Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 206: Combate de Encontro
Um couraçado de proa imponente singrava o mar vasto, envolto por uma névoa fria e tênue que ondulava num raio de centenas de metros ao redor da embarcação de aço — essa névoa parecia uma maldição herdada daquelas regiões gélidas do norte, que jamais abandonava o Névoa do Mar, mesmo agora, quando o navio navegava por águas relativamente mais quentes no cinturão central. O frio que pairava naquela bruma continuava denso e implacável.
No convés do couraçado, seis torres principais de artilharia tripla e dezenas de canhões secundários, grandes e pequenos, já estavam em estado de prontidão. Marinheiros mortos-vivos, exalando frio por todo o corpo, se moviam com pressa entre as instalações, preparando-se com seriedade para o possível confronto.
Nos andares inferiores do convés, os elevadores do paiol de munição operavam com estalos metálicos, enviando cargas de propelente e projéteis às câmaras intermediárias das torres de artilharia. Outros marinheiros manipulavam válvulas e centrais de controle, verificando o fluxo e a pressão do vapor sagrado e dos óleos consagrados distribuídos por toda a embarcação.
Na popa, uma pequena capela embarcada já havia acendido sua caldeira independente. Os tubos de vapor no topo da capela lançavam rajadas de névoa para o céu. Ao som do apito da capela, fragrâncias litúrgicas começaram a se misturar ao vapor, espalhando-se gradualmente por todo o convés.
No oratório da capela, um padre morto-vivo trajando um manto sombrio permanecia de pé, com expressão solene, acendendo incensos e velas diante da imagem sagrada da deusa. A pele do sacerdote era ressecada e pálida, seu corpo exibia sinais de extrema idade. Um lado de seu crânio estava afundado, e metade do corpo parecia estar perpetuamente encharcado, como se ainda estivesse submerso em águas profundas. Em seus olhos, os globos opacos escondiam duas nuvens negras girando lentamente, refletindo de forma difusa o tremular das chamas diante do altar.
À frente do sacerdote estava a estátua sagrada da Deusa da Tempestade, Gomona — a deusa que protege toda embarcação sobre o Mar Infinito, ainda que esta seja comandada por mortos. A base da estátua erguia-se sobre um enorme tubo principal, de onde diversos tubos menores se espalhavam como vasos sanguíneos por toda a capela. A parte inferior do pedestal se enterrava profundamente no casco do navio, atravessando compartimentos e estruturas até alcançar o porão de contenção — o cômodo mais profundo, escuro e gelado da embarcação, diretamente conectado ao Mar Infinito.
A capela embarcada, sua caldeira independente, e os tubos de vapor sagrado que atravessavam todos os conveses eram, desde a grande revolução tecnológica militar das cidades-estado em 1835, equipamentos padrão em qualquer couraçado destinado a longas missões e batalhas no Mar Infinito. Esses recursos serviam para prevenir surtos de contaminação mental em ambientes de combate extremo, e para evitar que tripulações inteiras, em colapso espiritual, fossem capturadas pelo Subespaço.
Sob certo ponto de vista, o marco inicial dessa revolução tecnológica de 1835 poderia ser traçado até trinta e cinco anos antes — até o ano 1800, com o incidente do Banido: a embarcação de exploração mais avançada da história humana, tripulada pelos exploradores mais brilhantes, que, ao fim de uma longa jornada, atravessou diretamente para o Subespaço. O acontecimento impactou profundamente todos os que acompanhavam os avanços da navegação.
O sacerdote desviou o olhar da estátua da deusa, mas não conseguiu evitar que pensamentos sobre o Banido e sobre aquela capela embarcada continuassem a aflorar em sua mente.
Sua mente fria e entorpecida, assim como o coração que não batia havia mais de meio século, agitavam-se com inquietação diante do que estava por vir.
“Que Vossa Graça nos proteja”, murmurou o sacerdote, abaixando a cabeça em oração reverente diante da deusa. “Iremos enfrentar as sombras do Subespaço frente a frente… por favor, testemunhe…”
Nesse instante, um sino elétrico soou ao lado, e uma pequena lâmpada começou a piscar diante da mesa de comunicação.
