Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    O Subespaço pode contaminar tudo que não seja ele mesmo — até mesmo a realidade e o próprio fluxo do tempo. No entanto, isso não parecia representar problema algum para o Banido.

    Afinal, de certo ponto de vista, essa embarcação já fazia parte do Subespaço — na verdade, até hoje seu casco ainda navegava dentro daquela dimensão.

    Você não pode enlouquecer alguém cuja sanidade já está reduzida a zero, tampouco pode contaminar o Banido, que já foi completamente transformado pelo Subespaço.

    Ao ouvir as palavras da cabeça de Cabeça de Bode, Duncan assumiu uma expressão pensativa, mas não refletiu por muito tempo, pois a voz do bode voltou a soar sobre a mesa de navegação:

    “Capitão, o senhor começou a se interessar por assuntos dentro dos domínios da civilização… até pouco tempo atrás, sua atenção estava voltada exclusivamente para além das fronteiras. Será que há algo nas cidades-estado que tenha um significado especial para o senhor?”

    Para além das fronteiras?

    O coração de Duncan estremeceu levemente, embora sua expressão permanecesse inalterada. Limitou-se a responder com indiferença:

    “É apenas uma curiosidade. Não preciso de um motivo.”

    “Ah, tudo bem, o senhor é o capitão. Se diz que é isso, então é isso”, respondeu prontamente o Cabeça de Bode. Em seguida, ele silenciou por dois segundos — parecia hesitar ou refletir sobre algo — até que falou em tom baixo: “Então, só por precaução, eu gostaria de lhe fazer uma pergunta.”

    Duncan arqueou levemente a sobrancelha.

    Ouviu a voz rouca e grave surgir do interior da escultura: “Nome?”

    “Duncan Abnomar.” Duncan respondeu sem emoção, entrelaçando levemente os dedos das duas mãos. Mas desta vez, ao pronunciar esse nome, ele de repente sorriu — e logo devolveu a pergunta:

    “Na verdade, estou curioso… e se eu dissesse outro nome?”

    Foi a primeira vez que ele fez essa pergunta — e, até então, seu gesto mais ousado. Era um passo além, fruto da vida a bordo, das múltiplas interações com o Cabeça de Bode e do crescente entendimento sobre seus próprios poderes e particularidades.

    Essa troca de perguntas revelava uma verdade silenciosa que ambos já sabiam, ainda que nunca tivessem dito em voz alta. E após essa pergunta, o Cabeça de Bode mergulhou em um longo silêncio. Passou-se um minuto inteiro antes que sua voz rouca soasse novamente na cabine do capitão:

    “Então, por favor, não brinque assim comigo, Capitão. O Banido ainda precisa do senhor no leme.”

    Duncan riu.

    Era exatamente como ele imaginava: se o Cabeça de Bode havia sido o imediato do ‘Capitão Duncan’ durante o último século, então provavelmente ele conhecia o capitão fantasma melhor do que o próprio Duncan conhecia a si mesmo. Considerando a existência de tantos artefatos e fenômenos extraordinários neste mundo, será que um imediato que compreende tão bem seu capitão não perceberia alguma mudança? Será que não cogitaria hipóteses sobre o que poderia ter acontecido?

    Mesmo o disfarce mais cauteloso possui falhas — e essas falhas ficam mais evidentes com o passar do tempo. Mas ninguém havia comentado sobre essas falhas. Isso significava que o grau atual do disfarce era apropriado… e necessário.

    O Banido precisava de um capitão. O nome desse capitão era ‘Duncan Abnomar’. O que havia por trás desse nome não importava — tampouco importava se ele era ou não o verdadeiro capitão. Desde que houvesse alguém qualificado para assumir o leme, era o suficiente.

    Duncan só estava curioso quanto ao motivo de ser ele o escolhido — e se sua atual ‘vontade própria’ era ou não um acidente fora do plano original. Afinal, com base no que sabia sobre navios amaldiçoados, se uma embarcação dessas precisasse ‘recrutar’ constantemente alguém para ser capitão, o escolhido deveria estar sob maldição ou controle — e ele, claramente, não estava sob nenhuma amarra.

    Mas ele não verbalizou essas questões, pois a atitude da Cabeça de Bode já lhe dizia, de forma sutil…

    Há coisas que todos sabem, mas que não precisam ser ditas em voz alta.

    Até que todos os segredos por trás do Banido fossem revelados, aquele assunto podia ser encerrado por ali.

    “Você ainda precisa de seu leal imediato para lhe servir, e o Banido ainda precisa de seu grande capitão no leme. Não acha?” A voz do Cabeça de Cabeça de Bode soou ao lado, com um tom que trazia certa expectativa, talvez até ansiedade.

    Duncan virou-se e encarou aqueles olhos entalhados em obsidiana.

    “Claro”,  respondeu com um leve sorriso.

    Em seguida, levantou-se e caminhou até a porta da cabine do capitão:

    “Preciso sair um instante. Cuide bem do navio.”

    O Cabeça de Bode já havia retomado seu habitual tom bajulador, agora soando animado:
    “É claro! Seu fiel imediato e todo o restante… aguardaremos ansiosos por seu retorno, desejo-lhe uma jorn—”

    Duncan já havia empurrado a porta e saído, encerrando a fala do Cabeça de Bode do lado de dentro.

    Ele se postou na popa do navio, soltando um leve suspiro. Uma estranha sensação de leveza emergiu de seu coração. A luz da manhã escorria pelo mar, banhando todo o convés em um calor aconchegante, enquanto a porta da cabine atrás dele permanecia em silêncio. No alto da moldura, as letras ‘Porta dos Exilados1’ cintilavam sob o sol.

