Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    A boneca mais uma vez enfrentou os ventos e as ondas até retornar ao Banido, e parecia um tanto assustada — e após ouvir a descrição completamente confusa daquela boneca envergonhada, Duncan também arregalou os olhos em espanto.

    “Desapareceram? Desapareceram bem na sua frente, do nada?” Duncan olhou incrédulo para Alice, depois voltou os olhos para o bote salva-vidas que acabava de ser içado por roldanas até a lateral do navio — ainda havia cordas no bote, usadas para amarrar aqueles Pregadores do Fim, mas os cultistas que estiveram ali estavam totalmente desaparecidos.

    “Sim, sim! Foi de repente, num piscar de olhos! Nem som fizeram!” Alice explicou animadamente, fazendo gestos exagerados. “Foi no instante em que a luz do sol caiu sobre eles… eles simplesmente sumiram, como se nunca tivessem existido…”

    “No instante em que a luz do sol caiu… desapareceram sem deixar vestígios…” Duncan franziu a testa. Ele havia cogitado inúmeras formas pelas quais aqueles Pregadores do Fim poderiam tentar escapar ou reagir, mas jamais imaginou que simplesmente evaporariam no ar — isso tornava inúteis todas as suas precauções. “Se eles tivessem pulado no mar, eu ainda entenderia — afinal, seriam solúveis em água. Mas isso agora… solúveis em luz solar? Como isso funciona? Será que tem mesmo algo a ver com o sol? Talvez o poder repressivo do sol os impeça de permanecer no mundo real?”

    “Não sei, ué.” Alice arregalou os olhos, respondendo com firmeza.

    “Eu nem estava perguntando pra você.” Duncan lançou um olhar para a boneca. “Antes de sumirem, eles mostraram algum comportamento estranho? Disseram alguma coisa? Fizeram algum ritual esquisito?”

    “Eles… ficaram murmurando coisas o tempo todo. Falaram sobre o Subespaço, sobre a Terra Prometida, sobre o ciclo da nova vida do fim inevitável…” Alice coçou a cabeça, depois pareceu se lembrar de algo subitamente. “Ah, é! Um deles disse algo como ‘nosso outro dia chegou ao fim’…”

    “O ‘outro dia’ deles acabou?” Duncan franziu ainda mais a testa. Sem saber por quê, isso o fez se lembrar das palavras que um Pregador do Fim havia lhe dito anteriormente:

    Eles se escondem dentro da história amaldiçoada.

    Ideias absurdas começaram a se formar em sua mente — mas considerando o quão absurdo já era aquele mundo, talvez nada fosse tão absurdo assim.

    “Capitão?” Alice chamou, vendo Duncan pensativo e silencioso por um bom tempo. Incapaz de se conter, ela finalmente abriu a boca: “O senhor pensou em algo? O senhor…”

    “Nada demais.” Duncan balançou a cabeça. Soou como se falasse consigo mesmo — ou talvez como um leve suspiro. “Só me veio à cabeça uma ideia maluca… e se esses tais Pregadores do Fim… não forem existências lineares?”

    “’Não forem existências lineares’?” Alice congelou por um momento. Seu limitado cérebro e conhecimento não acompanharam o raciocínio do capitão. “O que isso quer dizer?”

    “…É melhor não perguntar. Com sua inteligência, vai ser difícil explicar.” Duncan lançou outro olhar à boneca, hesitou por dois segundos e acabou balançando a cabeça de novo. “Mas de repente tudo faz sentido… me lembro de uma passagem naquele livro que o Sr. Morris me deu, que os Pregadores do Fim são os mais misteriosos, e os mais difíceis de serem descobertos ou capturados entre os cultistas… Isso é absurdo.”

    É absurdo. Duncan repetiu mentalmente.

    Esconder-se dentro de um fluxo histórico anormal, existir de forma não linear, transitar entre a realidade conforme o ciclo do dia e da noite — a menos que sejam mortos no ato, é impossível capturar hoje um Pregador do Fim que foi preso ontem. Essa era a chocante conclusão que Duncan deduzira com base nas pistas disponíveis.

