Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 210 – Chuva de Fogo
A chuva havia se transformado em fogo.
Heidi gritou, incrédula, e aquele grito que soava como uma contradição lógica era a única descrição que conseguia formular naquele instante — ela simplesmente não compreendia o que via, não fazia ideia do que estava acontecendo, só sabia que uma chuva de fogo caía dos céus como uma avalanche flamejante.
Tudo aconteceu em um piscar de olhos.
A tempestade que cobria a cidade-estado de Pland se converteu repentinamente em chamas que desciam dos céus, como se o sol poente houvesse despencado, com a coroa solar invertida sobre a cidade. Em menos de um segundo, a metrópole mergulhada em chuva se tornara um mar de fogo, como uma cidade fundida em meio ao magma.
Tudo estava em chamas — árvores, casas, torres, o campanário — até mesmo o próprio solo jorrava labaredas. A água da chuva que antes escorria pelas ruas havia se transformado em magma incandescente. Os trovões ensurdecedores se tornaram explosões vindas de todos os cantos da cidade, explosões essas causadas pela destruição sucessiva de dutos de vapor, encanamentos de gás e vasos de pressão. O estrondo era ainda mais aterrador que os trovões de antes… e toda a catedral tremia com a violência do impacto!
Heidi recuou, apavorada, testemunhando com os próprios olhos um apocalipse cobrindo diretamente a realidade. E então, ouviu o som de um sino.
O som parecia vir de muito longe, como se atravessasse uma barreira espessa — era o grande sino da torre de vapor atrás da catedral.
O som poderoso e prolongado daquele sino rompeu a chuva de fogo. Logo em seguida, outros toques começaram a ressoar, vindos de vários pontos da cidade.
As cem torres da Matriz de Catedrais de Pland soaram em uníssono. A barreira de estabilidade da realidade foi ativada por reflexo, e a chuva de fogo pareceu sofrer uma perturbação invisível ao som dos sinos. As chamas que caíam sobre a catedral se converteram novamente em chuva comum, e até a torre e as bandeiras da catedral, que haviam sido consumidas pelo fogo, voltaram ao normal num piscar de olhos.
Toda Pland ardia, mas todas as igrejas resistiam à chuva flamejante graças ao som dos sinos. A chuva anômala e o mar de fogo ainda mais anômalo se mesclavam de forma paradoxal naquele solo em chamas, enquanto as catedrais se tornavam ilhas no meio do inferno, servindo de âncoras contra as mudanças colossais no céu e na terra.
Só então Heidi ouviu uma voz firme e envelhecida às suas costas, quebrando o silêncio — era o Bispo Valentine:
“Estamos sob ataque… Destruam qualquer coisa que tente se aproximar da torre de sinos da catedral!”
Heidi se virou, prestes a perguntar algo, quando uma sucessão de explosões ensurdecedoras ecoou do lado de fora, vindas da praça em frente à igreja.
Ela correu até a janela e viu os Guardiões reunidos na praça abrindo fogo — as metralhadoras rotativas das máquinas caminhantes a vapor lançavam rajadas pelas ruas distantes, os canhões principais dos tanques a vapor disparavam em sequência, e as tropas da guarda da cidade, transferidas às pressas, já haviam erguido fortificações nas bordas da chuva, despejando fogo contra algo oculto naquela tempestade flamejante.
Heidi finalmente viu o inimigo.
Eram cinzas humanoides contorcidas, rastejando sem fim — uma maré grotesca emergindo do mar de fogo, avançando como uma visão de puro terror.
Aquelas criaturas pareciam surgir do nada, formadas diretamente das chamas. Suas formas amorfas se contorciam incessantemente, como se gritassem e uivassem de dor a cada segundo. Avançavam em todas as direções, atraídas por uma força invisível, convergindo como uma manada selvagem rumo aos pontos de estabilidade da realidade da cidade — as torres de sinos das igrejas.
