Capítulo 227: O Impacto Persistente
A vacilação de um devoto tende a ocorrer duas vezes. A primeira é quando ele começa a questionar a própria fé. A segunda é quando, mesmo após questionar sua fé, a divindade ainda lhe concede uma bênção.
Um ruído, sutilmente sobreposto, ora distante, ora próximo, vago, mas definitivamente presente, começou a ressoar na mente de Vanna. Era como um zumbido em seus ouvidos. Ela se lembrou da projeção da deusa que vira na ilusão e das palavras incompreensíveis que a deusa lhe dissera. Diferente de antes, quando aceitava tudo sem pensar, agora ela começou a refletir seriamente sobre o significado daquelas palavras, tentando até mesmo decifrar a… intenção de Gomona.
Quanto mais pensava, mais nítido se tornava o ruído sutil em sua cabeça, dificultando sua concentração.
De repente, todo o ruído desapareceu. Ela balançou a cabeça, um pouco atordoada, e encontrou o olhar preocupado do Bispo Valentine.
“Você está bem?”, perguntou o ancião, um tanto preocupado.
“Eu… estou bem”, Vanna bateu de leve na testa e, em seguida, olhou para o seu superior com uma expressão estranha. “O senhor também…”
“No momento em que a última badalada do sino soou, eu vacilei… Não há por que esconder. Afinal, não possuo a mesma vontade impecável dos santos registrados no templo”, disse Valentine, balançando a cabeça e falando com franqueza para Vanna. “Eu me questionei por que a corrupção e a infiltração daqueles Pregadores do Fim chegaram a tal ponto, por que a proteção da Catedral ainda não conseguiu impedir o sacrifício daqueles hereges solares… e por que, com a crise se alastrando por mais de uma década, a deusa não nos deu um único aviso…”
Ele se interrompeu, virou-se e contemplou a estátua sagrada de Gomona. A imagem de pedra fria também o fitava, em seu silêncio de sempre.
“Quando despertei novamente, senti uma vergonha imensa. Eu sabia que havia cometido o maior erro descrito no ‘Códice da Tempestade’: tratar a proteção da deusa como uma panaceia e, com isso, abalar minha própria vontade. Mas, mesmo assim, essas dúvidas criaram raízes e permanecem até agora.”
“…Os inimigos se infiltraram e romperam nossas defesas por dentro. Eles planejaram isso por muitos anos. Foi um ataque surpresa difícil de deter”, disse Vanna em voz baixa, após um momento de silêncio. “Os hereges sempre se aproveitam das brechas. Isso não significa que o poder da deusa possa ser facilmente subvertido.”
“Eu entendo esse princípio”, Valentine sorriu. “É por isso que digo que, mesmo com um pouco de vacilação, minha fé permanece. A deusa protege nosso mundo de forma tangível, e essa compaixão é real. Acontece que… tive alguns pensamentos desnecessários.”
“O pensamento gera heresia, Bispo Valentine”, disse Vanna com uma expressão séria, mas logo suspirou, como se falasse para si mesma. “O mesmo vale para mim.”
“Então, que vejamos isso como uma provação”, disse Valentine suavemente. “Para nós dois.”
Vanna não disse mais nada. Apenas se aproximou da estátua da deusa, inclinou levemente a cabeça e começou sua oração silenciosa, como de costume.
Pouco depois, o som de passos quebrou a tranquilidade da Grande Catedral.
Vanna despertou de sua oração e olhou na direção do som. Viu um sacerdote de meia-idade, vestindo trajes clericais, aproximando-se apressadamente. O sacerdote primeiro fez uma reverência à estátua e, em seguida, entregou um documento a Valentine: “Arcebispo, aqui está o relatório que o senhor pediu.”
Valentine agradeceu com um aceno de cabeça, pegou o documento e, após folhear algumas páginas rapidamente, sua expressão tornou-se visivelmente estranha.
“O que é isso?”, perguntou Vanna, curiosa ao ver a reação dele. “O que diz aí?”
