Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    O Banido partiu com a mesma imponência com que havia chegado — de forma majestosa e inabalável1.

    Vanna observava aquela gigantesca embarcação, cuja imponência beirava o indescritível, cruzando com dignidade o centro da cidade-estado de Pland. Ela viu o casco espectral do navio, etéreo, deslizar sobre os telhados e torres da cidade e, aos poucos, desaparecer de sua visão como uma miragem que se desvanecia.

    À medida que o Banido se afastava, as chamas espirituais que ardiam por toda Pland também começaram a se extinguir, recuando pouco a pouco, como se houvessem cumprido sua missão e retornassem agora ao nada.

    Restaram apenas um céu claro, uma cidade-estado que voltava a ser como antes — e uma população que acabara de despertar de um pesadelo.

    O som dos sinos ressoava pelo céu de Pland. Eram os campanários das igrejas por toda a cidade, tocando de acordo com o curso original da história. Mas agora, aqueles sinos, antes usados para resistir à invasão da realidade, soavam como uma espécie de despedida. A sirene no alto da catedral também ecoou de repente, tão aguda e estridente que fez Vanna se sobressaltar.

    Ela sentiu uma presença se aproximar. Ao se virar, viu o Bispo Valentine — em algum momento, ele havia se posicionado ao seu lado. Aquele velho bispo que havia enfrentado a morte segurava firmemente seu cajado, olhando para o horizonte na direção por onde o Banido desaparecera, e murmurou, como quem fala sozinho:

    “Tenho a sensação de que acabei de acordar de um sonho… um sonho muito longo…”

    “Mas o senhor sabe que aquilo não foi um sonho.”

    “Eu quis dizer que acabei de sonhar com vinte coelhos dançando ao meu redor vestindo saias do balé de Chapop…”

    Vanna ficou sem palavras por um instante. “Aí sim o senhor sonhou mesmo. Provavelmente efeito do processo de recuperação mental… Mas precisava soltar uma piada dessas agora?”

    “Mas isso ajuda você a despertar de vez — tirar essa confusão da cabeça e voltar ao trabalho logo”, disse o velho bispo com naturalidade, o rosto sereno como se não fosse ele o autor da piada. Em seguida, abaixou os olhos na direção da praça da catedral. “Temos muito a fazer. E desta vez, o navio com o qual ‘cruzamos caminho’ não foi o Carvalho Branco.”

    Vanna seguiu seu olhar e viu os Guardiões e os membros da Guarda da cidade na praça em meio a um caos silencioso. Eles pareciam ter acabado de acordar de um longo transe, olhando em volta para a cidade restaurada, mas suas memórias ainda estavam presas ao combate contra a invasão da história corrompida. Parte deles, que ‘despertara’ mais cedo, ainda tivera tempo de presenciar a partida do Banido, o que só aumentava o clima de confusão e tensão.

    A voz de Valentine voltou a soar ao lado de Vanna:

    “… Primeiro, restaurar a ordem nas forças de segurança. Depois, iniciar um levantamento completo da situação da cidade. Confirmar se todos realmente ‘voltaram’, verificar se algo ou alguém está faltando — ou se há algo a mais… E também…”

    Ele fez uma pausa e lançou um olhar para a jovem Inquisidora ao seu lado.

    “E também se preparar para relatar tudo à Catedral da Tempestade — Vanna, você está prestes a enfrentar o mais desafiador trabalho burocrático da sua vida.”

    Vanna prendeu a respiração por um instante.

    A catástrofe havia terminado, mas isso não significava que tudo estivesse resolvido. Agora que todos haviam sobrevivido… o verdadeiro trabalho de investigação estava apenas começando.


    O sol brilhava com intensidade.

    A imponente e pesada porta da catedral se abriu rangendo. Heidi, com um olhar um tanto confuso, saiu até a praça em frente à igreja. Ela olhou para as ruas, que agora pareciam normais sob a luz clara do dia, mas ainda havia em sua mente a lembrança da chuva torrencial — e da cena aterradora em que a chuva se transformara em fogo.

