulho.

    Ela tinha o bilhete do Capitão — e por isso não tinha mais medo da deriva. O que sobrava agora era puro tédio.

    Mas esse tédio, enfim, chegou ao fim.

    Um raio de luz apareceu no horizonte, distante. Em meio à luz suave da alvorada, a Criação do Mundo enfraqueceu no céu e se dissipou rapidamente. Aos poucos, o Sol, selado por aneis rúnicos duplos, começou a surgir do mar e subiu ao céu.

    O dia amanheceu.

    E Alice não decapitou ninguém.

    A Srta. Boneca, feliz, observava o nascer do sol. Ela se levantou ao lado da caixa e virou-se para os cultistas:

    “Ei! O dia nasceu! Vocês ainda estão vivos! Podemos voltar!”

    Mas os três Pregadores do Fim não responderam. Continuavam curvados no bote, de cabeça baixa, sussurrando. No breve instante antes que a luz do sol invadisse a embarcação, murmuravam uma última invocação à ‘atenção’ do Subespaço.

    Só depois que Alice repetiu o chamado é que um deles ergueu a cabeça. Ele olhou para a luz do sol que se espalhava lentamente, pareceu confuso por um momento, mas logo, um sorriso estranho surgiu em seu rosto.

    “Ah… nosso novo dia chegou ao fim…” murmurou o lunático. Lentamente, virou-se e olhou para os olhos da boneca, esculpidos como pedras preciosas. Em seu sorriso, misturavam-se loucura e serenidade. “Boneca… algum dia, nós vamos nos encontrar de novo.”

    “Hã?” Alice piscou, confusa. “Como assim? Você vai fugir do nada, é?”

    A luz do sol chegou.

    Os três Pregadores do Fim desapareceram em silêncio na luz da manhã, como sombras de um ontem esquecido.

    “Fugir do nada…” Alice começou a responder automaticamente, até arregalar os olhos. “Eles realmente fugiram?!”

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