Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    A estátua da Deusa da Tempestade, Gamona, permanecia silenciosa na Catedral — majestosa, misteriosa, imperturbável, como sempre.

    Aquele véu sobre seu rosto parecia cobrir não apenas sua face, mas também algum tipo de elo entre o mundo dos mortais e o divino. Pela primeira vez, Vanna percebeu que, na verdade, ela não compreendia — nem mesmo entendia — a natureza da divindade a quem sempre dedicara sua fé.

    Sempre tomara por certo tudo o que dizia respeito às tempestades e ao mar profundo. Nunca, até aquele dia, havia se questionado sobre esses assuntos. Nunca havia tentado analisar sua relação com a deusa a partir de uma perspectiva crítica.

    Um calafrio percorreu seu corpo e ela despertou subitamente daquele devaneio. O coração disparava e uma camada de suor frio cobria suas costas.

    Pensamentos dão origem à heresia, e os deuses não devem ser sondados.

    Ela não conseguia acreditar que ideias tão próximas da blasfêmia haviam surgido em sua mente — questionar as ‘ações’ da deusa… isso beirava o sacrilégio.

    Mas, no instante seguinte, uma suave sonoridade de ondas surgiu ao seu redor. A sensação de ser observada e consolada pela deusa emergiu como de costume, aliviando suas dores acumuladas e acalmando seu espírito exausto.

    Mesmo ali, mesmo com pensamentos tão instáveis atravessando sua mente, a deusa seguia… presente. Seria isso porque os deuses não têm consciência? Ou porque a divindade simplesmente… não se importa?

    “…Você tem certeza de que não quer descansar?” A voz de Valentine irrompeu ao seu lado, interrompendo mais um de seus devaneios. O velho a observava com preocupação — não se lembrava de já ter visto Vanna tão ausente diante da estátua da deusa. “Você parece exausta… Feridas físicas cicatrizam rápido, mas o cansaço da alma é bem mais complicado.”

    “Eu…” A expressão de Vanna hesitou. “Talvez eu esteja realmente um pouco cansada.”

    “Então vá descansar, deixe o resto comigo”, disse Valentine imediatamente. Antes que ela pudesse responder, ele já completava: “Recebi uma mensagem há pouco. O senhor Dante já retornou em segurança à residência. Imagino que… sua família precise de você agora. E você também precisa deles.”

    “Tio…” Vanna ficou por um momento paralisada, recordando-se da despedida que tivera com seu tio. Um sentimento estranho e confuso a tocou no íntimo, desfazendo sua última resistência. “Tudo bem, eu vou. Deixo o restante com o senhor.”

    “Vá tranquila”, assentiu Valentine. “Que a tempestade lhe seja favorável.”

    “…Que a tempestade me proteja”, respondeu Vanna em voz baixa.

    Um automóvel a vapor de tom cinzento-escuro saiu da praça em frente à catedral e, após passar por um posto de controle nas vias centrais da cidade, seguiu primeiro na direção da residência do Governador.

    Vanna estava no banco do carona. Quem dirigia era Heidi, que havia acabado de concluir seu próprio interrogatório dentro da igreja.

    “Obrigada. Ainda tive que te incomodar pra me trazer”, disse Vanna, observando a paisagem correr do outro lado da janela. Sua voz era suave. “Você podia ter saído mais cedo.”

    “Não precisa disso comigo”, respondeu Heidi, segurando o volante enquanto vigiava o tráfego. “E, na verdade, nem dava pra sair antes. Aquele jovem acólito me bombardeou com perguntas… e no fim ainda me fez queimar um monte de incenso. Tudo parte das ‘medidas de segurança’. Quando terminei, já estava perto do entardecer.”