    Como tudo aquilo havia terminado?

    Ela só se lembrava de um navio-fantasma surgindo do mar de chamas, navegando lentamente pela cidade-estado como em uma procissão. Sua consciência oscilava em uma dimensão entre o real e o ilusório. Duas linhas históricas completamente opostas haviam se cruzado diante de seus olhos e, diante da rota do navio-fantasma, uma fora preservada como realidade, enquanto a outra era esmagada e reduzida a pó.

    Um calor leve surgiu em seu peito. Heidi olhou para baixo e viu que o pingente — um ‘brinde’ que seu pai havia trazido da Loja de Antiguidades — brilhava fracamente. Quando estendeu a mão para tocá-lo, ouviu um leve som de estilhaço: o pingente se desfez silenciosamente em poeira, como se tivesse esgotado todas as suas forças. Até mesmo o cordão que o sustentava virou cinzas.

    Heidi ficou paralisada por um momento, mas logo os ruídos e alvoroços vindos da praça a tiraram do transe.

    Os Guardiões estavam tentando reorganizar a ordem, e as forças de guarnição da Prefeitura também já haviam começado a se reagrupar sob o comando de oficiais. Alguns sacerdotes saíam da catedral para auxiliar na restauração da ordem, repassando ordens vindas do Bispo Valentine e da Inquisidora Vanna. Ao mesmo tempo, começavam a circular conversas sobre a silhueta do navio-fantasma que partira há pouco.

    “… Abri os olhos e vi aquela coisa passando sobre minha cabeça — era como se estivesse navegando num mar transparente…”

    “Foi assustador demais! Aquelas chamas quase tocaram a ponta da torre da catedral! Mas ele simplesmente… foi embora…”

    “É o Banido, sem dúvida… Podem acreditar ou não, mas aquele era o Banido com certeza!”

    Uma voz bastante estridente ecoava pela praça, afirmando com convicção que o navio-fantasma que havia atravessado a cidade-estado era o lendário desastre marítimo conhecido como Banido. Heidi seguiu o som e viu que quem falava era um velho capitão de cabelos brancos — alguém com quem ela lidava quase diariamente, e com quem já tinha bastante familiaridade.

    “Capitão Lawrence”, Heidi se aproximou e cumprimentou o velho lobo do mar, que conversava com alguns civis que haviam buscado abrigo. “O senhor está bem?”

    “Eu? Estou ótimo, embora nem consiga entender direito o que acabou de acontecer”, respondeu o velho capitão, sorrindo ao ver Heidi. “É bom ver você inteira, doutora — aquele negócio de chuva virando fogo foi assustador demais!”

    Heidi assentiu com um comentário vago e emendou a pergunta: “O senhor disse que o navio que partiu agora… era o Banido?”

    “Claro que era! Eu conheço muito bem aquela cena! Já vi isso antes!”

    Um dos cidadãos que ainda estavam abalados por terem se refugiado dentro da catedral não conteve a curiosidade:

    “O senhor já viu?”

    “Claro que vi! Ou você acha que eu fiquei tanto tempo isolado na catedral por quê?” Lawrence arregalou os olhos e logo se virou para Heidi: “Você tem contato com o pessoal do alto escalão da Igreja, né? Fica aqui meu conselho: investiguem se alguma coisa sumiu da cidade-estado. O Banido, quando passa, quase sempre leva alguma coisa… Eu sei bem disso!”

    Heidi ouvia tudo meio atordoada, assentindo sem realmente processar, até que, só depois de um bom tempo, algumas lembranças recentes — mas que pareciam de outra vida — começaram a emergir em sua mente.

    E como está o papai?


    Morris não estava se sentindo bem. Sua cabeça latejava, o estômago se revirava como se tivesse tomado uma dose cavalar de álcool fortíssimo. Sentia vontade de vomitar, mas não tinha coragem.

    Isso porque achava que alguns baldes e esfregões à sua frente estavam lançando olhares ameaçadores para ele — sem contar a senhorita Alice, ali do lado, que também o encarava em silêncio.