Os combatentes, atônitos, apertaram os gatilhos. A maioria deles não sabia por que estavam lutando, nem entendiam o que acontecia com sua cidade natal. Evitavam até pensar sobre o que seriam aqueles inimigos que inspiravam tanto pavor. Ainda assim, o dever de proteger a cidade-estado, o reflexo de obedecer ordens e o puro instinto de sobrevivência os mantinham firmes, sustentando a linha de defesa diante daquele inferno, reagindo com movimentos moldados por incontáveis sessões de treinamento.
As armas das forças de defesa dispararam em uníssono, dilacerando com facilidade o primeiro grupo de cinzas que se aproximava.
Mas no instante seguinte, atrás das cinzas destruídas, surgiu ainda mais daquelas formas — ainda mais distorcidas, envoltas em chamas e fumaça espessa, avançando como uma maré sobre a catedral.
Parecia que seu número equivalia à população inteira da cidade-estado.
“Protejam a torre!” A voz de Valentine ecoou, firme, preenchendo não apenas a praça da catedral, mas reverberando por toda a cidade. “Enquanto o sino tocar, nossa realidade não será reescrita ou apagada! Fiéis, chegou o momento de testemunhar a fé… Protejam a torra de sinos!!”
Em meio ao caos, Heidi observava tudo com o coração em frangalhos, como se seu mundo estivesse desmoronando diante de seus olhos. Mas, depois de um instante de confusão, ela forçou seus pensamentos a se organizarem. Reconhecendo aquilo como uma catástrofe de nível invasão da realidade, obrigou-se a não olhar para o mar de fogo do outro lado da praça, a não pensar que noventa por cento da cidade-estado havia sido efetivamente destruída. Em vez disso, correu até Valentine, determinada:
“Tem algo que eu possa fazer?”
“Conforte os civis refugiados na igreja”, respondeu o bispo com voz grave. “Precisamos evitar ao máximo qualquer colapso mental dentro do perímetro da catedral. E então… espere com eles até que essa tempestade passe.”
Heidi assentiu prontamente.
Logo depois, Valentine ergueu os olhos subitamente, como se pudesse enxergar além das grossas paredes da nave principal.
As chamas e os clarões se refletiam em seus olhos — a imagem de toda a cidade-estado se formava em sua mente como um grande mapa em chamas.
Ele via claramente: Pland queimava intensamente sob a chuva de fogo. As igrejas tornavam-se ilhas cercadas pelo inferno, cada uma enfrentando uma invasão vinda de fora da realidade. Espíritos abrasadores e enlouquecidos, libertos de algum ramo do fim dos tempos, atacavam freneticamente os campanários ainda ativos, como se desejassem arrastar o mundo real sobrevivente para o mesmo fim miserável que os consumira.
E atrás daquelas cinzas… surgiam incontáveis silhuetas altas e esguias, negras como a noite.
Elas permaneciam em pé no meio das chamas, silenciosas, empurrando a cidade rumo ao apocalipse.
Eram os seguidores fanáticos da Prole do Sol.
Asseclas da Prole do Sol…
O olhar de Valentine se alterou sutilmente.
Diante de uma calamidade dessa magnitude, ele se lembrou subitamente de algo que havia sido resolvido há muito tempo — e quase esquecido desde então. Uma ‘pequena questão’ que agora, mais do que nunca, parecia estar prestes a emergir de novo.
Ele se virou abruptamente para um dos altos acólitos ao seu lado:
“Os hereges do sol ainda estão no santuário subterrâneo?!”
“Hereges do sol?” O acólito demorou um segundo a reagir, atônito, antes de responder às pressas: “Sim! Eles ainda estão presos no santuário subterrâneo. Há uma unidade inteira de Guardiões de prontidão. Eles não têm como fugir…”
“Eles nunca quiseram fugir!” disparou Valentine. “Desde o início, eles quiseram ser trancados dentro da igreja!”
“O q—”
O acólito arregalou os olhos de repente — mas nem teve tempo de concluir a frase. Um estrondo surdo ecoou do subsolo da catedral.
Soou como o despertar de uma besta gigantesca no interior do santuário.