O sacerdote se aproximou do painel e abriu o tubo de cobre correspondente à luz acesa:
“Aqui é a capela… Sim, o óleo e o vapor estão em ordem. A bênção foi concedida.”
Na ponte de comando, Tyrian Abnomar, capitão do Névoa do Mar, permanecia em pé diante do assento do comandante, observando silenciosamente a aparentemente calma superfície do mar à distância.
Uma dor leve e persistente latejava em suas têmporas, enquanto sussurros graves e incômodos ecoavam em sua mente. Ao seu lado, repousava uma engenhosa máquina de bronze de estrutura intricada: engrenagens interligadas, diversos compassos delicados e arcos circulares se conectavam em movimentos sutis. No centro da estrutura, três colunas de cobre sustentavam uma pequena tigela semiesférica.
No momento, essa tigela continha um terço de seu volume preenchido por sangue fresco — e o líquido borbulhava como se estivesse em ebulição. Toda a máquina vibrava levemente, e os ajustes automáticos moviam engrenagens e compassos para alinhar os ponteiros que apontavam, inabalavelmente, para o horizonte.
O imediato Aiden aproximou-se e fez um leve aceno de cabeça para Tyrian: “Capitão, todas as unidades estão prontas. A capela acaba de confirmar: a deusa já concedeu sua bênção.”
“…O Banido está logo à frente”, disse Tyrian em voz baixa, como se falasse consigo mesmo. Lançou um olhar ao lado, para a máquina de bronze. “Acredito que ‘ele’ também já me sentiu.”
O olhar de Aiden pousou sobre a máquina — especialmente sobre o sangue borbulhante.
A voz grave do homem calvo e de pele pálida ressoou: “O bússola de sangue guia os que compartilham o mesmo sangue até se reencontrarem… mas esse artefato jamais trouxe sorte ou reunião feliz. Ele só aponta para o conflito e para a desgraça.”
“Combina perfeitamente com a ocasião”, disse Tyrian com frieza. Ao fundo de sua visão, um pequeno ponto escuro começava a se delinear no horizonte. “… Ele realmente veio. E está indo direto para Pland.”
“Já podemos abrir fogo”, Aiden não conseguiu evitar o lembrete. “Na verdade, poderíamos ter feito isso há pouco.”
“… Não. Continuem avançando. Precisamos entrar no alcance de tiro aproximado”, respondeu Tyrian com um leve movimento de cabeça. “Tentamos uma vez, há meio século. Ataques de longa distância jamais atingem o Banido. Aquela embarcação está sob alguma influência que distorce o espaço-tempo. Sua conexão com este mundo está fraturada e desalinhada.”
Aiden abaixou a cabeça respeitosamente: “…Sim, o Névoa do Mar continuará avançando.”
Duncan abaixou o monóculo que segurava e o prendeu de volta à cintura. Em seguida, voltou a apertar firmemente as mãos no leme.
Ele já tinha avistado o navio — o Névoa do Mar. O nome não mentia: ao redor da embarcação pairava uma camada de neblina gelada, tênue, mas intensa, que não parecia ser algo natural.
Mas o que realmente surpreendeu Duncan não foi a névoa gelada ao redor da embarcação — claramente ligada a algum tipo de fenômeno sobrenatural — e sim a postura da própria embarcação.
Era um navio de guerra de aço visivelmente moderno, com couraça espessa, chaminés altas, uma superestrutura imponente e bem planejada, além de plataformas de canhões múltiplos que mais pareciam as baterias principais de um couraçado.
Nada naquilo lembrava uma embarcação de cem anos atrás — e, mesmo se fosse resultado de uma reforma, era difícil imaginar como um navio à vela poderia ser transformado em algo assim.
Isso lhe trouxe à mente os rumores que ouvira durante suas investigações pela cidade-estado: lendas envolvendo o Névoa do Mar e o Brilho Estelar.
