Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    A sala de navegação estava como sempre — banhada pela luz do sol que se infiltrava pela escotilha, vinda do mar infinito. Aquela luz fazia os objetos antigos, acumulados ao longo de um século, refletirem um brilho vívido. O esculpido Cabeça de Bode repousava silenciosamente num canto da mesa náutica, controlando a rota do Banido, enquanto o antigo mapa diante dele fervilhava com uma neblina tênue. Naquela névoa ondulante, as rotas conhecidas se desenrolavam em direção a um destino fixo.

    No fim da rota marítima: a cidade-estado de Pland. O ponto luminoso que a representava já surgia entre a névoa à frente, diminuindo gradualmente a distância entre si e o Banido — tão lentamente que seria impossível notar a olho nu.

    A porta se abriu e a silhueta de Duncan surgiu no batente.

    A escultura do Cabeça de Bode imediatamente se moveu. Seu pescoço de madeira rangeu, girando na direção do som:

    “Ah! É o grandioso capitão que veio se juntar ao seu leal assistente! Seus assuntos foram bem-sucedidos? Desde ontem, o senhor está ocupado sem parar… Está de bom humor hoje? O clima de hoje está—”

    “Chega, chega. Não precisa repetir as mesmas saudações todo dia”, Duncan ergueu a mão, interrompendo antes que ele emendasse mais uma ladainha. Seu olhar, então, repousou de forma quase casual no rosto do Cabeça de Bode.

    Como sempre, o rosto da criatura esculpida não revelava expressão alguma. Seus olhos de obsidiana continuavam frios e inumanos, fixos sobre Duncan com aquele olhar antinatural e vazio.

    Mas não havia qualquer sinal de ameaça, nem nada diferente do habitual.

    Aquele ser parecia estar apenas… executando as ordens. Duncan mandou que ele se concentrasse em pilotar o navio — e era exatamente isso que ele fazia.

    “Capitão, o senhor parece pensativo?” soou a voz entusiasmada do Cabeça de Bode, com aquele tom bajulador tão característico. “Ouvi dizer que o senhor trouxe alguns prisioneiros… Mas parece que eles não estão mais a bordo?”

    “Eles desapareceram com o nascer do sol,” respondeu Duncan com calma, aproximando-se da mesa náutica e se sentando. “Eram Pregadores do Fim.”

    “Ah… os Pregadores do Fim… criaturas problemáticas e perigosas. Difíceis de capturar, sempre surgem do nada e somem do nada”, o Cabeça de Bode imediatamente começou a tagarelar — como Duncan já sabia que faria. Era só abrir um assunto que aquela coisa emendava uma torrente de palavras. Mas, no meio da verborragia, quase sempre havia informações úteis. Nem era preciso interrogar diretamente. “Mas como foi que eles chamaram sua atenção? Aqueles fanáticos raramente aparecem. Comparados aos cultistas do Sol ou da Aniquilação, eles são bem mais discretos e raros…”

    “Eles atacaram um humano que eu estava observando. Então aproveitei pra capturá-los e testar a habilidade da Alice”, Duncan respondeu casualmente, enquanto observava atentamente o comportamento do Cabeça de Bode. “Eles também falaram um monte de bobagens religiosas sobre o Subespaço… o quanto você sabe sobre esses cultistas?”

    “Eu recomendaria não prestar muita atenção nesse tipo de pregação”, respondeu imediatamente o Cabeça de Bode. “Só o ato de invocar repetidamente o nome do Subespaço já pode atrair a atenção de entidades perigosas — imagine então lidar diretamente com os lunáticos que o seguem? É claro, seres grandiosos como o senhor talvez estejam além dessa influência… Mas, ainda assim, não é algo bom de se ouvir por muito tempo…”

    Ele fez uma pausa e continuou:

    “Olha, vou dizer a verdade. Eu não sei muito sobre esses malucos. E, sinceramente, quase ninguém sabe. Os Pregadores do Fim estão entre os mais estranhos de todos os cultistas. São especialistas em sumir do nada, têm pensamentos desconexos, e ao contrário dos outros cultos, não contam com multidões de seguidores comuns. Eles são poucos… e é praticamente impossível manter uma conversa normal com qualquer um deles…”

    O Cabeça de Bode continuava tagarelando, e quanto mais falava, mais sua fala se enchia de inutilidades — mas foi no meio dessa enxurrada de palavras que Duncan conseguiu captar algumas informações importantes.

    Segundo o que o próprio Cabeça de Bode dizia, os Pregadores do Fim eram significativamente menos numerosos do que as outras duas principais ameaças religiosas da civilização: os Seguidores do Sol e os Cultistas da Aniquilação. Com base nos registros e rastros deixados no mundo real, estimava-se que seu número total não passava de mil — talvez até menos.

    Nos cultos comuns, havia geralmente uma grande quantidade de pessoas comuns que atuavam como fiéis da base: indivíduos sem poderes especiais, vivendo como cidadãos normais, mas já corrompidos em pensamento e fé. Eram o alicerce das seitas.

    Mas os Pregadores do Fim eram diferentes. Eles não tinham base popular. Sempre que um deles aparecia, já surgia como uma figura poderosa, um ‘sacerdote’ completo. E ninguém fazia ideia de como um culto podia operar sem essa estrutura fundamental — da mesma forma que ninguém sabia ao certo como se dava a transformação de humanos comuns em seguidores do Sol ou da Aniquilação.