“…É uma investigação inicial sobre a situação da cidade-estado após o desastre… enviado pela prefeitura”, Valentine franziu a testa, parecendo um pouco hesitante, mas no fim entregou o arquivo diretamente para Vanna. “Veja você mesma.”
Vanna pegou o documento, intrigada. Logo no início, soube do que se tratava: um relatório preliminar de danos, algo com que estava muito familiarizada. Incluía informações sobre danos ou alterações em várias partes da cidade-estado após o desastre, se havia pessoas desaparecidas ou “adicionadas”, e se havia áreas com poder sobrenatural residual… O início não tinha nada de mais, basicamente indicava que toda a cidade-estado havia sido restaurada ao estado anterior ao desastre. No entanto, o conteúdo seguinte a fez entender instantaneamente a expressão estranha do Bispo Valentine.
“…Comerciantes da zona portuária relatam o desaparecimento misterioso de uma grande quantidade de batatas fritas. O relatório de perdas ainda menciona ketchup…” A jovem Inquisidora ergueu a cabeça com uma expressão vazia, encarando Valentine, que tinha a mesma expressão do outro lado. “…É sério?”
“Que tal você liderar uma equipe e ir lá perguntar pessoalmente?”, o canto da boca de Valentine tremeu. “Teoricamente, ninguém se atreveria a falsificar um relatório como este.”
Vanna segurou o relatório, sem conseguir dizer uma palavra por um bom tempo.
Depois de se conter por um longo momento, ela finalmente soltou: “Por que um conteúdo como este apareceria em um relatório tão sério…”
Valentine respondeu, inexpressivo: “Temos um esquadrão inteiro de guardiões monitorando as batatas fritas do cais. O que você acha?”
Vanna: “…”
“…Resumindo, a ‘coisa’ mencionada no relatório é, até agora, a única perda conhecida na cidade-estado”, Valentine suspirou. Em seguida, pareceu hesitar por um instante antes de olhar nos olhos de Vanna. “Que tal você perguntar diretamente na próxima vez que se encontrarem?”
Vanna ficou perplexa: “Perguntar? Perguntar a quem?”
“…Quem você acha?”
Vanna: “…”
Após um instante, a jovem Inquisidora finalmente não aguentou mais e esfregou a testa: “Sinto que meu raciocínio está ficando desconexo. Só para confirmar, nós deveríamos estar discutindo assuntos muito sérios aqui, certo?”
“O meu também não conecta”, disse Valentine, com o rosto sério.
Vanna ficou em silêncio, mas de repente teve um pensamento estranho: se isso também fosse uma “influência” daquele capitão fantasma, ele… em certo sentido, era realmente assustador.
Nesse momento, outro som de passos veio da entrada, interrompendo novamente os pensamentos de Vanna e Valentine. Um sacerdote se aproximou apressadamente da estátua.
“Arcebispo, Inquisidora, chegaram notícias da zona portuária…”
O sacerdote fez uma reverência e começou a falar rapidamente, mas mal havia começado quando Vanna, ao ouvir “zona portuária”, não pôde deixar de interrompê-lo: “Pare! Já sabemos sobre as batatas fritas, não precisa relatar duas vezes!”
“…Batatas fritas?”, o sacerdote pareceu confuso, olhando atônito para a Inquisidora, que geralmente era tão calma e respeitável. “Que batatas fritas?”
“Ah… você não ia relatar sobre as batatas fritas?”, Vanna percebeu a situação e ficou um pouco envergonhada, tossindo duas vezes para disfarçar. “Pensei que era outro relatório… Não se importe, continue. O que aconteceu na zona portuária?”
Enquanto falava, ela não pôde deixar de suspirar internamente: ‘Ainda bem que não são as batatas fritas. Pelo menos não preciso me envolver com aquele terrível capitão fantasma de novo.’
