Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 194: Transmissão
Vanna retornou mais uma vez ao Arquivo.
Apesar de nem ela mesma saber exatamente por que havia voltado ali, uma estranha sensação de desconforto e perigo — como uma sombra invisível que a perseguia — a fazia relembrar, instintivamente, cada detalhe de sua busca anterior por documentos naquele lugar. E, o tempo todo, sentia que havia esquecido algo.
É claro que havia também outro motivo para ter voltado ao Arquivo: afinal, no momento, ela não tinha realmente para onde mais ir.
Devido ao vínculo cada vez mais forte com o Banido, ela agora estava sob vigilância constante — ainda continuava sendo Inquisidora da cidade-estado de Pland, mas apenas porque ninguém podia substituí-la em suas funções naquele momento. Por isso, salvo quando absolutamente necessário, era obrigada a permanecer na catedral.
O encontro com o ‘Capitão Duncan’ no sonho deixara-lhe uma ansiedade constante. As pistas encontradas naquela pequena capela do Sexto Distrito também a inquietavam. Dentro do silêncio sagrado do Arquivo, ela conseguia ao menos se afastar por um instante dos olhares e interferências ao redor, e respirar um pouco em paz.
Seus passos ecoavam pelo salão vazio. Fileiras e mais fileiras de estantes colossais se erguiam até o teto como gigantes imóveis, enquanto os antigos pergaminhos dormiam em silêncio, observando do alto a jovem Inquisidora que passava pelos corredores.
Vanna ergueu o olhar, acompanhando o caminho que as estantes traçavam à sua frente. Revivia mentalmente sua busca anterior por informações. Um sacerdote de meia-idade, responsável pela manutenção do arquivo, a acompanhava a poucos passos de distância, carregando uma lanterna cuja luz morna e suave se espalhava ao redor.
Ela havia entrado no Arquivo, consultado os registros de 1889, identificado indícios suspeitos de sacrifícios heréticos, usado isso como base para ampliar a investigação, encontrado registros que conectavam os rituais heréticos ao mesmo período… e, por fim, percebido a ausência anômala dos arquivos referentes ao ano de 1885…
Essas lembranças desfilavam repetidamente por sua mente. Vanna já nem sabia quantas vezes havia repassado essa sequência de eventos. E agora, mais do que nunca, elas pareciam cristalinas e impecáveis — sem falhas, sem distorções, sem buracos.
Mesmo assim, suas sobrancelhas se contraíram.
A jovem Inquisidora parou de repente. O sacerdote de meia-idade, logo atrás, também deteve os passos.
“Senhora Inquisidora?” chamou ele, de forma respeitosa.
Algo não estava certo. Havia algo estranho… Ela tinha certeza de que, naquela ocasião, não estivera sozinha ao investigar os arquivos. Alguém a acompanhava — com certeza havia outra pessoa… mas quem?
Vanna não parecia ouvir a voz atrás de si. Franziu ainda mais a testa e mergulhou nos pensamentos. Lembrou-se da pequena capela no Sexto Distrito… e da freira que morrera em combate em 1885 — aquela igreja havia desaparecido por completo da memória coletiva, até mesmo o Bispo Valentine havia se esquecido dela ao longo dos anos. Aquilo era terrivelmente familiar…
Ela também estava passando por um “esquecimento” semelhante. Todos ao redor haviam esquecido a mesma coisa, então nenhum deles era capaz de notar o vazio na memória, tampouco de alertá-la… Mas o que exatamente havia sido esquecido? E desde quando?
“Senhora Inquisidora?” repetiu o sacerdote com mais firmeza.
Vanna sentiu o poder da tempestade se acumulando — o homem havia movido discretamente a mão até a cintura.
“Há quanto tempo trabalha como responsável aqui?” perguntou Vanna de repente.
A força da tempestade se dissipou. O sacerdote recuou a mão e inclinou a cabeça com leveza:
“Há sete anos — desde que me aposentei, estou neste posto.”
“Mas você não é o único administrador aqui, certo?” ela continuou.
“Há dois de nós. E há também uma senhora mais velha do que eu, que fica de plantão à noite. Ela também se aposentou das forças de guardiões.”
Vanna falava como se fosse uma conversa casual, andando lentamente entre as estantes enquanto comentava:
“Dois apenas… conseguem dar conta de tudo?”
“Conseguimos sim. Na verdade, o trabalho do administrador do Arquivo não é tão pesado assim. Há patrulhas visíveis e ocultas cuidando da segurança, e os servos e acólitos novatos ficam encarregados do transporte e organização dos documentos. Nós só lidamos pessoalmente com o registro e a consulta dos arquivos — e, sinceramente, a maior parte do material aqui entra e nunca mais é movimentada. Por isso, o volume de trabalho é bem reduzido.” O sacerdote de meia-idade explicava com seriedade: “Mas, justamente por isso, é uma função que exige alguém com firmeza de espírito e muita experiência. Mesmo que o trabalho não seja pesado, é essencial.”
Ao dizer isso, ele fez uma breve pausa e acrescentou: “Claro, com apenas dois de nós, em caso de emergência a coisa complica. Sempre achei que o ideal seria ter mais uma pessoa — um rodízio de três seria bem mais razoável.”
“Revezamento entre três…” Vanna repetiu em voz baixa, como se falasse consigo mesma. Em seguida, perguntou: “Os arquivos de 1885 ainda não foram localizados?”
“Não, ainda não.” O sacerdote balançou a cabeça. “Desde que a senhora mencionou essa anomalia, organizamos uma força-tarefa para examinar todo o Arquivo. Foram mobilizados mais de cem servos e acólitos. Mas não encontramos nada.”