    〖The door of Banished〗

    Ele pousou a mão na maçaneta e a empurrou suavemente.

    Na cabine do capitão, o Cabeça de Bode percebeu que o capitão havia deixado temporariamente o Banido.

    Silêncio.

    Todo o cômodo mergulhou em silêncio. A embarcação inteira se calou. Mas, minutos depois, um rangido grave ecoou debaixo do assoalho, seguido por leves tremores nos móveis da sala, que começaram a emitir ruídos discretos.

    A voz do Cabeça de Bode, resmungando para si mesmo, rompeu o silêncio:

    “Vixxi… ele não ficou bravo, né? Não ficou bravo, com certeza… Ai meu santo farol, diz que ele não ficou bravo mesmo…”

    Os sons sutis pelo cômodo ficaram mais evidentes.

    “Eu sei, eu sei… não sou eu quem insiste em perguntar o nome de tempos em tempos! É só por segurança da navegação! E se a gente cair no Subespaço de novo, pelo menos tá todo mundo preparado, não é? Ei, ei, chega de murmurar, tô todo atrapalhado aqui… Então por que vocês não perguntam da próxima vez? Ah, não querem? Então fiquem quietos… também, né, o único que tem boca aqui sou eu mesmo…

    “Aquela boneca? Vocês tão doidos? O que ela ia saber das coisas… espera aí, desde quando vocês ficaram tão amiguinhos dela? Não viviam brigando?

    “O quê, ficaram com pena de tanto bater nela? Agora bateu o remorso? Dá pra ser assim também?

    “Tá, tá, chega. Cada um pro seu canto, foco na viagem. O capitão pode voltar a qualquer momento, vai que ele resolve perguntar sobre o andamento do trajeto…

    “E você, âncora, não quer aprender a nadar não? Se balançar com força já dava uma forcinha no impulso. Vi uns navios a vapor com hélice parecida… Tá bom, esquece, finge que não falei nada…

    “E os botes salva-vidas? Não querem pular na água e puxar a gente, não? Ok, ok… também finge que não falei isso…”

    Os diversos sons dentro da cabine do capitão aos poucos se acalmaram.

    O Cabeça de Bode soltou um suspiro silencioso e voltou a conduzir silenciosamente a imensa embarcação fantasma na direção da cidade-estado de Pland.

    No mapa náutico envolto em névoa, o ponto cintilante que indicava a cidade-estado se aproximava, pouco a pouco.


    Zhou Ming empurrou a porta do pequeno apartamento de solteiro e deu um passo em direção ao mundo que lhe era familiar.

    Lá fora, a névoa ainda dominava a paisagem. Aquele mundo que ele conhecia resumia-se apenas àquele espaço limitado e próximo.

    O interior do cômodo permanecia exatamente como ele havia deixado. Os cobertores na cama estavam um pouco bagunçados, o livro sobre o criado-mudo seguia aberto, e a tela do computador no canto da sala piscava uma tênue luz — o alerta ‘sem conexão com a rede’ aparecia repetidamente no canto inferior direito.

    Zhou Ming respirou fundo e caminhou tranquilamente até a estante no fundo do quarto.

    O modelo em miniatura do Banido ainda repousava imóvel em seu compartimento, no mesmo lugar em que ele o deixara da última vez.

    Zhou Ming pegou aquele modelo incrivelmente detalhado do navio fantasma e abriu a portinha da cabine do capitão, espiando lá dentro.

    A mesa de navegação seguia vazia — o Cabeça de Bode não estava à vista.

    Após refletir por alguns instantes, Zhou Ming recolocou o Banido em seu lugar. Então virou-se e foi até a escrivaninha, pretendendo sentar-se para descansar um pouco e, ao mesmo tempo, organizar as informações já obtidas — e também seus próprios pensamentos — naquele ambiente familiar e silencioso.

    Mas, de repente, algo sobre a mesa chamou sua atenção.

    Para ser exato, não era bem um “objeto”, mas sim um estranho… fenômeno.

    Chamas diminutas, quase imperceptíveis, saltitavam sobre a superfície vazia da mesa — pequenas fagulhas que cintilavam continuamente. E, sob a luz fraca e esverdeada dessas chamas, começavam a surgir traços e contornos vagos no ar.

    Era como se algo estivesse tentando se materializar sobre a mesa, mas esse ‘algo’ estivesse travado, preso no limiar de sua formação.

    Zhou Ming sentou-se diante da escrivaninha e observou silenciosamente as chamas dançantes e as formas que aos poucos se delineavam sob elas. A luz esverdeada refletia em seu rosto, tornando sua expressão magra gradativamente mais séria.

    Ele reconheceu algumas daquelas formas delineadas pelas chamas tremeluzentes — eram regiões familiares de Pland!

    Conseguia até distinguir certos detalhes da costa da cidade-estado.

    O fogo estava se espalhando. E Zhou Ming ainda se lembrava da ordem que havia dado àquela chama: perseguir e caçar as ‘coisas’ que usavam guarda-chuvas pretos.

    Agora, a chama quase havia se espalhado por todos os cantos da cidade-estado.

    As presas… estavam por toda parte?!

    As sobrancelhas de Zhou Ming se franziram lentamente. Com um olhar atento, ele seguia e analisava o rastro de propagação das chamas, tentando entender o padrão de aglomeração, deduzindo para onde convergiriam em seguida — como um caçador, farejando o rastro de sua presa.

    1. Esse é o texto que aparece no capítulo 3 como’ Porta dos Perdidos’, eu alterei lá para corresponder ao nome correto.[]
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