Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 195: Desaparecimento
“Clang.” O garfo de prata escorregou da mão de Dante Wayne e caiu no prato.
O som metálico ressoou agudo no salão de jantar um tanto vazio, assustando a criada que estava de prontidão ao lado. Ela se adiantou, aflita: “Senhor Dante?”
Dante não respondeu. O governante da cidade-estado continuava paralisado, como se sua alma tivesse abandonado o corpo por um instante. Só depois de um bom tempo ele piscou subitamente, como se sua consciência emergisse de um afogamento, voltando à tona em meio a uma explosão de ruídos vindos do mundo real. Ele arfou e ouviu novamente a voz da criada: “Senhor Dante, o senhor está bem?”
Dante Wayne olhou fixamente para o garfo caído no prato. Estendeu lentamente a mão para pegá-lo, percebendo que estava tremendo bastante. Em sua mente, incontáveis lembranças embaralhadas se cruzavam e se sobrepunham. Sentia uma dor quente e intensa ao redor da órbita ocular, como se a rubi que lhe servia de olho postiço estivesse prestes a incendiar.
De repente, ele virou o rosto. Antes que a criada falasse pela terceira vez, rompeu o silêncio com voz grave: “Vanna mandou alguma notícia por alguém?”
A criada hesitou, olhando confusa para o respeitado senhor que tinha diante de si: “…Vanna? Quem é?”
No instante seguinte, a expressão de Dante Wayne se fechou de maneira tão abrupta que a criada se assustou.
Seu rosto empalideceu, o ar ao redor pareceu ficar mais pesado. Ficou alguns segundos em silêncio, visivelmente contido. No fim, ergueu a mão, tentando manter a calma: “Pode sair por agora. Não entre de novo por enquanto.”
Ainda desconfiada e um tanto nervosa, a criada se retirou. O salão de jantar mergulhou em silêncio. Dante Wayne permaneceu sentado à cabeceira da longa mesa – sozinho.
Como se nos últimos onze anos ele sempre tivesse estado assim: solitário à mesa, solitário nos hábitos dentro daquela vasta mansão silenciosa.
As memórias confusas e sobrepostas continuavam a percorrer sua mente, como se realidades de diferentes dimensões tentassem reescrever seus próprios registros. Mas Dante apenas se manteve sentado, deixando-se invadir por essas sobreposições. Sussurrava, como num sonho: “Vanna ainda está viva… Vanna ainda está viva…”
De repente, levantou a cabeça.
Na outra extremidade da mesa, havia uma figura — surgida sabe-se lá quando.
Era ele mesmo — ou, ao menos, parecia ser.
Uma entidade de tons acinzentados, vestida com a mesma roupa de Dante Wayne, com o mesmo rosto e penteado, até as mesmas rugas nas costas das mãos. Contudo, seus traços eram vagamente desfocados, e os olhos… não passavam de buracos vazios e fundos, cheios de vazio e estranheza.
Dante fitava silenciosamente aquele ‘eu’ acinzentado do outro lado da mesa. O reflexo cinzento também ergueu o olhar, devolvendo o mesmo silêncio. Depois de um longo tempo, o ser acinzentado finalmente abriu um sorriso sem som, seus olhos ocos refletindo uma torrente de luzes e sombras distorcidas.
Aquilo abriu a boca. A pele do rosto se movia com os lábios, rachando e se recompondo conforme falava: “Ah… enfim seu coração apresentou uma falha, senhor ‘eu mesmo’.”
Dante Wayne interrompeu o sussurro repetitivo. Fixou o olhar, firme e feroz, sobre a figura sentada à sua frente — aquele ‘reflexo’ que era uma cópia distorcida de si mesmo: “O que vocês fizeram?”
“Pra ser sincero, nem eu sei direito. Simplesmente… aconteceu. A surpresa veio rápido demais. Uma falha resolveu se apagar sozinha”, respondeu a criatura do outro lado da mesa, balançando a cabeça. “Mas… não é isso que você sempre quis ver? Não precisa mais carregar o peso da verdade, nem se preocupar com responsabilidades ou com o futuro… Tudo está voltando ao seu devido lugar. E a libertação eterna, a paz verdadeira, está esperando por todos — como foi prometido a você, tantos anos atrás. Todos terão seus desejos realizados…”
Enquanto falava, a criatura se levantou lentamente, com um sorriso torto e rachado no rosto: “Eu conheço bem o que há dentro de você… tão bem quanto conheço a mim mesmo…”
Dante Wayne também se levantou, devagar. Não havia armas no salão de jantar — mas ele nunca ficava totalmente desarmado. Sempre carregava consigo uma adaga curta. Agora, empunhava essa única lâmina com força, mantendo os olhos fixos naquela figura acinzentada: “Só um vazio… uma sombra oca… E ainda se acha capaz de entender o coração humano?”
“Sou a alma refletida de você mesmo, moldada no Subespaço…” O reflexo cinzento abriu os braços, alheio à ameaça ou à repulsa nos olhos de Dante. “O Subespaço conhece tudo… até a mente frágil e risível dos homens. Vamos lá, me mate — e então me veja de novo. Já faz um bom tempo desde a última vez que brincamos desse jo—”
A fala da sombra foi abruptamente interrompida.
