Capítulo 202: Resgate
Duncan olhou surpreso para o senhor Morris, que estava parado no primeiro andar, surpreso com seu estado deplorável e com a expressão claramente estranha em seu rosto.
Ele desceu lentamente, cumprimentando o velho erudito: “Boa tarde… Aconteceu alguma coisa? Você parece ter vindo correndo contra o vento e a chuva o caminho todo.”
“Se… Senhor Duncan.” Morris só então voltou a si. Por ora, deixou de lado aquela misteriosa dama loira e, enquanto tirava o chapéu completamente encharcado, caminhou para frente. “Preciso da sua ajuda… Não sei como explicar isso para você, nem sei se estaria disposto a intervir, mas… descobri que há Pregadores do Fim atuando na cidade. Eles mexeram na história de Pland, eu…”
O velho travou de repente.
Parecia ter se dado conta, de súbito, do quão impulsiva e imprudente era sua atitude de bater à porta pedindo ajuda. Percebeu que recorrer a uma entidade do Subespaço, cuja posição era incerta, era por si só algo carente de racionalidade — será que o senhor Duncan realmente se disporia a ajudar? Por que ele ajudaria? A sobrevivência da humanidade ou a preservação da cidade-estado significariam algo para ele? Os Pregadores do Fim representariam alguma ameaça aos seus interesses?
Teria agido assim apenas com base na atitude amistosa que essa entidade mostrou anteriormente? Ou foi porque, da última vez, o outro demonstrou certo interesse por determinados assuntos?
Morris ficou paralisado por um instante — e então viu Duncan assentir levemente com a cabeça.
“Eu sei.”
Aquelas estrelas desordenadas, o espelho despedaçado, o gigante de luz e sombra — envolto em corpo mortal, Duncan disse em tom sereno, ainda parado na escadaria.
“O senhor… sabe?” Morris ficou atônito, mas logo se deu conta, e sua expressão tornou-se ainda mais estranha. “Ah, claro… naturalmente o senhor não precisaria que eu o alertasse, eu…”
O velho atirou o chapéu para o lado, levantou a mão e bateu de leve na própria testa, como se tivesse cometido uma burrice, resmungando consigo mesmo: “Estou mesmo ficando senil… achei que o senhor não teria notado as anomalias na cidade. Então, com certeza, também sabe sobre a Vanna…”
Duncan imediatamente franziu ligeiramente o cenho: “Vanna? Aquela inquisidora da cidade-estado que é próxima da Heidi? O que aconteceu com ela?”
“A Vanna… ‘desapareceu’”, Morris hesitou por um instante, não esperando aquela reação de Duncan, mas respondeu instintivamente — e apressou-se em complementar: “Não estou dizendo que ela sumiu fisicamente, mas que, a partir de hoje, ela simplesmente desapareceu do mundo real. Heidi esqueceu da existência dela, os outros também não se lembram, até mesmo os jornais da cidade…”
Duncan desceu rapidamente as escadas. Já na metade da fala de Morris, percebeu que a situação era grave, e seu semblante havia se tornado sério: “Sente-se e conte com calma. Alice, prepare um chá quente — você ainda lembra como se faz, não é?”
“Sim, senhor Duncan.”
Morris viu a misteriosa dama loira de aura elegante e enigmática levantar-se de imediato ao ouvir o comando de Duncan. Notou também que cada movimento da tal ‘senhorita Alice’ tinha algo de estranho — seus gestos eram contidos, pequenos, envoltos por uma estranha cautela e moderação, lembrando os modos refinados de nobres antigos com longa tradição familiar. Isso só aumentou a curiosidade sobre sua identidade.
Mas sua curiosidade cedeu espaço à urgência da situação.
Ao se sentar junto ao balcão, passou a relatar ao ‘proprietário da loja de antiguidades’ todas as anomalias que havia percebido, bem como os obstáculos que enfrentou no caminho até ali.
Duncan ouviu tudo com atenção e seriedade, sem interromper em momento algum. Só quando o outro terminou, ele murmurou como quem comenta para si: “Pregadores do Fim, hein… São mesmo um bando problemático.”
“Esses lunáticos que se exilaram para fora da dimensão real já nos tempos antigos… sempre aparecem de repente nas fendas do tempo. Eles se dedicam a destruir a continuidade da história e representam uma ameaça imensa à estabilidade do mundo real…”, disse Morris, com a voz carregada. “Mas é raro conseguirem causar um impacto tão grande. Normalmente, a proteção dos deuses impede que os Pregadores do Fim penetrem em nosso mundo, e os Portadores da Chama também fortalecem constantemente as ‘barreiras da história’. Desta vez, com certeza, esses fanáticos usaram alguma outra força para romper o bloqueio…”
“Senhor, seu chá.” Alice se aproximou, colocando a xícara fumegante sobre o balcão.
“Obrigado”, disse Morris depressa. Depois de enfrentar vento e chuva, de fato precisava aquecer o corpo — mas ao tomar um gole, não conseguiu conter-se: “Puft—!”
Diante dele, Duncan comentou com uma expressão impassível: “Quebre o galho e tome mesmo assim. Pelo menos ela encontrou onde estavam as folhas de chá, ainda que a quantidade usada… seja discutível.”
Morris, espantado, virou-se para encarar a enigmática senhorita Alice — e viu que ela já estava encostada na escada, com o olhar completamente perdido, como se estivesse em outro mundo.
…Quem afinal era essa mulher misteriosa?
Duncan, por sua vez, continuava a mastigar folhas de chá com tranquilidade, enquanto confirmava algo dentro de si.
