Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 217: A Dúvida da Devota
Heidi espirrou com força de repente, assustando o jovem acólito à sua frente, que fazia anotações.
“A senhora está bem?” perguntou ele, preocupado, olhando para a psiquiatra à sua frente. “Está se sentindo mal? Sentiu alguma coisa estranha…?”
“Estou bem — provavelmente só peguei um vento frio lá na praça, e com toda a correria e tensão, acabei resfriando”, respondeu Heidi antes mesmo de ele terminar, acenando com a mão enquanto esfregava o nariz. “Onde estávamos?”
“Falávamos sobre a senhora ter visto dois ‘mundos’ sobrepostos na cidade-estado enquanto estava em um estado semelhante a ‘projeção da alma’, e como a chegada do Banido causou o descolamento e o colapso de um desses mundos”, disse o jovem, conferindo os registros recém-escritos e folheando as páginas anteriores. “A senhora também mencionou possuir um pingente de cristal, e suspeitava que ele fosse a chave de tudo.”
“O pingente está quebrado”, respondeu Heidi após pensar por um instante, assentindo. “Meu pai conseguiu esse pingente numa loja de antiguidades, mas acho que nem ele, nem o dono da loja sabiam de sua natureza especial — era apenas um brinde, inclusive… vinha com uma etiqueta de uma oficina de vidro.”
“Ou seja, um artefato dotado de poderes extraordinários, mas com sua verdadeira natureza ocultada — que, por acaso, foi parar no Distrito Inferior e acabou em suas mãos”, comentou o jovem enquanto anotava. “A senhora poderia nos contar mais sobre essa loja de antiguidades e os detalhes do pingente? Isso pode nos ajudar bastante no trabalho de investigação e contenção. Afinal, itens extraordinários geralmente possuem a capacidade de atrair o destino — o encontro entre vocês dois pode não ter sido tão acidental assim.”
“Sem problema nenhum”, respondeu Heidi de imediato, assentindo e começando a relatar o que sabia. Depois de descrever o panorama geral, hesitou um pouco, até que não aguentou e perguntou:
“Todos… conseguiram voltar?”
“De acordo com as informações mais recentes… sim”, respondeu o jovem, assentindo. “Apesar de quase todos se lembrarem da cidade-estado sendo consumida por chamas, agora tudo voltou ao estado anterior à catástrofe — até o momento, a explicação oficial dada pelo Bispo e pelos Inquisidores é que se tratou de um ‘evento de poluição histórica em escala de invasão da realidade’, mas os detalhes ainda não foram divulgados.”
Ele fez uma breve pausa antes de acrescentar:
“Mas o seu caso é especial — quase ninguém se lembra de como o desastre terminou, mas a senhora ‘viu’ o processo crucial. Por isso seu testemunho é extremamente importante.”
“Entendo”, suspirou Heidi suavemente, e logo pareceu se lembrar de algo. “Então… talvez seja melhor eu avisar minha família que estou bem? Pelo visto, não vou poder voltar tão cedo…”
“Já mandamos alguém até lá”, disse o jovem com um leve sorriso. “A senhora não precisa se preocupar.”
“Já avisaram? Que bom”, murmurou Heidi, assentindo de leve. “Então vamos continuar. Qual é a próxima pergunta?”
“Então, próxima pergunta: a senhorita consegue se lembrar de detalhes específicos do navio fantasma que surgiu nas duas linhas históricas? E, ao reviver essas memórias, sentiu algum tipo de confusão mental, alucinação auditiva ou visual?”
Vanna havia chegado à Catedral.
Aquele vasto e sagrado espaço estava especialmente silencioso naquele momento. Além dos guardas postados na entrada, havia apenas uma única figura em pé diante da estátua sagrada: o Bispo Valentine.
O som dos passos de Vanna quebrou o silêncio do santuário.
Valentine virou-se. Já havia retirado as vestes cerimoniais e a coroa que usava apenas em ocasiões especiais — agora vestia apenas uma túnica simples e um barrete macio. Com exceção do bastão episcopal que segurava firmemente, parecia um senhor qualquer.
Vanna parou diante dele, com expressão serena:
“A ordem no distrito das igrejas já foi restabelecida. As tropas estão retornando gradualmente aos postos para reorganizar a cidade-estado. Os altos sacerdotes foram enviados às principais fábricas para estabilizar os núcleos de vapor. Ao menos até o anoitecer, podemos garantir que o ‘Sino do Crepúsculo’ soará normalmente. O fornecimento de gás não será interrompido.”
O velho bispo suspirou visivelmente aliviado: “Você trabalhou duro, Vanna.”
“É meu dever”, respondeu ela com tranquilidade. “Mesmo com a dissipação da contaminação, ainda restam resquícios de confusão psíquica e perceptiva. Pessoas sem treinamento não conseguem se recuperar de imediato após aquele desastre. Até a prefeitura está em colapso — por ora, só resta a nós, os ‘profissionais’, manter a ordem.”
Valentine assentiu com a cabeça e alertou:
“Após o anoitecer, além de garantir o fornecimento de gás, reforce as patrulhas em todos os bairros. Que saiam com lanternas e incenso. Precisamos evitar que… ‘algo’ entre junto com a escuridão. Acabamos de passar por uma invasão da realidade. A fundação da nossa realidade em Pland está em seu estado mais frágil. Além disso, é preciso verificar um por um todos os abrigos noturnos — pode haver cidadãos ainda em pânico trancados lá dentro. Se o óleo sagrado acabar nesses abrigos… esses refugiados apavorados podem se tornar um grande problema.”
Vanna assentiu: “Entendido. Assim que terminar aqui, cuidarei disso pessoalmente. Esta noite, vou liderar a ronda nas áreas mais sensíveis.”
