Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 212: Caminhos Partidos, Fim Compartilhado
Todas as igrejas haviam caído em questão de instantes. Uma após a outra, esferas flamejantes surgiam das profundezas da cidade-estado, incinerando os últimos pontos de ancoragem da realidade em Pland. Os sinos silenciavam um por um, e em meros minutos, tudo o que restava da outrora joia sobre o mar era um deserto de ruínas e cinzas sem fim.
Vanna corria como uma tempestade pelas ruas e encruzilhadas em chamas, avançando em direção à catedral de onde se erguia aquela colossal coluna de fogo. Mas o que via ao longe já não era mais a mesma construção — a catedral havia mudado.
A nave principal havia desmoronado. A estrutura milenar parecia ter derretido como cera. As alas laterais, que antes se elevavam com imponência, eram agora apenas esqueletos de aço incandescente, retorcidos pelo calor. E sobre tudo isso, suspenso no ar acima da catedral, pairava um ‘sol’ profano — com bordas brilhantes e centro vermelho-escuro como sangue coagulado. Uma mancha ardente, grotesca, que mais parecia uma fenda devoradora do mundo do que uma fonte de luz. Ainda assim, derramava calor e destruição.
Das bordas daquele sol herético escorriam gotas reluzentes e vermelhas — talvez lava incandescente, talvez sangue dos profanadores.

E agora… correr até lá para quê? Matar o culpado por tudo? Reverter uma história que já havia sido sobreposta? Ou, com a força que ainda restava, apenas provar — ainda que inutilmente — sua fé e lealdade?
Vanna não sabia. Não sabia mais o que fazer. Mas mesmo assim, seu corpo reagia por instinto. Continuava correndo em direção à catedral… até que algo à beira do seu campo de visão chamou sua atenção.
Um lampejo verde e distorcido surgiu entre as chamas, e no momento seguinte, uma voz grave e imponente ecoou diretamente em sua mente:
“Vá até o campanário.”
A voz chegou tão abruptamente que Vanna parou no mesmo instante, surpresa. Procurou a origem daquele comando — qualquer sinal do Capitão Fantasma, qualquer indício de que ele a observava naquele momento — mas tudo o que viu foram chamas, e as gotas escarlates caindo do sol profano, incendiando os últimos fragmentos do solo ao redor da catedral.
Então, algo rompeu sua hesitação.
O som de um sino.
Um sino soava, claro e forte, vindo de trás da catedral — do antigo campanário.
Aquele som parecia querer cobrir toda Pland mais uma vez.
E aquele campanário… já havia sido consumido pelas chamas. Não deveria haver som algum vindo dali.
Nesse instante, Vanna abandonou qualquer dúvida ou temor. Partiu em disparada rumo à torre do sino.
Já não se importava com os propósitos do Capitão Fantasma, nem com as consequências de obedecer suas palavras. Diante do colapso de todas as igrejas, diante da destruição completa da cidade-estado… restava apenas aquele único sino, aquela única torre.
A única estrada restante.
Ela cruzou a praça em frente à catedral.
Ali, onde antes as forças de defesa estavam posicionadas, não restava mais nada — apenas ruínas. Entre as ondas sufocantes de calor, tudo o que se via eram carcaças fundidas de máquinas de guerra a vapor — tanques, caminhantes, armamento retorcido. A linha de defesa formada pelos Guardiões e pela guarda da cidade havia sido reduzida a carvão e cinzas, engolida pela marcha impiedosa da destruição.
Ela abateu incontáveis sombras de cinzas que avançavam contra si como enxames famintos. Passou pelos escombros do que um dia fora a nave da catedral e o salão sagrado, cruzou o pátio escancarado e, então, avistou — ao fim do seu campo de visão — a torre do sino ainda erguida.
Cinzas quentes caíam do céu, e fagulhas dançavam como vaga-lumes incandescentes.
Aquela cena a fez se lembrar do que havia visto do outro lado do Véu. Recordou-se da imagem da Pland de 1889, consumida pelas chamas.
A história falsa havia se sobreposto à verdadeira. O que estava por trás do Véu tomara o lugar da realidade legítima.
Mas os sinos ainda tocavam.
A entrada para os andares superiores da torre havia desmoronado. As escadas internas estavam em ruínas. Após confirmar isso, Vanna abandonou qualquer ideia de subir pela rota convencional. Dirigiu-se à base da muralha externa da torre, ergueu os olhos para traçar uma rota e, sem hesitar, agarrou-se às estruturas salientes da parede — iniciando a escalada.
A superfície externa da torre, torrada por chamas por tempo demais, estava quente como ferro em brasa. Mas nem isso desacelerou Vanna. Ela subia como se fosse vento ascendente, e em poucos instantes alcançou o topo da torre, ultrapassando o mostrador de engrenagens já parado, e adentrando a plataforma onde se localizavam o braseiro cerimonial e o grande sino.
O espaço era amplo, protegido por uma cobertura pontiaguda com aberturas em todas as direções. Sob o telhado, além do braseiro, havia o mecanismo do sino — uma gigantesca máquina feita de engrenagens e alavancas, ativada por força manual.
O grande sino repousava logo abaixo, oculto dentro de uma câmara de ressonância.
Vanna se lançou sobre o piso da torre e rolou até se firmar.
Ao virar-se para trás, viu a cidade abaixo, engolida pelas chamas. A lava ardente escorria pelas ruas, deixando trilhas de destruição e desespero. Dali do alto, ela contemplava um verdadeiro inferno. Ruína, em toda parte.
Virando-se de volta, encarou o mecanismo do sino, que — apesar de estar claramente sem qualquer fonte de energia — ainda continuava em movimento.
