Capítulo 22: Código dos Tripulantes
Alice parou diante da porta da cabine do capitão.
A senhorita boneca ergueu a cabeça e olhou para a pesada porta de carvalho escuro à sua frente. Seus olhos fixaram-se na inscrição em belas letras cursivas gravadas no batente:
⦗The door of Banished1⦘
Não era estranho que o batente da porta da cabine do capitão do Banido tivesse essa frase, mas Alice franziu ligeiramente a testa. Não era a porta que despertava sua curiosidade, mas sim o motivo pelo qual ela conseguia entender as ‘palavras’.
Ela não tinha nenhuma lembrança de aprender a ler. Na verdade, ela não possuía memória de ‘aprender’ absolutamente nada, muito menos de adquirir experiências para se movimentar pelo exterior ou dialogar com outras pessoas. Ainda assim, esse conhecimento simplesmente existia em sua mente, de forma natural.
Alice conseguia compreender as letras no batente da porta da cabine do capitão, assim como entendia os propósitos dos vários objetos dispostos no interior daquele cômodo. Era evidente que apenas ouvir as conversas do lado de fora enquanto estava deitada em uma caixa de madeira não seria suficiente para adquirir tais conhecimentos. Então, de onde eles vinham?
Antes de hoje, Alice nunca havia pensado sobre isso. No entanto, por algum motivo, depois de conversar com o ‘Capitão Duncan’, um conceito de ‘curiosidade’ emergiu em sua mente, que, até então, deveria funcionar de maneira eternamente tranquila e inabalável.
Ela se lembrou cuidadosamente. A mudança parecia ter começado quando Duncan perguntou sobre a origem do nome ‘Alice’. Naquele instante, ela começou a questionar algumas das coisas que até então considerava naturais em sua mente e tentou se lembrar da origem do próprio nome. Foi então que algo em sua consciência se afrouxou.
Alice não sabia se essa ‘frouxidão’ era boa ou ruim, mas não gostava dessa sensação de confusão. Por isso, rapidamente sacudiu a cabeça, afastando a dúvida de sua mente. Depois, ajustou sua postura diante da porta da cabine do capitão, colocou a mão na maçaneta de carvalho e empurrou-a suavemente para frente.
A porta não se moveu.
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Alice ficou momentaneamente perplexa e tentou empurrá-la novamente, mas sentiu como se a porta de madeira fosse feita de aço sólido, completamente imóvel.
Logo em seguida, quando ela estava prestes a tentar mais uma vez, uma voz ressoou de dentro da cabine:
A voz era rouca e profunda, como se emanasse de um pedaço de madeira podre:
“A porta abre para fora, senhorita.”
Essa voz não era do Capitão Duncan. Alice levou um susto, mas logo se recompôs, soltando um apressado “Ah!” antes de puxar a porta para fora. Desta vez, a porta abriu-se com facilidade.
Só então ela se lembrou de que, quando o capitão a trouxe até ali pela primeira vez, ele realmente puxou a porta para fora.
Parece que os ‘conhecimentos cotidianos’ que haviam surgido espontaneamente em sua mente eram, no final das contas, apenas isso: conhecimento. Sua falta de experiência prática, fruto de anos adormecida dentro de uma caixa de madeira, era evidente. Com um leve suspiro de autorreflexão, Alice inclinou a cabeça com cuidado, espiando para dentro da cabine do capitão.
A cabine estava vazia.
Aquela mesa de navegação chamativa permanecia sob a luz da lâmpada, com o mapa marítimo sobre ela emitindo um leve véu de névoa. No entanto, o que chamou a atenção de Alice foi a escultura em madeira de cabeça de bode, que, posicionada à borda da mesa, virou seus olhos de obsidiana para encará-la fixamente.
“Entre, senhorita. O capitão está ocupado no momento, mas você pode esperá-lo aqui”, disse o Cabeça de Bode. Sua voz era mais cortês do que Alice havia imaginado. “E, por favor, evite espiar assim. Isso pode incomodar algumas entidades nervosas a bordo do Banido. Elas podem interpretar isso como uma afronta, e acalmá-las seria complicado. Além disso, se sua cabeça cair de novo, será um problema – eu não tenho mãos para ajudar a recolhê-la.”
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Ele realmente estava falando! Aquele pedaço de madeira estava realmente falando!
Embora o Capitão Duncan já tivesse mencionado que a cabeça de bode na mesa de navegação era capaz de falar, ouvi-la de repente, e ainda mais com tantas palavras, deixou Alice atordoada. Depois de um instante, ela conseguiu responder:
“Ah, certo. Mas, na verdade, minha cabeça não cai tão facilmente assim. Da última vez que a coloquei no lugar, fiz um ajuste bem firme. Espere… você mencionou que há algumas entidades nervosas no Banido. Isso significa que nesta embarcação há outros como você?”
Só então Alice percebeu as implicações das palavras do Cabeça de Bode. Com um misto de surpresa e apreensão, ela olhou ao redor, como se de repente sentisse que cada canto da cabine do capitão – e talvez de todo o Banido – estivesse repleto de objetos tão estranhos quanto o próprio Cabeça de Bode. Naquele instante, parecia que tudo ao seu redor oscilava na penumbra, transformando-se em coisas igualmente bizarras e inquietantes.
O Cabeça de Bode, com sua voz ainda calma, respondeu:
“Isso te surpreende? Para fazer uma embarcação deste tamanho funcionar, é necessário muito trabalho. Você realmente acreditava que o grande Capitão Duncan se ocuparia em esfregar o convés com as próprias mãos?”
