Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    Vanna, na verdade, não conseguiu identificar de imediato a figura que surgira à sua frente. O ser estava coberto por um longo sobretudo negro e protegido por um grande guarda-chuva preto. Além disso, sua própria consciência havia sido abalada pela súbita revelação além do véu da realidade, o que comprometeu, mesmo que brevemente, sua habitual acuidade.

    Mas quando aquela criatura abriu a boca, emitindo um som rouco e profundo; quando exalou seu fétido miasma profanador; quando revelou, ao erguer o braço, as feições corrompidas e poluídas de seu corpo — Vanna então reconheceu.

    Era um herege. Um herege do Sol.

    E isso tornava tudo mais simples — Vanna gostava de coisas simples.

    A pesada espada de liga metálica assobiava ameaçadoramente ao cortar o ar. A lanterna sagrada dissipava toda impureza ao redor. Vanna, com o corpo suspenso no ar como uma onda colossal, desceu como uma avalanche viva. E quando caiu, sua investida carregava a força total daquela massa — como se toneladas de pressão das águas do mar fossem canalizadas para um único golpe. O herege solar, ainda segurando o guarda-chuva, evidentemente não esperava uma ofensiva tão direta e decisiva. Perdeu a chance de se esquivar e, num ato desesperado, ergueu o guarda-chuva como escudo.

    E então foi partido ao meio — como um barco frágil esmagado por uma onda titânica.

    O resto daquele herético foi lançado em duas direções distintas, espalhando sangue e carne profanada pelo caminho. O guarda-chuva de liga especial também se partiu em dois, despencando ao chão em meio a ruídos metálicos. As extremidades quebradas do cabo e das hastes expeliam fagulhas azuladas, enquanto pequenos cristais embutidos em sua estrutura se fragmentavam, liberando partículas de luz que logo se dissipavam.

    Vanna esmagou os fragmentos caídos com um pisão, mas sua atenção já estava voltada para além — para os pedaços de carne que, surpreendentemente, começavam a se contorcer e a se regenerar, se reunindo com velocidade anormal. Não demorou muito para que a figura alta e esguia, envolta em sobretudo negro, reaparecesse no meio do mar de chamas. Agora, sem o guarda-chuva como proteção, sua forma verdadeira se mostrava com clareza diante de Vanna.

    A cabeça parecia uma flor de carne aberta em floração, e seu corpo era composto por inúmeros tentáculos entrelaçados. A ‘flor’ de carne emitiu um urro enfurecido e agudo, tão intenso que faria um humano comum desmaiar na hora.

    Mas Vanna sorriu.

    Regenerar não é o mesmo que ser invencível — aquela coisa estava enfraquecida. E sem o guarda-chuva, sofria.

    A jovem Inquisidora prendeu a lanterna no cinto, ajustou a empunhadura da espada com ambas as mãos e avançou com passos largos na direção do monstro. Porém, de repente, algo captado pelo canto do olho a fez parar. Uma pequena distorção nas chamas junto a uma estante chamou sua atenção.

    Sua experiência de batalha e o instinto de sobrevivência a fizeram recuar de imediato e girar o corpo. No segundo seguinte, um tentáculo irrompeu das chamas distorcidas, enrolado em um pedaço de chapa de aço incandescente — que foi arremessado contra ela como se fosse um projétil!

    Ao mesmo tempo, o herege solar recém-regenerado transformou-se numa sombra e investiu de lado, aproveitando o breve intervalo. Seu corpo se projetou entre luz e escuridão até ficar a poucos metros de Vanna. De suas mãos, dois chicotes de carne foram lançados como serpentes — um mirando seu pescoço, o outro as costas.

    Vanna clicou a língua com desgosto, girou o corpo e lançou sua espada como se fosse uma gigantesca lança. A arma voou com força brutal e acertou o inimigo com um estrondo ensurdecedor, pregando o corpo deformado do herege contra a parede a dezenas de metros dali.

    Ao mesmo tempo, a chapa de aço incandescente chegou até ela.

    Ela a interceptou com uma mão estendida.

    O ferro vermelho como brasa colidiu com algo intransponível — e parou. Onde seus dedos tocavam a lâmina incandescente, o calor fazia o metal chiar, retorcendo-o visivelmente, esmagado com a força de seus punhos.

    “Então são vocês que estão por trás disso.”

    Vanna parecia insensível à dor. Rasgou ao meio a chapa de aço incandescente com um movimento seco e a lançou para o lado. Logo em seguida, fez um gesto com a mão para trás — e a espada cravada no inimigo foi puxada por uma força invisível, arrastando junto o resquício da Prole do Sol que se contorcia e urrava, até retornar às mãos de sua dona.

    Com um giro brusco do braço direito, Vanna lançou o monstro cravado na lâmina de volta ao chão, como se estivesse descartando um fardo inútil. Sem sequer olhar para ele, virou-se e seguiu adiante, deixando para trás apenas uma frase:

    “Pode terminar de se regenerar aqui. Eu vou purificar seu comparsa.”

    Aquela massa contorcida de carne profanada — agora sem a proteção do guarda-chuva — soltava berros furiosos, amaldiçoando em uma linguagem abissal carregada de blasfêmia. Mas Vanna já havia calculado com precisão a velocidade de regeneração da criatura. Sabia que, depois de um golpe tão devastador e da perda da proteção anterior, ela levaria um bom tempo para se recompor. Ignorou-a completamente e avançou a passos largos em direção à estante em chamas — onde outro vulto emergia das labaredas.

    Era o segundo herege solar.

    Foi ele quem havia arremessado a chapa metálica.

    Ao ver a Inquisidora se aproximando, o vulto alto e magro soltou uma série de sussurros roucos e indistintos. Enquanto sua carne pegajosa se agitava com sons úmidos e repugnantes, diversos tentáculos começaram a se projetar de dentro de seu ‘sobretudo’.

    “Medo, raiva, confusão… então vocês também têm reações emocionais — e não são apenas fragmentos desprovidos de consciência, como muitos pensam.”

    Vanna continuou se aproximando, atenta a qualquer nova emboscada. Sua voz era calma e firme — ela não era de discursar muito, mas, diante dos murmúrios blasfemos de tais aberrações, a fala racional de uma serva da fé também se tornava uma arma poderosa.

    “Resquícios da Prole do Sol… Se vocês estão aqui, então pelo menos uma Prole original deve estar escondida por perto… Está nas profundezas do fogo? Fora da catedral? Ou será que está…”

    A criatura atacou.

    Uma sombra saltou de seu lado, lançando um tentáculo em direção ao pescoço de Vanna.

    Ela apenas inclinou ligeiramente o corpo, agarrou o apêndice repleto de espinhos com firmeza e, com um movimento seco do pulso, fez vibrar todo o tentáculo.

    “…naquele incêndio de 1889? Ou… na capela de 1885?”

    No instante seguinte, o tentáculo que segurava explodiu em uma nuvem de sangue. A onda de ruptura percorreu todo o membro até alcançar o corpo da criatura, e então — BOOM — um terço de seu corpo simplesmente se desfez numa explosão grotesca. A força foi tão intensa que a propagação da explosão só cessou ao consumir todo o caminho da conexão entre os dois.

    No momento seguinte, Vanna já havia disparado para trás da criatura. Sua espada se ergueu e, com um golpe lateral brutal — como se fosse um enorme bastão — acertou em cheio a lateral da criatura.

    BAM!

    O urro da aberração cessou abruptamente. Como um pedaço de carne podre, ela foi arremessada para longe, voando até cair bem ao lado do primeiro resquício da Prole do Sol.

    A essa altura, o primeiro monstro já estava prestes a concluir sua regeneração. A carne pulsante começava a reassumir sua forma alta e esguia, e o que parecia um sobretudo preto — na verdade, uma carapaça protetora mimetizada — voltava a se formar sobre seu corpo.

    Vanna chegou diante dos dois agressores, encarando-os de cima com um olhar inabalável.

    “Não sei por que o Sol Negro está metido na contaminação da história… Nem que tipo de surpresa o ‘corpo original’ de vocês preparou para mim. Mas tem uma coisa da qual eu tenho certeza..:

    “Eu vou lutar até o fim aqui. E vamos ver se vocês são mesmo infinitos como fingem ser — ou se é tudo fachada. Ou eu abro caminho na base da lâmina… Ou provo à Deusa minha fé e lealdade.”

    A gigantesca espada se ergueu. E então começou—

    Uma sequência meticulosa de cortes contínuos.

    O pensamento de Vanna era simples como sua natureza: As Proles do Sol têm incrível poder de regeneração, mas regenerar não é o mesmo que ser invencível. Se há gasto no processo, então há limite. Se há limite, há solução.

    Fatie bem fininho — se não funcionar, repita.


    Shirley abriu os olhos.

    O que viu foi um teto ainda pouco familiar e a luz do sol entrando suave pela janela ao lado.

    A cama sob seu corpo era incrivelmente confortável. O cobertor tinha um cheiro fresco e seco — algo quase impossível de encontrar no Distrito Inferior, onde canos velhos e esgotos entupidos cruzavam por baixo das vielas. Lá, o ar era sempre úmido e fedido. Um cobertor passado três dias ao sol ainda carregaria o cheiro do esgoto impregnado no algodão.

    Shirley permaneceu deitada, quieta. A sensação de conforto era tamanha que quase não teve coragem de se mexer. Mas, por fim, apoiou-se com as mãos e se sentou na cama, olhando ao redor.

    Nina já não estava no quarto. Pela luz da janela… devia ser quase meio-dia.

    “Cão…” Shirley chamou baixinho, “quanto tempo eu dormi?”

    A voz do Cão soou de imediato em sua mente: “Pelo menos umas dez… talvez onze horas. Você comeu, tomou banho e capotou. Dormiu feito pedra por mais de doze horas… Mas é normal, o gasto ontem foi grande.”

    Shirley ainda estava meio grogue. As memórias do dia anterior flutuavam na cabeça como ecos de um sonho. Levou um tempo até conseguir organizar tudo — distinguir o que foi real e o que foi delírio entre o sono e a febre.

    Então, olhou para um canto do quarto.

    Lá estava uma maletinha simples, repousando em silêncio.

    Ah… aquilo era tudo que ela tinha. Tudo que ela e o Cão tinham nos últimos dez anos.

    “Então a gente… realmente se mudou pra cá”, murmurou Shirley. “Cão… parece um sonho.”

    “Nem me fala, eu tô em pânico aqui… O senhor Duncan tá na cozinha fazendo comida, e eu tô me cagando de medo do que vai aparecer na mesa depois…”

    “Por que você tem tanta implicância com a comida daqui, hein? Já falou disso mil vezes…”

    “Pelo amor, não me faz reviver isso…”

    Shirley não conseguiu segurar e soltou uma risada.

    O sol de hoje estava lindo.

    Caso queira me apoiar de alguma forma, considere fazer uma doação

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