Afinal, os indivíduos sobrenaturais deste mundo já haviam percebido a natureza não linear dos Pregadores do Fim, e até desenvolveram contramedidas específicas para lidar com isso.
Mas, ao que tudo indicava, tais contramedidas nem sempre funcionavam.
Fechou os olhos levemente e, na escuridão de sua visão, uma chama verde distante saltou subitamente em sua percepção.
Morris, curioso, observou Duncan de olhos fechados, aparentemente em transe: “Senhor Duncan, você está…?”
“Não se preocupe. Vanna ainda está viva.” Duncan abriu os olhos, com expressão calma. “Apenas… viva fora da cidade-estado de Pland neste exato momento.”
“Você consegue confirmar a localização e o estado dela?” Morris arregalou os olhos em surpresa. Na verdade, viera principalmente para relatar a ‘poluição da história’, e mencionou o caso de Vanna apenas de passagem, afinal, do seu ponto de vista, Duncan e a inquisidora não tinham qualquer ligação — não esperava que o outro estivesse atento à situação dela.
“Estou observando-a. Ela é uma excelente inquisidora.” Duncan não deu maiores explicações, apenas assentiu levemente e, de súbito, levantou-se de trás do balcão: “Com licença.”
Morris levantou-se assustado: “O senhor vai aonde?”
Duncan já se dirigiu para a escada, mas parou ao ouvir a pergunta e olhou por cima do ombro: “Vou buscar a Vanna — e aproveitar para ver o que está acontecendo ‘do outro lado’.”
Ele então fez uma breve pausa, observando o estado encharcado e desgrenhado de Morris: “Quer subir, tomar um banho quente e trocar de roupa? Sou um pouco mais alto, mas minhas roupas devem servir em você.”
Tomar banho num ninho do Subespaço e vestir roupas de um deus profano?!
Nem os ‘Quatro Grandes Feitos do Erudito Insano’ ousariam incluir isso!
Morris sentiu um arrepio no couro cabeludo e sacudiu a cabeça depressa: “N-não, não precisa. Prefiro esperar aqui mesmo…”
“Como quiser.” Duncan assentiu e subiu as escadas.
Assim que chegou ao topo, deparou-se com Nina e Shirley esperando no patamar.
Shirley estava com uma expressão inquieta. Ao vê-lo, correu até ele: “Senhor Duncan, aconteceu… alguma coisa?”
“Por que pergunta?”
“É que nós… ouvimos barulho vindo do andar de baixo.” Shirley esfregou as mãos, cabisbaixa como se tivesse feito algo errado. “Na verdade, foi o Cão que ouviu primeiro… Ele disse que os Pregadores do Fim apareceram de novo, que houve uma tal de poluição histórica, e que uma pessoa chamada Vanna sumiu? Parecia alguém importante…”
Nina também olhava ansiosa, visivelmente mais confusa do que Shirley: “Tio… o que houve?”
“…Coisas pequenas”, disse Duncan, observando as duas jovens, que já começavam a pressentir o caos que se aproximava. Após breve hesitação, tentou tranquilizá-las: “Fiquem aqui e descansem. Se estiverem entediadas, podem descer e conversar com o senhor Morris. Vai ficar tudo bem.”
Shirley murmurou um ‘tá bom’, e Nina hesitou, até não conseguir mais segurar. Avançou e segurou a manga de Duncan: “Tio… eu… estou com um pouco de medo. Está tudo bem mesmo? E o senhor… vai fazer o quê?”
Duncan parou e fitou os olhos de Nina.
Como já havia notado antes, Nina era bastante sensível — ela não era alheia ao que acontecia. Apenas era boazinha demais.
Mas agora, as coisas já estavam um pouco além do que ela podia compreender com sua ‘maturidade’.
“Seu tio é, na verdade, alguém muito poderoso,” disse Duncan de repente, sorrindo enquanto pousava a mão sobre a cabeça dela. “Só que, por enquanto, ainda não posso te explicar… Fica com a Shirley um pouco. Quando tudo acabar, eu te conto o que houve.”
Mesmo com uma explicação tão breve, Nina se acalmou. Assentiu docemente, com voz baixa: “…Tá bom.”
As duas então desceram as escadas.
Duncan recolheu o sorriso do rosto e seguiu rapidamente para seu quarto — e logo convocou Ai, que estava no Banido devorando batatas fritas.
“Temos que encontrar uma pessoa”, disse Duncan com expressão séria assim que ela apareceu, nem dando tempo para a ave falar. “Missão importante. Quando voltarmos, dobro o ketchup.”
Ai saltou no mesmo instante: “Lealdade não se explica, lealdade não se mede!”
Duncan soltou um leve suspiro e, mais uma vez, mergulhou sua consciência, sentindo aquela chama distante que pulsava em seu campo sensorial.
Era a marca que deixou em Vanna.
O que estava acontecendo com ela foi um imprevisto — mas também trouxe um benefício inesperado.
Por meio de Vanna, ele percebeu algo mais — um eco das chamas que havia lançado durante o ‘sonho’ de Shirley!
Essas chamas surgiram brevemente na capela do Sexto Distrito e depois desapareceram com o fechamento do Véu. Duncan sabia que elas ainda se espalhavam, mas nunca conseguiu localizá-las com precisão. Agora, porém… conseguia senti-las com clareza. Conseguia sentir que estavam ao redor de Vanna!
Ainda que não entendesse exatamente como isso aconteceu, uma coisa era certa —
Vanna havia cruzado para o outro lado do Véu.
E agora, essa inquisidora poderosa, que carregava o ‘sinal’ de Duncan, tornou-se uma passagem para que ele interviesse no Véu.
“Caminhada pelo Plano Espiritual.”
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