“…Você pode deixar isso com seus assistentes”, disse Valentine, com um olhar preocupado para a jovem inquisidora à sua frente. “Assim que terminar suas tarefas, vá descansar. Você ainda está ferida.”
“Desde que voltei à catedral, minhas feridas praticamente se curaram”, Vanna respondeu prontamente, lançando um olhar de cima abaixo no velho à sua frente. “E o senhor estava bem pior do que eu…”
“Não é a mesma coisa!” retrucou Valentine, sério. “Eu fui restaurado após a contaminação histórica. Você, por outro lado, atravessou o véu duas vezes e massacrou o caminho inteiro cidade afora. Posso ver claramente o quão esgotada você está.”
Vanna não respondeu. Apenas se virou em silêncio, levantando o rosto e fitando a estátua da Deusa da Tempestade, Gamona, à luz trêmula de velas e lampiões a gás. Um silêncio pesado recaiu sobre a catedral — até que Valentine finalmente quebrou a quietude:
“No que você está pensando?”
“Estou pensando em como vou escrever a segunda metade deste relatório”, suspirou Vanna. “Quando Sua Santidade, a Papa, pedir esclarecimentos sobre o que aconteceu em Pland… como vamos explicar o fim de tudo isso?”
A expressão de Valentine naquele momento… ficou difícil de descrever.
“De certo modo… bem, na verdade, nem precisa ser ‘de certo modo'”, o velho bispo lutou por um momento com as palavras antes de, como Vanna, suspirar. “O fato é que a chegada do Banido extinguiu a contaminação histórica trazida pelos Pregadores do Fim e impediu o nascimento do Sol Negro no mundo físico. Embora ainda não saibamos quais foram as intenções daquele capitão fantasma, não há dúvidas de que…”
Valentine se calou. Após quase meio minuto de silêncio, foi obrigado a concluir, em voz grave:
“Pland sobreviveu graças à chegada do Banido.”
“Talvez ele estivesse atrás do Fragmento do Sol”, disse Vanna, embora guardasse muito mais pensamentos do que expressou em voz alta. “Você se lembra do ‘Carvalho Branco’? Ele teve um confronto direto com o Banido, e saiu inteiro — apenas a Anomalia 099 foi levada. Talvez o objetivo do ‘Capitão Duncan’ seja muito mais simples do que todos imaginam.”
“Roubar um Fragmento do Sol não é o mesmo que capturar uma anomalia”, retrucou Valentine, balançando a cabeça. “Mas você tem razão — essa é, no momento, a única explicação plausível. Se Sua Santidade precisar de um parecer, é o máximo que poderemos oferecer… o resto, teremos de relatar com fidelidade, e deixar que os clérigos da Catedral da Tempestade tirem suas próprias conclusões.”
Vanna assentiu suavemente e voltou seu olhar para a estátua da deusa.
“Seu espírito ainda está inquieto”, disse Valentine, que a conhecia havia anos e logo percebeu que havia algo errado. “Vanna, já falamos sobre a cidade e a igreja. O que mais está abalando sua fé?”
“Eu… estou bem.”
“Nos conhecemos há muito tempo”, respondeu Valentine, balançando a cabeça. “Mesmo que em termos eclesiásticos tenhamos o mesmo nível, você sempre me viu como alguém de confiança — e posso ver que desde que voltou, tem algo diferente. O que aconteceu, de verdade?”
Vanna permaneceu em silêncio por um tempo. Fitou a estátua da deusa velada e, depois de um momento, baixou os olhos e encarou o próprio corpo.
As palavras de Dante Wayne ainda ecoavam em sua mente.
Naquela noite, onze anos atrás, no incêndio que os Pregadores do Fim usaram para dar início à contaminação histórica… seu tio, na verdade, não conseguiu salvá-la.
Aquele incêndio foi o ponto de ruptura, o marco entre ‘história verdadeira’ e ‘história falsa’. Os que morreram naquela noite… de fato morreram. E foi a partir dali que a destruição e a salvação de Pland se dividiram em duas linhas totalmente opostas.
Ou seja, ela — que morreu naquela noite — não deveria estar viva.
Foi a ‘Bênção do Subespaço’ que a manteve viva até hoje.
E ela ainda ouvia os gritos insanos daquele pregador no topo do campanário:
【”Você morreu e renasceu, e renascerá para morrer de novo…”】
Ela havia morrido e renascido.
Mas ainda não havia renascido para morrer.
A chegada do Banido interrompera tudo isso.
Agora, ela ainda estava ali, de pé, respirando o ar do mundo físico, desfrutando do calor dos vivos.
Até mesmo a Deusa da Tempestade ainda lhe concedia bênçãos. A força restauradora do vento marinho curara completamente os ferimentos que sofrera na batalha.
E pela primeira vez em sua vida, Vanna teve uma dúvida em relação à sua fé.
Será que… a Deusa da Tempestade realmente não se importava com o fato de que ela sobreviveu graças à ‘Bênção do Subespaço’?
E essa dúvida, ao se desdobrar e crescer, levou Vanna a uma percepção ainda mais perturbadora —
Se os Pregadores do Fim e o Capitão Duncan estavam certos, então toda a cidade-estado de Pland, neste momento, já estava impregnada pelas chamas do Banido. Cada pessoa da cidade, até mesmo a terra sob seus pés, já era um ‘herege profanado’.
No entanto… as bênçãos continuavam a se manifestar dentro da Catedral. Todas as preces dos sacerdotes do Mar Profundo continuavam a ser ouvidas, como sempre.
Pela primeira vez em sua vida, Vanna começou a duvidar da fé que sempre sustentou.
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