    Vanna observava pela janela e via os guardas da cidade patrulhando as ruas, cidadãos assustados atravessando apressados as avenidas, e outros tantos — aparentemente recém-saídos dos abrigos — tentando se informar com quem passava. De tempos em tempos, via-se um oficial de segurança com um megafone em mãos, transmitindo atualizações à população:

    “A cidade-estado foi alvo de fenômenos anômalos. O perigo já foi eliminado. Um toque de recolher de nível três entrará em vigor nesta noite…”

    Pland parecia alguém que acabara de se recuperar de uma doença grave. A ordem ainda era instável por toda a cidade-estado, mas mesmo essa confusão e tensão transmitiam a Vanna uma sensação indescritível de alívio e… calor.

    O medo e a inquietação eram provas de que ainda estavam vivos — somente quem sobrevive a um desastre tem o direito de sentir ansiedade neste momento. E o sol que nasceria no dia seguinte seria o maior consolo que Pland poderia receber.

    “Você tá bem? Parece exausta”, comentou Heidi, mesmo dirigindo, ao notar o cansaço e a dispersão no olhar da amiga. “Desde pequena nunca vi você assim — sempre achei que você tinha sido forjada numa fornalha.”

    “…Se eu te dissesse que atravessei a cidade inteira sozinha no meio da chuva de fogo, você acreditaria?” Vanna olhou de relance para a amiga. Desde que haviam deixado a catedral, sua tensão havia diminuído aos poucos. “Tô morta de cansaço.”

    “Acredito, claro que acredito. Sendo você, até se dissesse que voltou do Subespaço eu acreditava”, respondeu Heidi sem nem piscar, balançando a cabeça com convicção. Em seguida, lançou um olhar de cima a baixo na amiga. “Agora tudo faz sentido pra esse estado deplorável…”

    Vanna se encolheu levemente sob aquele olhar: “Você… tá me olhando estranho.”

    “É que me veio uma ideia”, respondeu Heidi, séria. “Você não quer passar no Centro de Apoio Matrimonial agora?”

    “…Por quê?”

    “Olha, é raro te ver tão debilitada assim. Talvez agora exista alguém que consiga te derrotar — e isso não fere aquele teu segundo juramento de sempre lutar com tudo o que tem”, a mente de Heidi já voava longe, completamente alheia ao olhar cada vez mais contorcido de Vanna. “Porque depois que você descansar e dormir uma noite, vai voltar a ser invencível, e aí o Centro Matrimonial vai continuar tendo que mandar gente pro hospital toda semana…”

    Vanna fechou lentamente os punhos.

    O som do ar estalando bastou para que Heidi se calasse imediatamente.

    Dois segundos de silêncio se passaram, e Heidi murmurou:

    “Se não quer, tudo bem também… Desde pequena você vive me ameaçando… até meu lanche você levava…”

    O carro ficou em silêncio. Após alguns segundos, Vanna falou em voz baixa:

    “Obrigada. Me sinto muito mais tranquila agora.”

    “Claro, né? Afinal, sou a melhor psiquiatra de Pland — e você vai precisar estar com o espírito em ordem pra encarar o senhor Dante”, disse Heidi, com um sorriso satisfeito de quem teve sucesso no plano. Em seguida, estacionou o carro com suavidade. “Chegamos. Vai lá, minha cavaleira invencível — hoje todos nós ganhamos uma vida nova.”

    Ganhamos uma vida nova…

    Heidi havia falado como quem apenas jogava palavras ao vento, mas Vanna se lembrou, de repente, de uma frase dita com frequência pelos seguidores do Culto da Morte:

    〖A sobrevivência não é um direito inato — é algo cujo preço foi pago antecipadamente.〗

    Vanna abaixou o olhar, inspirou fundo, agradeceu à amiga e se despediu. Em seguida, desceu do carro e caminhou em direção à porta de casa, não muito distante dali.

    Heidi permaneceu dentro do carro, observando em silêncio enquanto Vanna se afastava. Após alguns instantes, ligou o motor, virou o veículo e seguiu em direção à própria casa.

    Será que o papai está bem? Se ele também está bem… então, o que será que está fazendo agora?