    Se vomitasse no convés, provavelmente apanharia — naquela embarcação, até as cordas pareciam mais velhas que ele. E nenhuma delas parecia se importar com a ideia de respeitar os mais velhos.

    Ele concluiu que provavelmente estava enjoado… talvez do barco, talvez da pomba.

    Morris levantou os olhos e viu Ai — a tal pomba — desfilando orgulhosamente sobre uma pilha gigantesca de batatas fritas. A criatura já havia se transformado antes numa aterrorizante ave esquelética, e foi ela quem o carregou da Loja de Antiguidades para aquele navio-fantasma no instante em que a chuva virou fogo. Agora, parecia novamente inofensiva, andando entre os montes de batata.

    A garota chamada Shirley estava sentada não muito longe dali, acompanhada de um Cão de Caça Abissal. A dupla lembrava um típico combo de invocadora e demônio abissal — mas, naquele momento, os dois estavam surpreendentemente comportados. Shirley se portava como uma dama bem-educada, sentada com compostura, sem ousar respirar fundo. Já o tal ‘Cão’, como ela o chamava, de alguma forma havia arranjado um jornal, sentara-se corretamente sobre um barril ao lado dela e, com as patas, tentava folhear o jornal fingindo estar lendo — embora fosse óbvio que não sabia ler, já que segurava o jornal de cabeça para baixo.

    Mais ao fundo, viam-se os mastros imponentes, as velas espectrais e translúcidas como véus de seda, a vastidão infinita do mar… e, cada vez mais distante, a cidade-estado de Pland.

    Ao relembrar tudo que testemunhara e vivenciara enquanto cruzavam a cidade com aquele navio, o coração de Morris ainda disparava. Aquela sensação de ter o próprio corpo transformado em espírito pelas chamas do Banido e sobrevoar uma cidade em chamas era intensa demais. Anos atrás, ele talvez tivesse considerado aquilo uma aventura empolgante — mas agora, não sendo mais jovem, achava que… tinha passado um pouco dos limites.

    Morris inspirou fundo. Seus pensamentos estavam emaranhados. Pensava se ainda teria chance de voltar… e também se perguntava como estaria sua família.

    Nesse momento, uma voz repentina veio do outro lado — era o Cão de Caça Abissal. Morris sabia o que era uma criatura dessas, mas jamais imaginou que uma pudesse ser tão racional e… educada:

    “Se-se-senhor… vo-você… a-a-acha q-que e-e-eu… pa-pareço um… um cão… cão de cultura… de cultura?”

    Er… sinceramente, não acho que um cachorro precise ler jornal pra parecer educado”, respondeu Morris, perplexo, com um olhar estranho. “Mas você é um demônio abissal. Não dá pra julgar pelos padrões caninos normais… Afinal, nem o cachorro mais inteligente do mundo conseguiria sentar num barril e ler jornal.”

    “Aliás, duas coisas: primeiro, o jornal tá de cabeça pra baixo. Segundo… você é meio gago?”

    O Cão de Caça Abissal congelou e apressou-se a virar o jornal ao contrário, respondendo:

    “Eu-eu… n-não sou g-gago… só estou… u-um pouco n-n-nervoso…”

    “Cão, você não precisa ficar tão nervoso assim”, murmurou Shirley, num tom baixo. “E por que você tá lendo jornal? O senhor Duncan já sabe que nós dois somos analfabetos…”

    Mal ela terminou de falar, Alice — que estava apenas olhando para o nada — de repente levantou a mão:

    “Eu também sou!”

    Shirley pareceu genuinamente surpresa, enquanto Morris apenas abaixou a cabeça, massageando a testa.

    O velho estudioso achava que tinha ido parar num lugar absurdo demais…

    O que é que tá acontecendo aqui?

    1. Na raw, neste ponto tem o indicador de ilustração, mas não encontrei nenhuma imagem que se encaixe nessa descrição, a única próxima é que coloquei no capítulo anterior, que combina perfeitamente com a descrição dada naquele momento e não aqui.[]
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