Era um argumento difícil de refutar. O recém-desperto e ainda confuso raciocínio de Alice não conseguia identificar exatamente o que estava errado, mas, após refletir por alguns instantes, ela acabou concordando com um aceno de cabeça.
“Faz sentido… então o Banido tem muitos outros como você?”
“O capitão tem apenas um assistente verdadeiramente leal. O restante é composto por uma cambada de figuras com pouca capacidade de raciocínio, então não se preocupe em tentar se comunicar com elas – elas também não têm o menor interesse em falar com ninguém”, disse o Cabeça de Bode, interrompendo Alice antes que ela pudesse terminar sua pergunta. “Mas, considerando que você é nova a bordo, é natural que não entenda muitas regras e fundamentos. Como o imediato mais leal, o segundo imediato e… enfim, como o braço direito do Capitão Duncan, é meu dever compartilhar alguns conhecimentos essenciais para sobreviver neste navio. Afinal, o capitão não vai se rebaixar a ensinar isso a um novato… Senhorita, está pronta?”
Alice, completamente atordoada, mal conseguia acompanhar o fluxo incessante de palavras do Cabeça de Bode. Ela já havia esquecido o motivo original que a trouxera à cabine do capitão. Cada vez que o artefato falava, era como se despejasse uma torrente de palavras que a deixava sem reação. O momento mais confuso foi quando ele começou a listar uma série de títulos próprios. Sua mente ficou tão sobrecarregada que ela só conseguiu responder com um reflexo automático:
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“Ah… sim, claro… estou pronta?”
“Muito bem! A seguir, vou compartilhar algumas regras indispensáveis para os tripulantes do Banido. Essas normas ajudarão os novatos a se adaptarem mais rapidamente ao ambiente e a receberem plenamente a proteção do Banido e do grande Capitão Duncan enquanto navegamos pelas perigosas águas do Mar Infinito.”
O Cabeça de Bode pareceu satisfeito com a resposta de Alice. Enquanto falava, ele balançava a cabeça de madeira com um ar visivelmente orgulhoso:
“Primeira regra: O Capitão Duncan é o soberano absoluto do Banido. Ele está sempre certo. Mesmo que a realidade entre em conflito com as palavras do Capitão Duncan, a interpretação do capitão deve prevalecer.
“Segunda regra: Nenhum tripulante pode se mover em áreas que o Capitão Duncan não tenha autorizado. Qualquer área que não esteja explicitamente aberta pelo capitão simplesmente não existe – e não se deve dar nem um passo para dentro delas.
“Terceira regra: Caso você entre em uma área não autorizada e, por sorte, consiga sobreviver temporariamente, permaneça exatamente onde está. Espere que o Capitão Duncan venha buscá-la ou aceite seu destino com calma. Sob nenhuma circunstância você deve tentar retornar por conta própria, pois o lugar para onde voltará não será o Banido.
“Quarta regra: O Banido sempre navega na rota correta. Nunca questione os planos de navegação do capitão. Se você perceber que a paisagem ao redor do Banido não é o que esperava ou que o navio entrou em mares mais ‘profundos’, lembre-se: isso faz parte do plano de navegação.
“Quinta regra: O Capitão ocasionalmente se ausenta do navio, mas ele sempre retorna. Durante sua ausência, o Banido continuará navegando normalmente, mas nenhum tripulante deve, sob hipótese alguma, se aproximar da estação de comando na popa. O sistema do leme fica ansioso quando o capitão está fora e as cordas da popa estrangularão qualquer um que demonstre a menor intenção de ‘usurpar’ o comando.
“Sexta regra: No Banido, as regras básicas para os tripulantes são exatamente seis.
“Sétima regra: A porta da cabine do capitão abre para fora.
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O Cabeça de Bode parecia já ter explicado essas ‘normas básicas’ inúmeras vezes a novos tripulantes. Ele as recitou com uma fluidez impressionante, como se fosse um discurso ensaiado. No entanto, quando Alice ouviu as duas últimas regras, algo imediatamente pareceu errado.
“Espere um momento, senhor Cabeça de Bode. Na sexta regra, você disse…”
“Sexta regra: No Banido, as regras básicas para os tripulantes são exatamente seis”, O Cabeça de Bode respondeu prontamente, sem qualquer hesitação ou pausa.
Alice começou a duvidar se o problema estava com ela ou com o ‘primeiro imediato’ à sua frente. “Mas você acabou de mencionar uma sétima regra…”
“Sétima regra: A porta da cabine do capitão abre para fora”, repetiu com a mesma naturalidade de antes.
Alice ficou olhando para o Cabeça de Bode, aquela escultura escura e enigmática sobre a mesa. Primeiro, ela começou a questionar sua audição, depois, sua capacidade mental. Então, percebeu que, tecnicamente, não possuía um cérebro. Confusa, decidiu perguntar de novo:
“Essas duas regras… elas não são contraditórias?”
“De forma alguma.”
O tom confiante da resposta e os olhos vazios de obsidiana do Cabeça de Bode a deixaram sem palavras. Alice abriu a boca para continuar questionando, mas, de repente, engoliu todas as suas dúvidas e permaneceu em silêncio.
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- A Porta do Banido, no original estava em inglês, então resolvi deixar em inglês também.⤶
Capítulo Revisado dia 26/01/2025.
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