Vanna assentiu levemente e ficou em silêncio. Permaneceu ali, diante de uma das estantes, mergulhada em seus pensamentos — e seu silêncio deixou o sacerdote ainda mais tenso.
Percebendo a inquietação dele, Vanna sorriu e balançou a cabeça: “Não precisa se preocupar tanto assim. Eu só encontrei aquele capitão fantasma uma vez. Ainda não estou fora de mim, e, além disso, o Arquivo está cercado de olhos e dispositivos de detecção por todos os lados. Se eu notar qualquer anomalia, vou alertar imediatamente — ainda sei bem como fazer meu trabalho.”
“Peço perdão”, suspirou o sacerdote. “Já vi colegas demais desaparecerem deste mundo por um único momento de descuido.”
Vanna não respondeu. Seu olhar se voltou para o fim da estante — o local onde os administradores do Arquivo costumavam ficar. Ela havia dado uma volta completa pelos corredores altos, e agora retornava para perto da entrada.
Por um instante, teve a impressão de ver uma silhueta curvada sentada ali.
A jovem Inquisidora arregalou os olhos de repente.
A figura sumira.
O sacerdote percebeu a reação: “Senhora Inquisidora, viu alguma coisa?”
“Talvez tenha sido engano… não, vamos até lá.”
Vanna respondeu rapidamente e, sem esperar por qualquer reação do outro, avançou a passos largos. A cada passo, acelerava o ritmo, até praticamente correr até a grande mesa em forma de arco. Parou diante dela, observando com atenção o móvel — uma mesa repleta de mecanismos ocultos e complexos.
Não havia ninguém ao lado da mesa. Os poucos objetos sobre ela estavam completamente à vista.
Vanna contornou o móvel, examinando tudo de cima a baixo com atenção.
Pelo canto do olho, algo chamou sua atenção — algumas pequenas peças metálicas espalhadas, largadas de forma descuidada atrás de um painel lateral da mesa. Já estavam enferrujadas, como se tivessem sido abandonadas há incontáveis anos. Pelo formato, pareciam ser partes de um cubo mecânico.
E por alguma razão, no instante em que viu aquelas peças, Vanna teve a nítida impressão de sentir um odor estranho… uma mistura de incenso, óleo mecânico e o cheiro acre de algo queimado.
O sacerdote de meia-idade, com a lanterna em mãos, se aproximou também. Seguiu o olhar de Vanna e comentou, intrigado: “Essas peças… quem teria deixado isso aqui?”
“Há marcas sobre a mesa”, disse Vanna, já notando outros sinais próximos às peças. À primeira vista, pareciam apenas manchas de óleo. Mas, observando melhor, era possível notar que formavam um desenho — como se tivessem sido traçadas com alguma intenção.
Seu coração batia acelerado. Um zumbido agudo parecia ressoar dentro de sua mente, os cantos de sua visão começavam a tremer. Entre as luzes trêmulas que dançavam no campo visual, chamas pareciam se acender e pular de um lado a outro. Mas, ao invés de desespero, aquilo a encheu de uma estranha empolgação — sua sensibilidade espiritual pulsava. Ela estava tocando rastros do sobrenatural. A pista que buscava… estava mesmo aqui, neste Arquivo!
Sussurrando em pensamento o nome da Deusa da Tempestade, Gomona, Vanna estendeu a mão para o lado: “Deixe-me usar a lanterna.”
O sacerdote entregou de imediato a lanterna ritual — protegida por runas, alimentada por óleo sagrado: “Aqui.”
Vanna a segurou com cuidado, aproximando a luz da área manchada sobre a mesa. Quando a iluminação tocou a superfície, uma tênue névoa, como poeira suspensa no ar, apareceu e logo desapareceu. E no limiar entre sombra e claridade criado pela chama, Vanna finalmente viu com clareza a suposta ‘mancha’.
Era sangue escuro — um vermelho profundo e apagado. Como se uma pessoa à beira da morte tivesse usado os próprios dedos trêmulos para desenhar algo ali com o próprio sangue. A figura lembrava uma fogueira… e, bem no centro da fogueira, erguia-se uma coluna cilíndrica.
Não era nenhum símbolo sagrado da Igreja do Mar Profundo. Não era nenhuma bênção da Deusa Gomona.
E ainda assim… Vanna reconheceu o símbolo.
Era o emblema dos Portadores da Chama.
Portadores da Chama?! Por que um símbolo da Igreja dos Portadores da Chama estaria dentro de uma catedral da Igreja do Mar Profundo?!
A mente de Vanna se encheu de dúvidas. Embora os Quatro Grandes Deuses compartilhassem uma aliança, com colaboração entre suas igrejas, os símbolos sagrados de cada uma das doutrinas — esses marcadores identitários tão fortes — não costumavam aparecer nos santuários das outras. Cada fé tinha seu espaço, e esse tipo de sobreposição nunca acontecia… então por quê? Por que o emblema dos Portadores da Chama estaria ali?
Portadores da Chama… Capela do Sexto Distrito… Pessoas esquecidas… Fatos esquecidos… Uma outra Pland oculta sob a realidade…
A respiração de Vanna acelerou. Naquele instante, ela finalmente entendeu.
Aquele símbolo era um aviso. Uma mensagem deixada por um guardião esquecido, no campo de batalha onde lutou sozinho, para alertar o mundo real.
“Alguém está corrompendo a história!”
A jovem Inquisidora gritou de repente, virando-se bruscamente para o sacerdote que a acompanhava.
O Arquivo estava vazio.
Como se, desde o início… ela estivesse sozinha ali.
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