Como, por exemplo, as histórias que diziam que o navio de Tyrian se alimentava de metais do fundo do mar e dos destroços de inimigos vencidos, crescendo e se reformando sozinho, nas noites silenciosas em que ninguém o observava.
Agora, isso parecia bem plausível — era como tentar explicar por que um tanque modelo 59 de repente realizaria um salto de dobra estelar. Você só poderia concluir que o ‘espírito da máquina’ estava de bom humor…
Duncan balançou a cabeça, afastando os pensamentos absurdos.
O Névoa do Mar não demonstrava intenção de recuar. Na verdade, já havia assumido claramente uma postura de combate. O Banido também não tinha mais tempo para manobras evasivas — um confronto direto parecia inevitável.
Ele não entendia nada sobre batalhas navais, mas, em teoria, também não precisava se preocupar com isso. Os canhões do Banido sabiam se virar muito bem sozinhos.
Ainda assim… ele se sentia um pouco atordoado. No meio dessa confusão, havia algo de nervosismo… e até uma ponta de expectativa.
Tyrian Abnomar. Capitão do Névoa do Mar. Um dos dois filhos — no papel — do capitão Duncan.
Tecnicamente, ele agora ocupava o lugar do velho pirata… e isso o tornava, segundo a lógica desse mundo, o pai de Tyrian.
Nunca imaginou que encontraria com o Névoa do Mar nessas circunstâncias… Não era para aquele navio estar no Mar Gélido, ocupado com pilhagens e extorsões em águas frias e distantes? O que ele estava fazendo aqui?
Tyrian veio procurar o pai? Laços de sangue? Afeto paternal e filial? Impossível.
A história do capitão Duncan soava cada vez mais como um clássico exemplo de tragédia familiar.
“Capitão”, soou de repente a voz do Cabeça de Bode, um tanto… animada. “O Névoa do Mar está entrando em posição de tiro. Vamos ajustar nosso curso?”
Ajustar o curso — para minimizar a exposição ao disparo direto inimigo e entrar no melhor ângulo para usar a própria artilharia. Era claro que o Cabeça de Bode já se preparava para a batalha com entusiasmo.
Duncan ergueu uma sobrancelha. “Você está até que parecendo empolgado.”
“O Névoa do Mar é um ótimo adversário. Primeiro, porque ele não consegue nos vencer. Segundo, porque tem a ousadia de tentar”, disse o Cabeça de Bode, com uma voz quase divertida. “E terceiro… porque ele aguenta bastante porrada — é toda tripulada por mortos-vivos, e até o casco está meio contaminado com a ‘imortalidade’. Se o Banido quiser espreguiçar os ossos… não tem opção melhor.”
“…Resumindo, o garoto aguenta pancada, né?” Duncan murmurou sem pensar. E foi nesse momento que notou, pelo canto do olho, algumas massas de névoa surgindo no horizonte e se espalhando em torno do Névoa do Mar.
Alguns instantes depois, ele ouviu um apito agudo cortando o ar — o som claro e ameaçador de projéteis vindo do alto, com força impressionante, em direção à posição do Banido.
O Névoa do Mar havia atirado primeiro — como uma embarcação de guerra mais moderna, tinha vantagem de alcance. Mesmo que esperassem até a distância de tiro próximo, ela ainda podia disparar antes do Banido.
Duncan sentiu um aperto involuntário no peito. Logo depois, colunas gigantescas de água começaram a se erguer em sequência ao redor da embarcação. Cada disparo dos canhões principais, em escala de couraçado, tinha uma força absurda — as colunas que se formavam com os impactos eram grandes o suficiente para fazer o próprio casco do Banido estremecer.
Mas nenhum tiro acertou o alvo — todos os disparos iniciais do Névoa do Mar erraram o Banido.
Duncan observou cada coluna d’água desabar. Pensou por um instante… e concluiu que talvez aquilo fosse até normal em batalhas navais — sem armas guiadas nem sistemas de controle de fogo modernos, o índice de acerto de projéteis deveria ser mesmo… assim.
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