    Além disso, apesar do título ‘Pregadores’, os Pregadores do Fim pareciam incapazes de converter novos membros. Sua sanidade estava completamente destruída. Falavam de forma incompreensível, com lógica quebrada, e embora sempre recitassem ‘verdades’ sobre o Subespaço quando apareciam, nenhum ser racional era influenciado por aquilo. Os poucos que poderiam ser… já estariam contaminados demais para se manterem humanos. Em outras palavras:

    A expansão desse culto por ‘pregação’ era teoricamente impossível.

    Por fim, havia o aspecto mais notável — sua impressionante capacidade de desaparecer. Isso, Duncan já havia experimentado pessoalmente.

    Apesar de dizer que não sabia muito sobre os Pregadores do Fim, o Cabeça de Bode acabou entregando uma quantidade considerável de informação.

    “Então… um grupo de missionários tão insanos que já não consegue mais ‘pregar’…” murmurou Duncan, pensativo, passando a mão no queixo. “Mas de onde diabos surgiu o primeiro deles?”

    “Quem é que vai saber?” respondeu o Cabeça de Bode, com o pescoço rangendo. “Vai ver… brotaram direto do Subespaço, né?”

    Duncan não deu atenção à piada óbvia — um típico ‘humor de Subespaço’ vindo daquela cabeça esculpida.  Também não mencionou a teoria da existência não linear que ele mesmo vinha considerando. Aquilo ainda era cedo demais para ser dito em voz alta.

    Ele apenas refletia em silêncio: Se até eu, em meu primeiro contato com os Pregadores do Fim, fui capaz de formular essa hipótese… então o que saberão os guardiões e bispos das cidades-estado, que enfrentam os hereges há tanto tempo? Será que eles já formularam teorias mais completas para explicar as bizarrices daqueles fanáticos do Subespaço?

    “Capitão, o senhor parece estar muito interessado nesses tais Pregadores do Fim…” A voz do Cabeça de Bode cortou o silêncio de repente. “Raramente o vejo com uma expressão tão séria…”

    Duncan levantou os olhos e lançou um olhar calmo para a criatura.

    “Me diga… se a história de uma cidade-estado inteira for contaminada… ainda haveria salvação para ela?”

    A pergunta veio de forma inesperada.

    Serena e despreocupada, como se fosse apenas uma especulação acadêmica num momento de folga.

    O Cabeça de Bode pareceu hesitar por um instante — embora seu rosto rígido não demonstrasse expressão alguma. Só depois de dois ou três segundos ele respondeu:

    “Contaminação da história? Huh, isso é assunto de alto nível. Soa como algo que só o Subespaço seria capaz de fazer…”

    “O Subespaço é o único capaz disso?” Duncan arqueou uma sobrancelha. “Por que diz isso?”

    “Porque, além do Subespaço — esse troço que já é uma bagunça completa de tempo e causalidade — o que mais teria poder pra alterar a história de uma cidade inteira?” o Cabeça de Bode respondeu num tom despreocupado. “No mundo material não existe nada com esse tipo de influência… Bom, talvez tenha uma coisa que se compare, em termos de poder bruto — mas essa coisa está pendurada no céu…”

    Duncan sentiu o coração apertar.

    Causalidade e tempo distorcidos são parte essencial do Subespaço? Aquilo era algo novo — uma informação direta, clara e inédita.

    E junto a essa revelação, sua mente recordou uma cena passada… As palavras da Rainha de Geada naquele mundo ilusório:

    【Por favor, não contamine a história】

    Duncan franziu levemente a testa, contendo o turbilhão de pensamentos que começava a tomar forma, e voltou a encarar o Cabeça de Bode.

    Este, percebendo o olhar do capitão, calou-se de imediato — e, como se entendesse a gravidade daquilo, reagiu com uma pergunta sutil:

    Ah… então é por isso que o senhor começou a se interessar tanto pelos Pregadores do Fim? Eles…”

    “Eles provavelmente estão preparando algo grandioso”, murmurou Duncan, num tom sombrio. “E isso me deixa… inquieto.”

    Ele fitou os olhos da escultura — e ela o encarava de volta. Era como se se observassem mutuamente, mas sem qualquer troca de informação concreta.

    “Cada cidade tem seus próprios guardiões”, disse o Cabeça de Bode, “e ainda há aqueles Portadores da Chama, sempre atentos ao curso da história. Os Pregadores do Fim podem até causar alvoroço… mas não podem ameaçá-lo. Mesmo que consigam contaminar a história, não podem contaminar o senhor — nem o Banido…”

    Duncan ergueu as sobrancelhas: “Não podem nos contaminar?”

    “…Nós navegamos de volta a partir do Subespaço, capitão”, respondeu o Cabeça de Bode, com lentidão. “Tudo neste mundo pode ser contaminado— exceto o próprio Subespaço. E nós… já permanecemos tempo suficiente dentro dele.”

    Duncan franziu o cenho.

    Por algum motivo, certas palavras ditas pelos Pregadores do Fim começaram a ecoar novamente em sua mente.

    E então, em meio ao silêncio, ele murmurou baixinho:

    “A Arca Prometida…”

    Caso queira me apoiar de alguma forma, considere fazer uma doação

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota