Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    O carro familiar estava tombado no meio da rua, como se tivesse sofrido um acidente a caminho da catedral — e seu tio, com certeza, ainda estava dentro dele. O espírito de Vanna, já enfraquecido pela exaustão, subitamente se tensionou, e num piscar de olhos ela já havia corrido até o veículo.

    Foi então que percebeu: o braço pendendo pela janela quebrada se movia levemente. A mão encharcada de sangue pareceu levantar-se um pouco à medida que ela se aproximava.

    Seu tio ainda estava vivo!

    Vanna reagiu instantaneamente. Com uma mão, estabilizou a posição do carro; com a outra, rompeu a moldura da porta já deformada. Inclinando-se para dentro, sustentou a estrutura esmagada do interior ao mesmo tempo que avaliava os ferimentos de Dante. Com todo o cuidado para não agravar os danos, conseguiu retirá-lo de dentro do veículo. Imediatamente, invocou uma arte sagrada — e, mesmo com suas energias no limite, chamou os ventos úmidos do mar, tentando fazer com que a vitalidade voltasse ao corpo inconsciente do tio.

    O ar abrasador ainda rugia pelas ruas como uma fornalha viva. Cinzas escaldantes e fagulhas incendiárias desciam dos céus, transformando a cidade-estado num verdadeiro inferno. Ao redor de Vanna, um campo protetor se abriu, bloqueando com pressão sagrada os efeitos fatais do ambiente. Ela deitou Dante no chão e, após os procedimentos de emergência, viu finalmente aquele parente com quem convivera por onze anos abrir os olhos — ainda que de leve.

    “Ah… Vanna… você voltou…”

    Essas foram as primeiras palavras de Dante ao despertar.

    “Sim, eu voltei.” Vanna não percebeu de imediato que havia algo estranho naquela frase. Tomada pelo reflexo, segurou a mão do tio. “Como se sente? Consegue se levantar? Vou levá-lo até a catedral…”

    “Não… não se preocupe comigo, não passo de um fardo agora…” Dante balançou a cabeça com leveza. Ele apertou a mão da sobrinha, com os dedos trêmulos e firmes. “Eu devia ter imaginado que este dia chegaria… Eles viriam cobrar o preço… Fuja. Antes que te encontrem… Saia de Pland. Vá para um lugar onde ninguém saiba quem você é…”

    As palavras sussurradas por seu tio fizeram Vanna congelar por um instante. De repente, percebeu que ele sabia de algo que nem ela mesma sabia. Sua voz tremeu involuntariamente:

    “O que quer dizer com isso? Quem são eles? Que preço é esse? Você… você já sabia o que estava acontecendo com a cidade?!”

    Dante ergueu as pálpebras com esforço. Sua prótese ocular de rubi estava destruída — sangue escorria pelos cortes ao redor da órbita, e seu olho humano restante refletia as chamas que consumiam a cidade. Após alguns segundos de silêncio, ele finalmente murmurou:

    “Pregadores do Fim… e o Subespaço por trás deles… Vanna, você ainda se lembra do incêndio de onze anos atrás?”

    “O incêndio de onze anos atrás…” Vanna arregalou os olhos. “Você… então você se lembra daquele fogo?!”

    “Como eu não lembraria…? Esse fogo arde diante dos meus olhos todos os dias.” Dante esboçou um sorriso amargo. “Mas achei que poderia enganar a mim mesmo pelo resto da vida.”

    A mente de Vanna fervia em confusão. Por um momento, esqueceu completamente o cansaço e a dor. Manteve o olhar fixo nos olhos já turvos do tio, enquanto sua mente se inundava de lembranças e dados sobre o incêndio, o Sol Negro, o Subespaço e os Pregadores do Fim. Quando essas informações ameaçavam soterrá-la por completo, ela finalmente perguntou:

    “Mas… o que isso tem a ver com o Subespaço? Com os Pregadores do Fim? Comigo?! Por que ‘eles’ estão atrás de mim? Que ‘preço’ é esse que querem cobrar?!”

    Assim que terminou de falar, Vanna se arrependeu. Sentiu que não falava com seu tio, e sim que o interrogava como um criminoso. No entanto, Dante não pareceu se incomodar. Apenas respirou com dificuldade algumas vezes antes de murmurar, como em um devaneio:

    “Quando aquele incêndio começou… eu vislumbrei uma projeção do Subespaço. Diante daquela verdade absoluta e aterradora, eu… fiz um pedido ao Subespaço.”

    “Você fez um pedido ao Subespaço?!” Vanna encarou Dante, chocada. “Que pedido?!”

    “Que nada daquilo tivesse acontecido. Que você… continuasse viva.”

    Todos os traços de expressão no rosto de Vanna congelaram.

    Dante a fitava em silêncio. Seu rosto mesclava dor e um sorriso amargo. Lentamente, levantou a mão como se quisesse tocar os cabelos da sobrinha, os lábios se movendo com esforço, a voz baixa e embargada:

    “Vanna… você cresceu… Me perdoe. Me perdoe de verdade. O tio falhou… Naquele dia, eu… eu não consegui te salvar…”

    “Mas eu me lembro de você me tirando daquele incêndio…”

    “O que eu retirei dos escombros… foi apenas um punhado de cinzas.” A voz de Dante era como o sussurro do vento. “Tudo aconteceu num instante. Não houve tempo de reagir. Você… virou apenas um pequeno montinho de cinzas. Eu enlouqueci, querendo escapar daquele pesadelo, desejando que tudo voltasse ao que era antes. Eu teria aceitado ajuda de qualquer um — deuses, demônios… até mesmo do Subespaço. E algo… algo respondeu ao meu pedido. Levei anos para entender… o que havia realmente me atendido naquela hora.”