    Do lado de fora da cabine, raios cortavam o céu e trovões retumbavam. Uma tempestade rugia, com ventos violentos e ondas colossais se chocando contra o casco elevado do Banido. Sob a superfície escura e profunda do mar, parecia haver alguma criatura indescritível, enfurecida, lançando uma torrente de ódio contra este mundo.

    Através da vigia, era possível ver a silhueta flamejante de um gigante em pé na proa do navio, envolto em correntes em chamas que mergulhavam no mar. Debaixo d’água, uma monstruosidade com tentáculos — de tamanho quase equivalente ao do Banido — se contorcia com fúria, emergindo e lançando à superfície seus apêndices cobertos de olhos e dentes afiados, tentando se agarrar ao convés ou libertar-se das correntes… ou talvez expulsar o Banido deste trecho do mar.

    Dentro da cabine, iluminada pela luz quente das lamparinas a óleo de baleia, a tensão era palpável. Shirley tremia enquanto se agarrava ao Cão, com o rosto pálido de puro pavor. O Cão, por sua vez, esforçava-se para esticar o pescoço e não ser estrangulado pela corrente, enquanto perguntava a Alice:

    “Vo-vo-vo… você tem certeza que o… o capitão tá pescando?!”

    “Claro”, respondeu Alice com absoluta tranquilidade, assentindo com seriedade — como se achasse a surpresa deles um exagero ridículo de citadinos. “Pescaria é o maior hobby do capitão.”

    “Agora tudo faz sentido…” murmurou Shirley, como se uma revelação divina lhe tivesse atingido. Com o rosto contorcido, ela virou-se para o Cão e desabafou: “Se eu soubesse disso antes… quando comi aquele peixe…”

    Ela não chegou a terminar. Do outro lado da mesa, Morris, que estava de olhos fechados até então, subitamente os abriu, arregalados de horror.

    “Você… comeu um peixe que o senhor Duncan pescou… quer dizer, ‘aquele peixe’?”

    “Eu não sabia!” choramingou Shirley, quase em prantos, e então virou-se para Nina. “Você também não me contou que o peixe do seu tio era… era isso!”

    “Nem eu sabia”, respondeu Nina, balançando a cabeça. Sua expressão, no entanto, não demonstrava o mesmo pavor que os outros — ela parecia até… animada. Debruçada sobre a mesa, olhava curiosa para a cena através da vigia. Os tentáculos gigantes não lhe causavam medo, apenas despertavam um interesse genuíno. “O que será que acontece com essas coisas pra virarem peixe no fim das contas?”

    Sinceramente, o comportamento atual de Nina na verdade não é diferente de quando ela estava na cidade-estado. Ela continua tão animada e tão alegre como sempre, cheia de energia e luz. Mas esse tipo de comportamento, que é perfeitamente normal em uma cidade-estado pacífica, acaba sendo um tanto assustador no ‘cenário de pesca’ do Banido. Foi nesse contexto que Shirley finalmente percebeu o lado extraordinário de Nina: “…Vocês, tio e sobrinha, são realmente assustadores… Sério…”

    Nina coçou a cabeça, sem entender: “É mesmo? Eu acho que está tudo bem…”

    Nesse momento, Alice se levantou repentinamente e caminhou em direção à porta.

    Shirley se alarmou na hora: “Ei, pra onde você vai?!”

    “Preparar o jantar, ora”, respondeu Alice, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. “O capitão já tá quase terminando de lidar com o peixão.”

    Alice saiu, e os ‘visitantes’ acidentais ficaram se entreolhando, atônitos.

    “Eu… eu quero voltar pra casa…” murmurou Shirley, apertando o Cão ainda mais forte, prestes a chorar.

    A luz vermelha nos olhos do Cão piscava fracamente: “Você vai me enforcar…”

    Morris, então, suspirou pesadamente.

    Nina, intrigada, perguntou: “Professor, por que o senhor suspirou?”

    “Porque acho que, quando eu voltar pra casa, vou escrever um livro”, disse Morris, estendendo as mãos num gesto de rendição. “Só estou com medo de que minha filha ache que eu enlouqueci…”

    Nina: “…?”

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