Dante Wayne encarou, surpreso, a outra extremidade da mesa. Uma chama verde havia surgido ali — de lugar nenhum — como um predador farejando sua presa. Ela se lançou contra a ilusão com fúria. A criatura tentou escapar, mas as chamas pareciam ignorar completamente as leis do espaço, se acendendo diretamente sobre ela e queimando com intensidade.
Gritos lancinantes e uivos sobrenaturais ecoaram juntos, agudos o bastante para estilhaçar todos os vidros do salão. Mas o som não se espalhou para fora — ficou preso naquele espaço. As ondas sonoras se sobrepunham, reverberando pelas paredes, cada vez mais distorcidas, mais aterrorizantes.
Dante Wayne observava atônito enquanto seu reflexo do Subespaço se retorcia no fogo, derretendo numa massa disforme e pulsante — como um óleo vivo. Mesmo em meio à combustão, ainda se ouviam gritos e rugidos vindos daquela substância grotesca. Entre maldições e berros, Dante conseguiu distinguir uma única palavra com algum significado:
“Banido!”
A palavra foi urrada com o último resquício de força daquele ‘óleo’.
Logo depois, até o óleo desapareceu, consumido por completo. Restaram apenas cinzas pálidas nas chamas verdes.
Dante Wayne continuava parado, inerte, encarando a cena. Então, de repente, uma dor lancinante e ardente percorreu todo o seu corpo.
A queima do reflexo do Subespaço agora repercutia em seu corpo real.
A adaga caiu no chão com um som seco, e o corpo ainda vigoroso do governante desabou logo em seguida. Dante se encolheu de dor, como se ele mesmo estivesse sendo consumido por chamas. A ardência tardia parecia dilacerar sua alma e sua mente, incendiando-o por dentro. E, no meio da alucinação das chamas que se erguiam ao seu redor, ele viu as labaredas verdes apenas rondando lentamente, como predadores avaliando a presa — mas sem intenção real de atacar.
Elas deram uma volta ao seu redor, pairaram um instante diante dele… e logo dispararam para outro lugar.
Dante teve a nítida impressão de que aquela chama cuspiu para o lado — como alguém que recusa uma comida de gosto ruim com desprezo.
Talvez, pensou, o tormento já estivesse começando a afetar sua lucidez.
No segundo seguinte, toda a dor sumiu tão abruptamente quanto surgira. Sua consciência, antes esticada até o limite, se soltou como uma mola comprimida — o alívio repentino foi brutal, e atingiu sua mente como um golpe final. Uma tontura avassaladora tomou conta de tudo. A visão escureceu. A percepção do mundo começou a se afastar rapidamente.
E, um instante antes de perder completamente a consciência, Dante ainda ouviu o som da porta sendo aberta, o grito da criada… e os passos apressados e desordenados de outras pessoas chegando.
Vanna observava com atenção o vazio do arquivo, tentando encontrar algum sinal do sacerdote de meia-idade.
Nos primeiros dois minutos, permaneceu imóvel. Não tentou sair, nem tocou em nenhum objeto visível.
Queria evitar cair numa ilusão e, ao tocar em algo contaminado, permitir uma invasão mental.
Somente depois de confirmar que tudo em sua visão era real e de reforçar a proteção da própria mente, ela se moveu até a parte de trás da mesa semicircular do arquivista e, decididamente, apertou um botão oculto sob o tampo.
Era o alarme.
O som estridente ecoou pelo arquivo vazio, ressoando sem obstáculos.
Vanna abaixou o olhar para a lanterna em sua mão.
O sacerdote tinha sumido, mas a lanterna que ele lhe emprestara continuava ali, irradiando um brilho suave e caloroso. Mesmo que o lugar não estivesse escuro, a chama sagrada do óleo ardente parecia afastar algo invisível, criando uma aura nebulosa ao redor.
Ela deu mais uma volta pela área de descanso do arquivista — e não encontrou vestígio algum do homem.
O alarme seguia tocando: agudo, incômodo, como se martelasse direto na mente.
Vanna retornou à mesa semicircular, pousando o olhar sobre o amontoado de peças e o símbolo desenhado com sangue.
O alarme continuava reverberando no vazio. Ninguém entrava.
A jovem Inquisidora então compreendeu, de súbito —
O desaparecido não era o sacerdote.
Era ela.
No exato instante em que essa ideia emergiu, Vanna percebeu uma mudança no ‘clima’ ao seu redor — como se uma cortina invisível tivesse sido arrancada, revelando uma dimensão sobreposta à realidade.
Seus olhos se arregalaram. Chamas infinitas haviam tomado o arquivo por completo.
No meio do inferno ardente, uma figura segurando um guarda-chuva preto apareceu diante dela — sem que se percebesse quando ou como surgira.
Era alta e magra, emanava uma aura distorcida e ameaçadora. Ergueu um braço em direção a Vanna. Uma voz rouca e grave ecoou de dentro do corpo: “Você…”
Ela ouviu apenas a primeira palavra. Na mesma hora, sacou das costas a enorme espada que exigiria dois braços de um homem comum só para levantá-la. Com uma mão empunhando a lâmina e a outra carregando a lanterna, lançou-se num salto de três metros com um golpe descendente:
“Herege!”
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