Entre os sacerdotes da catedral, alguns haviam participado da crise do sol de quatro anos atrás. Ao ouvirem aquele som, suas memórias imediatamente se voltaram para um evento sombrio:
Quatro anos antes, centenas de hereges do sol haviam se reunido em um esconderijo. Em meio a um ritual de sacrifício sangrento e insano, eles conjuraram um poder proibido e aterrador: um ‘falso sol’ se formou sob a terra, ameaçando provocar uma catástrofe.
Mas antes que o ritual fosse concluído, a trama foi descoberta pela então recém-nomeada Inquisidora Vanna, que liderou a investida para impedi-lo.
“…Aquilo foi só um teste…” murmurou o alto acólito, atônito, com os olhos arregalados.
Heidi sentiu o calor ao redor aumentar repentinamente, junto com as vibrações vindas do subsolo, que ficavam cada vez mais fortes.
O mar de fogo se erguia, os sinos tocavam em uníssono, sirenes apitavam em meio à chuva flamejante. Criaturas de cinzas surgiam de todos os lados, espalhando-se impiedosamente pelo mundo físico.
Vanna já havia enfrentado muitas batalhas perigosas. Já se deparara com cultistas, com criaturas proibidas geradas por eles, com demônios abissais fora de controle e até com os insanos Pregadores do Fim. Mas nada daquilo se comparava ao inferno que vivia agora.
Ela não enfrentava mais um campo de batalha — aquilo era um apocalipse repentino.
Ou melhor… o fim já havia chegado há tempos. Só estava oculto por trás do Véu — e agora alguém havia o rasgado. Os vivos não tiveram tempo de reagir antes de se tornarem meras brasas em meio ao fim dos tempos.
Mas ela ainda estava viva. Havia aberto caminho entre brasas e cinzas, forçando sua rota em direção ao coração da cidade-estado, onde a catedral se erguia imponente.
Cada respiração era uma punhalada ardente. Seu corpo já estava no limite do esgotamento. A armadura, avariada. Os ferimentos, cada vez mais sérios. Sua recuperação já não acompanhava a velocidade dos danos.
Mesmo assim, a jovem Inquisidora seguia adiante.
Os sinos da catedral ainda tocavam — sinal de que a linha de defesa de Valentine ainda resistia. Talvez os Guardiões não compreendessem o escopo da conspiração histórica que enfrentavam, mas estavam sempre prontos para qualquer batalha.
E se a catedral ainda resistia, era seu dever retornar ao campo de combate.
Vanna refletia, avaliando a situação.
Ela havia percebido que o Bispo Valentine ativara as medidas de estabilização da realidade — isso mostrava que ele já compreendera parte da verdade. Ao menos, as providências básicas estavam corretas. Enquanto o campanário estivesse seguro, os hereges não conseguiriam substituir a história verdadeira por sua história falsa.
Se o processo de substituição fosse interrompido a tempo, e a fonte da contaminação cortada, a cidade-estado ainda poderia ser salva — a destruição atual não era a destruição real. Era apenas uma sobreposição temporal de duas histórias distintas, gerando uma possibilidade aterradora…
Ainda não é tarde demais. Ainda há tempo.
Vanna repetia isso mentalmente como se fosse um mantra. Forçava-se a não pensar na possibilidade de outras igrejas terem caído. Evitava pensar em onde o enigmático e perigoso Capitão Duncan poderia estar esperando. Limitava-se a avançar passo a passo pelas ruas em chamas, destruindo qualquer obstáculo no caminho, aproximando-se da catedral.
Até que, de repente, ela parou num cruzamento próximo ao destino.
Ali, um carro cinza escuro estava virado de cabeça para baixo, como se tivesse capotado após um acidente. Vários corpos jaziam no chão, aparentemente lançados para fora do veículo.
E dentro do carro… havia alguém.
Um braço pendia pela janela quebrada, preso na porta deformada pelo impacto.
Vanna reconheceu o veículo no mesmo instante. E também reconheceu o braço.
Era de seu tio — Dante Wayne.
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