Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 27: Conhecimento Insuficiente Sobre o Mundo
De certa forma, a visão daquele céu sem estrelas nem lua, marcado apenas por uma enorme cicatriz pálida, causou um impacto em Duncan ainda maior do que a visão do Sol aprisionado em seus anéis rúnicos.
Afinal, por mais anômalo que fosse aquele sol, ele ainda iluminava o mundo sob seus pés. E, dentro da perspectiva de um humano da Terra, o sol não passava de um entre incontáveis astros.
Todos os fenômenos distorcidos que testemunhara até agora estavam limitados ao domínio da luz solar. Mas além da luz do dia, o céu deveria conter um mar de estrelas, repleto de possibilidades infinitas. Mesmo para um ser confinado à gravidade, o céu era a promessa do desconhecido. Dentro dessa lógica, Duncan ainda poderia compreender e aceitar a escala dessas anomalias.
No entanto, ao olhar para a vastidão da noite, ele não encontrou nenhuma estrela. Nenhum ponto brilhante. Nenhuma lua, nenhuma galáxia distante.
Apenas aquela cicatriz fantasmagórica cortando o firmamento, emanando uma luz pálida e enevoada, algo que ele sequer conseguia definir com precisão.
O Mar Infinito inteiro estava imerso naquela claridade fria e espectral.
E, além do sol, mais distante do que qualquer outro ponto de referência, encontrava-se apenas o vazio absoluto — e um mistério ainda maior.
Duncan permaneceu imóvel, encarando o céu, enquanto incontáveis questionamentos giravam em sua mente.
Onde estavam os outros planetas? Eles nunca existiram? Ou será que… o mundo sob seus pés era um corpo celeste isolado no vácuo cósmico, tão distante das estrelas que o céu da noite se tornara uma vastidão escura e sem fim?
E aquela fenda que rasgava os céus… O que era? Uma brecha no tecido do espaço? Alguma estrutura celestial tangível? Ou meramente uma ilusão pairando sobre esse mar traiçoeiro?
“Capitão?”
A voz interrompeu seus pensamentos.
Alice o observava com preocupação, notando que ele havia parado de repente e que sua expressão estava ainda mais sombria e severa do que antes.
“Você está bem? O céu está mudando? Vai haver uma grande tempestade? Eu já ouvi os marinheiros lá fora falando sobre isso antes…”
Duncan respirou fundo e murmurou com voz baixa:
“… Nada.”
Duncan falou em um tom baixo, depois desviou abruptamente o olhar do céu, encarando Alice com uma expressão neutra. Parecia tanto uma resposta para ela quanto um pensamento dito em voz alta para si mesmo:
“Nada. Absolutamente nada.”
“Então, nós…?”
Sem alterar a expressão, Duncan retomou os passos e seguiu em frente.
“Vamos. Vou te levar ao compartimento onde pode tomar banho. Se precisar, esse será o seu lugar para se lavar no futuro.
Mais uma vez, esse mundo revelou ao estrangeiro sua natureza estranha e absurda. E, pelo que parecia, essa estranheza não tinha fim.
Duncan já entendia que havia muitas anomalias ainda à sua espera. Se ele se surpreendesse a cada uma delas, passaria o resto da vida apenas se espantando.
Se havia algo útil que suas décadas de vida na Terra lhe haviam ensinado, era isto:
Se um problema existe, o único caminho é resolvê-lo.
Negar sua existência não o faria desaparecer. Da mesma forma que aquele céu bizarro não se tornaria subitamente repleto de estrelas só porque ele o questionava.
Se esse mundo apresentava tais fenômenos, então devia haver alguma razão para isso. Tudo o que existia tinha um motivo para estar ali. E, por mais absurdo ou irracional que parecesse, aquilo era um fato.
Se ele não conseguia compreendê-lo agora, o problema estava nele, não no mundo.
Como o capitão do Banido, Duncan sentia que teria um longo tempo para entender esse mundo, peça por peça.
Alice, por outro lado, não fazia ideia do que se passava na cabeça de Duncan durante o trajeto. Tudo o que percebia era que a atmosfera ao redor dele ficou subitamente pesada. No entanto, ao chegarem ao destino, essa sensação opressiva desapareceu tão rapidamente quanto surgira.
Duncan havia levado a boneca até o local onde poderia tomar banho.
Era um banheiro reservado para os oficiais do navio — um luxo raro para uma embarcação clássica movida a velas. Em circunstâncias normais, instalações como essa jamais estariam disponíveis para os marinheiros comuns.
Durante a era das grandes navegações, as condições de vida a bordo eram brutalmente precárias: pouca água doce, comida apodrecendo rapidamente, cuidados médicos rudimentares e os efeitos psicológicos devastadores das longas viagens pelo oceano. Mesmo na Terra, muitos desses problemas permaneceram sem solução até os primeiros estágios da Revolução Industrial.
Na Terra, nas primeiras embarcações à vela usadas para navegação oceânica, nem mesmo banheiros eram fornecidos para os marinheiros comuns. Em geral, as ‘necessidades’ eram resolvidas em uma grade voltada para o mar — um procedimento que exigia extrema atenção à direção do vento.