    Vanna já não ouvia claramente o que ele dizia.

    Ela apenas ergueu lentamente as mãos, olhando para sua carne, para seu corpo vivo e real.

    Não se sabe quanto tempo se passou até que ela finalmente quebrasse o silêncio:

    “Então… de certo modo, o fato de eu estar viva… é resultado de uma ‘bênção’ do Subespaço?”

    Dante fechou os olhos, incapaz de responder — mas o silêncio foi uma confirmação.

    “E então… como eu me tornei uma Santa?” Vanna perguntou, a voz carregada de dúvida, quase como se falasse consigo mesma. “Como a Deusa da Tempestade teria permitido que alguém salvo por uma bênção do Subespaço se tornasse sua seguidora…? Que me concedesse força e proteção?”

    “Eu… eu não sei.” Dante balançou a cabeça com lentidão. “Talvez… só a própria Deusa possa responder essa pergunta. Mas… como poderíamos…”

    Vanna permaneceu em silêncio. Seus pensamentos estavam mais confusos do que nunca. A fé que a sustentara por tantos anos apresentava agora uma rachadura impossível de ignorar — uma fenda que a deixava sem saber como encarar sua crença… ou até mesmo a própria existência.

    Mas após alguns instantes em silêncio, ela se ergueu lentamente e murmurou, como se falasse consigo mesma:

    “De qualquer forma, alguém precisa impedir essa invasão da realidade… alguém precisa… trazer de volta tudo aquilo que conhecemos ao mundo real.”

    “Vanna, você vai morrer!” exclamou Dante de repente, arregalando os olhos. Com esforço descomunal, ergueu o tronco do chão. “Você não pode continuar aqui! Os alicerces da realidade estão desmoronando. Você precisa sair de Pland, se afastar deste fenômeno até que ele desapareça completamente da sua memória — escute, se a sua sobrevivência foi mesmo resultado de uma bênção do Subespaço, então tentar corrigir a história pode levar à sua própria aniquilação. Esse tipo de paradoxo… está além da compreensão dos mortais…”

    Mas Vanna apenas o encarou em silêncio. Seu olhar era sereno e firme.

    “Tio… não foi o senhor quem sempre disse que amava essa cidade? Que amava tudo o que há nela?”

    Dante silenciou por um instante. Em seguida, a firmeza retornou ao seu semblante:

    “Claro que sim. Por isso vou ficar aqui. Enfrentar o destino junto da cidade. Esteja ela destinada à sobrevivência ou à destruição… eu já estou pronto. Mas você, Vanna… você não precisa…”

    “Eu sou igual ao senhor”, Vanna o interrompeu suavemente. “Também amo este lugar. E também estou pronta… Como o senhor me ensinou desde pequena: onde há dever, há permanência.”

    Dante ficou observando a sobrinha à sua frente. Era sua única família no mundo. Ela estava de pé, firme, serena, como um quebra-mar enfrentando a força de uma tempestade avassaladora.

    Ele sabia que nada que dissesse mudaria o que ela havia decidido.

    Com um leve suspiro, reuniu suas últimas forças para se arrastar e se apoiar numa antiga luminária próxima.

    “Então vá”, disse com voz fraca, mas decidida. “Eu ficarei aqui… esperando você voltar.”

    Vanna abaixou a cabeça e olhou para ele.

    Na memória dela, seu tio sempre fora uma figura imponente e sólida como uma montanha. Mas… quando foi que ela se tornara mais alta que ele?

    Ela se curvou com ternura, e sua voz saiu suave:

    “…Se tudo correr bem, a Pland que o senhor conhece voltará para o mundo real. E, quando isso acontecer… não se esqueça de mim.”

    Dante não respondeu com palavras. Apenas assentiu com um leve aceno de cabeça.

    Vanna então se pôs de pé.

    Mas, no instante seguinte, um tremor inquietante ressoou ao longe, interrompendo seu gesto. Em seguida, um estrondo aterrador rasgou o ar, acompanhado por um som agudo e cortante — como o de estruturas inteiras sendo rasgadas e colapsadas.

    Vanna se virou, alarmada, para a direção de onde viera o som. Nunca sentira um medo tão avassalador como naquele momento.

    E o que viu, no segundo seguinte, confirmou a origem de sua inquietação.

    Uma coluna de chamas havia se erguido rumo ao céu, vinda da direção da catedral. A explosão gerara uma onda de choque tão violenta que chegou a dispersar a densa nuvem ardente acima da cidade. Então, surgiu um brilho intenso e distorcido — como se um pequeno sol estivesse emergindo das profundezas, subindo para consumir e derreter tudo o que tocasse.

    E o pior ainda estava por vir.

    Ela ouviu novas explosões. Novos ruídos agudos e insuportáveis. Viu mais colunas de fogo irrompendo em diferentes pontos da cidade-estado. Bolas de fogo imensas surgiam acima do mar de chamas, uma após a outra, como sóis em miniatura pairando sobre a destruição.

    E cada um daqueles sóis estava ligado a uma igreja.

    Mesmo durante o inferno da cidade em combustão, os sinos jamais haviam cessado. Mas agora, eles começavam a silenciar — um a um. As ilhas de proteção da fé caíam, uma após a outra.

    Vanna sentiu a mente esvaziar por um instante. E então, como movida por puro instinto, saiu em disparada em direção à maior das explosões. Corria para o epicentro do desastre: a Catedral da Tempestade, no centro de Pland.

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