    Comparados a isso, até os cultistas do sol — por mais cruéis e sombrios que fossem — pareciam bem mais mundanos e até simpáticos. Afinal, embora também apresentassem características bizarras, como a transformação contínua de civis comuns sob influência da Roda Solar Rastejante1, ainda assim, não chegavam a esse nível de bizarria.

    Mas, pensando bem… Se os Pregadores do Fim realmente fossem essas tais ‘existências não lineares’, como haviam se tornado isso? Como um humano comum poderia se descolar do fluxo natural do tempo e se transformar em uma ‘criatura fragmentada2’, descontínua dentro da linha temporal?

    Seria simplesmente por seguirem o Subespaço… e por isso receberem sua ‘bênção’ — uma bênção enlouquecida e corrompida?

    “Capitão, o senhor tá viajando de novo…”

    A voz de Alice soou novamente. A boneca o observava com certa preocupação.

    “Tô bem.” Duncan soltou um leve suspiro, afastando aqueles pensamentos desconexos. Achava que ainda era cedo demais para se afundar em elucubrações3  — afinal, aquele era seu primeiro contato com seguidores do Subespaço, e sair por aí tirando conclusões absurdas não o levaria a lugar algum.

    Ele voltou a olhar para Alice.

    “Você viu o bilhete que deixei pra você, né?” perguntou casualmente.

    “Vi sim!” Alice imediatamente assentiu com alegria. “Na hora que vi a caixa, tomei um baita susto. Achei que você tava mandando eu não voltar mais! Mas depois vi o bilhete e fiquei aliviada… Só que não entendi o que tava escrito, só consegui entender o desenho…”

    O canto da boca de Duncan se contraiu. Aquela intuição repentina que teve ao desenhar algo junto com as palavras tinha mesmo valido a pena — a boneca era mesmo analfabeta.
    “…Você realmente não sabe ler.”

    “Não sei mesmo!” respondeu Alice, com sua costumeira convicção. “Fiquei trancada numa caixa por tantos anos… Só de ter aprendido a viver ouvindo já é um milagre! Como é que eu ia aprender a ler, né…”

    Duncan: “…”

    “O que foi que o senhor pensou agora, capitão?”

    “Pensei que… talvez abrir um curso de alfabetização aqui no Banido, ou lá na loja de antiguidades, não seria uma má ideia”, suspirou Duncan. “Com você, já conheço duas analfabetas. Se contar o Cão, são três. Já dá pra formar um grupo de estudos.”

    Alice refletiu um pouco: “Curso de alfabetização? Grupo de estudos? O que é isso?”

    “…Depois eu explico”, disse Duncan, fazendo um gesto com a mão. Seu semblante ficou um pouco mais sério em seguida. “Vamos voltar àquele ‘teste’. Até o momento em que desapareceram, os três cultistas estavam normais, certo? Mesmo depois que você recebeu a caixa, eles não demonstraram nenhuma alteração?”

    “Com certeza estavam normais! As cabeças deles ainda estavam nos pescoços, eu vi direitinho!”

    Duncan curvou os dedos, apoiando o queixo, e olhou pensativo para Alice.

    Apesar das características bizarras dos Pregadores do Fim, eles definitivamente não possuíam o mesmo tipo de poder ou ‘resistência sobrenatural’ que os santos. Afinal, Shirley havia conseguido esmagar três deles a golpes com o Cão, o que indicava que seus corpos ainda eram feitos de matéria comum — vulnerável, ainda que com resistência à dor bem acima da média.

    E agora, aqueles três cultistas ficaram ao lado de Alice por um bom tempo… sem sofrer nenhum efeito. Isso só podia significar que… o efeito da guilhotina havia mesmo desaparecido?

    Alice observou a mudança de expressão de Duncan e, mesmo com sua habitual lerdeza, começou a entender a situação. Aproximou-se cautelosamente, levantou o rosto e perguntou com certa expectativa:

    “Capitão… eu passei no ‘teste’, né? Isso quer dizer que o senhor pode me levar até a cidade-estado?”

    “O teste… é, acho que passou”, Duncan respondeu devagar, ainda refletindo. “Apesar das propriedades anômalas daqueles cultistas me deixarem com o pé atrás, os resultados são claros…” Por fim, assentiu. “Certo. O teste foi bem-sucedido. Parece que sua habilidade da guilhotina está mesmo sob controle.”