O sacerdote que veio relatar assentiu, com o rosto sério: “Chegaram notícias da zona portuária de que o Névoa do Mar está solicitando permissão para atracar. Tyrian Abnomar deseja entrar em contato com a Catedral o mais rápido possível. Ele traz notícias relacionadas ao Banido.”
Vanna explodiu em uma crise de tosse estrondosa.
O sacerdote se assustou com o barulho: “…Senhora Inquisidora?”
“Estou bem”, disse Vanna, finalmente conseguindo parar de tossir com grande esforço. Ela sentia que, desde que o Banido desfilou descaradamente pela cidade-estado, nada mais parecia o mesmo. Não sabia explicar, mas parecia que muitas coisas ao seu redor estavam mudando. Chegou a pensar em culpar aquele navio fantasma pelo sol da manhã, que havia atrasado quinze minutos. “Névoa do Mar? Sei que enviamos uma carta ao seu mestre, mas nunca recebemos resposta…”
“O Névoa do Mar chegou, de fato. E parece que já estava perto da costa de Prand antes mesmo daquele ‘desastre’”, o sacerdote assentiu imediatamente. “Mas, de acordo com a mensagem enviada pelo navio, ele encontrou inesperadamente o Banido nas águas orientais e uma batalha feroz eclodiu. Devido a danos no sistema de propulsão, precisou de reparos e só recuperou a capacidade de navegar na noite passada.”
“Combateu o Banido?!”, a expressão de Vanna finalmente ficou séria, percebendo a importância do assunto. Ela se virou para Valentine. “Preciso ir pessoalmente.”
“Muito bem”, Valentine assentiu na mesma hora. “O Névoa do Mar é um navio especial. Embora seja um dos ‘nossos’, os membros de sua tripulação podem causar pânico e tensão entre as pessoas comuns no cais. Se você for pessoalmente liderar a recepção, deve conseguir acalmar os ânimos.”
Vanna concordou e saiu apressadamente da Grande Catedral.
O Névoa do Mar havia chegado. Embora um pouco mais tarde do que o esperado, o imenso navio de guerra, envolto em uma aura de lenda e maldição, cumpriu sua promessa e chegou à cidade-estado de Prand, que havia enviado o pedido de socorro. Agora, o formidável couraçado de aço se aproximava lentamente do píer destinado a embarcações de grande porte, guiado pelos operadores do porto. Algumas pessoas que receberam a notícia se reuniram perto do cais, observando com uma mistura de tensão e curiosidade a aparência daquele gigante de aço.
Logo, as pessoas perto do cais perceberam que o imponente navio de guerra havia chegado ao porto após uma batalha feroz.
Ele estava coberto de cicatrizes. Três de suas seis torres de artilharia principais haviam desaparecido. Por toda a lateral do casco, viam-se buracos assustadores, como se pedaços tivessem sido “arrancados” por algo. Um terço da ponte de comando estava destruído, com danos terríveis que se estendiam da lateral da ponte até o cinturão principal de blindagem. Até mesmo perto da linha d’água, na lateral do casco, era possível ver vários buracos pavorosos.
Se esses danos estivessem em um navio de guerra comum, ele já teria afundado várias vezes.
Mas o Névoa do Mar ainda flutuava tenazmente sobre as ondas. Os buracos em seu casco pareciam ter vida própria; uma substância macia e com brilho metálico já havia vedado firmemente os pontos de vazamento, e a água do mar que se infiltrava nos porões era constantemente expelida para fora. As bombas do Névoa do Mar estavam desligadas, então a água simplesmente escorria pela lateral do casco, como se… uma pessoa estivesse suando.
Era um avançado navio de guerra de aço e, ao mesmo tempo, um navio amaldiçoado, cheio de anomalias. Todos que estavam no cais viram claramente as características de “ser vivo” que o navio exibia, e a curiosidade dos espectadores se misturou com um toque de horror. Sussurros se espalharam por toda parte.
Foi somente quando vários imponentes Caminhantes a Vapor apareceram no cais que a figura alta de Vanna trouxe silêncio a muitos.
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