Foi então que viu uma figura… ou melhor, uma massa de carvão ainda vagamente com forma humana, agarrada a uma das alavancas do mecanismo, empurrando com esforço desesperado as engrenagens pesadas.
Vanna deu um passo à frente, instintivamente. E a figura carbonizada pareceu notar sua presença. Lentamente, ergueu a cabeça, virou o rosto — e aqueles olhos ainda humanos se fixaram nela.
“Proteja… o campanário…”
Aquela voz, rouca como cinza soprada pelo vento, escapou dos lábios ressecados.
E então, a figura desabou. Seu corpo calcinado se partiu em pedaços, estalando e rachando enquanto o calor se esvaía. Entre os fragmentos ainda incandescentes, a marca escarlate de um emblema da Igreja do Mar Profundo rolou pelo chão — o símbolo da Tempestade.
O último sino de Pland finalmente cessou.
“Arcebispo!”
Vanna reconhecera aquele olhar. Correu para o que restava daquele corpo, com o impulso de tentar salvar o impossível, de reativar o mecanismo já imóvel… mas mal dera o primeiro passo quando uma opressão colossal se abateu sobre ela, obrigando-a a parar.
Vanna parou à força, girando o corpo na direção de onde vinha aquela opressão esmagadora.
Uma figura alta e magra, vestida com um manto cinzento e esfarrapado, com o corpo esquelético e seco como um asceta em penitência, permanecia em silêncio na beira do terraço.
O ‘asceta’ a observava com um olhar repleto de compaixão — e atrás dele, no céu, pairava o sol negro, de bordas incandescentes e núcleo escuro, que continuava a derramar lava derretida.
Ninguém sabia quando ele havia surgido ali. Sua chegada fora tão silenciosa que Vanna sequer o percebera — como se ele já estivesse naquela torre desde sempre, desde muito antes do incêndio começar, desde um tempo remoto que se perdera nos ecos da história.
“Você lutou com todas as forças, criança. Todos vocês lutaram com tudo o que tinham. Até conseguiram atrasar o inevitável por várias vezes mais do que o previsto… Mas atrasar e resistir não tem sentido algum…” disse o vulto esquelético, com a voz baixa e lenta. “Ninguém virá salvá-los. Nesta anomalia histórica já selada em um ciclo fechado, qualquer reforço está fadado a jamais alcançar Pland antes que a correção seja concluída…”
Ele ergueu a mão — os dedos ossudos e secos pareciam brilhar à luz do sol profanado — e declarou:
“Agora, abrace o novo futuro… criança renascida das cinzas. Sua sobrevivência e retorno… não mudaram nada.”
Vanna manteve o silêncio. Apenas levou a mão às costas e retirou a grande espada.
“Ah… então não haverá negociação.” disse o Pregador do Fim, encarando o gesto dela com pesar e serenidade. “É claro que você pode me matar com facilidade… mas isso é inútil. A Prole do Sol já está preparada para a chegada. Quanto a mim… sou apenas o testemunho deste momento final. Estarei aqui para ver este fim… e estarei presente quando o próximo chegar.”
Ele apontou com o queixo para o alto.
“Você está vendo aquele sol?”
Vanna ergueu ligeiramente os olhos. E foi então que notou.
No interior daquele sol profano, nas profundezas do negrume pulsante, havia algo… algo que se movia. Algo que batia lentamente — como um coração em formação, como um embrião sendo gestado no meio da escuridão e do calor.
Um calafrio percorreu seu corpo.
Naquele instante, ela entendeu. A opressão que sentira não vinha do Pregador diante dela. Não vinha daquele corpo esquelético e frágil.
Vinha do sol negro às suas costas.
Algo estava despertando lá dentro.
“Este plano passou por muitas turbulências”, continuou o Pregador com um olhar piedoso, mantendo os olhos nos de Vanna. “Uma força que jamais conseguimos identificar interferiu repetidas vezes na correção da história. Essa força… fez com que olhos que deveriam permanecer fechados enxergassem demais. Vocês estavam tão perto… tão perto de descobrir tudo. Faltava tão pouco… Mas o destino é assim.”
“Criança, o destino é cruel.”
Com um suspiro piedoso, ele deu alguns passos à frente, aproximando-se de Vanna. Sua voz soava como uma profecia entoada por um sacerdote antes do apocalipse:
“Mas você… você é abençoada. Morreu e renasceu. E renascerá mesmo após morrer. Você recebeu a mais elevada bênção… e por isso, pode abraçar tudo isso.”
Vanna apertou o punho da espada.
Pela primeira vez, seu impulso de matar não nascia da justiça, nem do dever — mas de um ódio puro, um ódio visceral que crescia como fogo dentro de si.
Mas no último instante, quando já ia erguer a espada, uma chama irrompeu do nada na beira da plataforma — e interrompeu seu movimento.
Uma porta flamejante, feita de chamas esverdeadas, surgiu repentinamente atrás do Pregador.
E por ela passou uma figura imponente, inteiramente envolta em fogo espectral, saindo passo a passo das profundezas daquela pira.
O Pregador do Fim, no entanto, parecia completamente alheio à porta que surgira às suas costas. Como se ela não existisse.
De braços abertos, ele se dirigiu a Vanna como um profeta no momento do juízo final:
“Criança abençoada… não resista. Como pode ver, os tempos mudaram…”
Ele parou.
Um terror súbito invadiu seu espírito fragmentado — um terror que não brotava do mundo físico, mas de dentro do Subespaço.
Uma interferência caótica, como ruído ancestral, misturou-se ao som do fogo devorando Pland. O fanático tentou, em pânico, virar-se para ver o que estava atrás…
Mas antes que conseguisse, uma mão pousou suavemente sobre seu ombro.
“Volte ao que era.”
Disse uma voz calma.
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