    Ele fez uma pausa antes que Alice começasse a comemorar, e completou:

    “Eu vou levar você até a cidade-estado, mas não agora. Você ainda tem um conhecimento muito limitado sobre o mundo humano e há detalhes em você que podem te denunciar com facilidade — como seus dedos e as juntas dos pulsos. Vamos precisar resolver isso primeiro: aulas intensivas de bom senso, e algumas modificações para disfarçar sua aparência.”

    Uhum, eu sei, eu sei!” Alice assentia com entusiasmo, totalmente alheia aos obstáculos. Parecia mais animada do que preocupada. “O Sr. Cabeça de Bode já me falou isso! Disse que o mundo humano é super complicado, que até pra comprar comida tem um monte de regras. Ele falou que, se eu quisesse ir pra uma cidade humana, ia ter que ‘estudar bastante’. E que, se eu tivesse dúvidas, era só perguntar pra…”

    “Nem pense em perguntar pra ele!!” Duncan se assustou e a interrompeu antes que ela terminasse. A simples ideia daquela boneca, já propensa ao desvio, ainda por cima aprendendo com aquele bode degenerado o deixou alarmado. “Ele é menos humano que você! E você quer aprender sobre a sociedade humana com ele? Cadê seu cérebro?”

    Alice respondeu com um olhar inocente: “Não tenho!”

    Duncan quase engasgou. Ficou um tempo em silêncio, tentando recuperar o fôlego, até conseguir soltar:
    “Você… tenho que admitir que está certa.”

    Hehehe…”

    “Enfim, é melhor parar de aprender com aquele Cabeça de Bode. Ele não vai te ensinar nada que preste.” Duncan suspirou, sentindo mais uma vez que conversar com aquela boneca era como submeter a mente a um teste de sanidade — quase como um san check4 de verdade. “Depois eu vou arrumar um tempo pra te ensinar o básico, e também pensar numa forma de disfarçar suas articulações. Por agora, você já pode ir — vá preparar o jantar.”

    “Tá bom, tá bom!” Alice assentiu com energia, mas quando já ia saindo, parou de repente como se tivesse lembrado de algo. Virou-se com curiosidade e perguntou: “Capitão, o senhor vai fazer o quê?”

    “Tenho umas coisas pra conversar com o Cabeça de Bode”, respondeu Duncan, balançando a mão com um ar cansado. “Nada que te diga respeito.”

    Alice assentiu mais uma vez e foi caminhando na direção dos aposentos do navio — de bom humor, com passos leves e até elegantes.

    Duncan ficou observando a silhueta da Srta. Boneca se afastando, e não pôde evitar pensar mais uma vez:

    Quando não fala nem vira a cabeça… até que é mesmo elegante.

    Pena que nasceu com boca…

    1. O termo original é ‘蠕变日轮’ (rúbiàn rìlún), uma construção muito específica. O autor usa ‘日轮’ (rìlún), que significa literalmente “Roda do Sol”, em vez do termo comum para “Sol” (太阳 – tàiyáng). Essa escolha deliberada sugere que a entidade não é uma simples esfera, mas sim uma estrutura circular, um halo ou um construto. O termo ‘Rastejante’ (蠕变 – rúbiàn) é igualmente complexo, descrevendo um movimento lento e incessante, como o de um verme, e também é o termo técnico para o fenômeno físico de “fluência” (deformação sob pressão). A junção cria uma imagem de horror cósmico: uma roda celestial que se move e se distorce de forma insidiosa e imparável.[]
    2. Em chinês é usado o termo ‘切片生物’, Aqui, “切片” literalmente significa “fatiado”, “cortado em camadas” — e “生物” é “criatura” ou “ser vivo”.[]
    3. Elucubrações basicamente significa ‘Reflexões profundas, complexas ou excessivamente complicadas, geralmente feitas de forma solitária e com grande esforço mental.’[]
    4. Nota do Autor: Teste de sanidade: Termo originado do jogo de mesa Call of Cthulhu, que representa uma verificação da estabilidade mental dos personagens diante de entidades ou eventos sobrenaturais e incompreensíveis.[]
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