Tomar banho era um desafio ainda maior. Muitos marinheiros improvisavam banheiras com velas de reserva ou simplesmente se lavavam com água do mar. Mas, na maioria dos casos, a solução mais comum era simplesmente não tomar banho por semanas ou até meses.
Afinal, comparado ao escorbuto, à peste negra e às crises de histeria coletiva causadas pelo estresse extremo da vida no mar, questões de higiene pareciam ser a menor das preocupações.
Ironicamente, no Banido, um navio fantasma temido por todos, esses problemas praticamente não existiam.
Os reservatórios de água doce se reabasteciam sozinhos, a comida armazenada não apresentava sinais de deterioração, o capitão fantasma não podia adoecer e as dores no pescoço de Alice certamente não eram causadas pelas dificuldades da navegação.
Se não fosse pela constante frustração de lidar com o Cabeça de Bode, a vida a bordo seria surpreendentemente confortável…
“O cano ao lado da banheira se conecta ao reservatório de água doce. Basta abrir para encher. O ralo está pendurado ali — não o perca. No momento, não temos água quente disponível no navio, mas acho que isso não vai ser um problema para você.”
Duncan apresentou as instalações da cabine a Alice. Apesar de parecerem banais, essas pequenas descobertas eram o resultado de vários dias de exploração a bordo.
“Desde que eu possa me lavar, já está ótimo. Meus encaixes não reagem bem à água salgada.” Alice não parecia nem um pouco exigente. Seus olhos brilhavam com curiosidade e empolgação enquanto observava os detalhes da cabine. “Eu sou apenas uma boneca, então não tenho necessidade de água quente.”
Duncan assentiu, mas logo sua expressão ficou um pouco estranha. Ele olhou para Alice, hesitou por um momento e, então, perguntou com uma certa cautela:
“Falando nisso… você sabe como tomar banho? Digo, você tem esse tipo de… experiência de vida?”
Alice piscou, parecendo pega de surpresa. Depois de um momento de reflexão, respondeu com seriedade:
“Acho que sim? É só desmontar as articulações, lavar tudo direitinho e depois montar de volta…”
Duncan: “…?”
Ele encarou Alice. Alice, por sua vez, devolveu o olhar com uma expressão perfeitamente inocente.
“Você já considerou como vai remontar seu próprio corpo depois de desmontá-lo por completo?” Duncan perguntou, percebendo que sua preocupação era completamente válida. Essa boneca, que passara a vida inteira dentro de um caixão, realmente não tinha experiência nenhuma nesse quesito. “Eu não vou poder te ajudar com isso.”
Alice piscou novamente, refletindo sobre a questão.
“… Ah, verdade.”
“Além disso, eu realmente não recomendo que você fique desmontando suas articulações com frequência, mesmo que seu corpo permita isso.” Duncan acrescentou, em um tom mais sério.
Alice inclinou a cabeça, confusa:
“Por quê?”
“Se desmontar demais, suas peças podem começar a soltar sozinhas.” Duncan suspirou, sentindo-se sem opções. Ele nunca havia imaginado que dividir um navio com uma boneca amaldiçoada envolveria tantas ‘questões técnicas’. Nenhum livro, filme ou série jamais mencionara esse tipo de detalhe. “Eu realmente não quero que um dia você esteja andando pelo convés e, do nada, simplesmente se espalhe em pedaços na minha frente.”
Ele fez uma pausa antes de acrescentar:
“Seu problema no pescoço já é grave o suficiente.”
Alice imaginou a cena por um instante e imediatamente encolheu os ombros.
“Ah, certo, certo! Já entendi… Acho que sei como fazer isso sem desmontar tudo…”
“É bom que sim.” Duncan assentiu, ainda lançando um olhar desconfiado para a boneca, cuja experiência de vida parecia perigosamente insuficiente. Então, virou-se para sair. “Tenho muitas coisas para resolver. Apenas… tente não causar problemas.”
“Sim, capitão! Obrigada, capitão!” Alice respondeu alegremente.
Mas, no exato momento em que Duncan estava prestes a cruzar a porta da cabine, ela chamou novamente:
“Ah, capitão…”
Ele parou e virou levemente a cabeça.
“O que foi agora?”
Alice olhou para suas costas e, depois de pensar um pouco, escolheu cuidadosamente suas palavras:
“Capitão… Sabe, de repente eu percebi que você não parece tão assustador assim.”
Duncan arqueou uma sobrancelha, mas permaneceu em silêncio.
“O Cabeça de Bode me disse que você é o capitão mais aterrorizante do Mar Infinito, a calamidade mais imprevisível de todas as rotas marítimas… mas…”
“Mas o quê?”
“Mas você parece ser… bem acessível.” Alice hesitou um pouco e então completou, com um tom sincero: “E um tanto quanto… um pai superprotetor?”
Duncan ficou em silêncio por dois segundos antes de perguntar repentinamente:
“De onde você tirou essa ideia de ‘família’? Você tem uma?”
Alice ficou paralisada por um momento, como se a pergunta tivesse ativado algo desconhecido em sua mente. Então, balançou a cabeça lentamente.
“Acho que não…”
“Então não fale sobre algo que não entende. Apenas fique quieta e siga as regras. Eu vou garantir que tenha seu lugar neste navio.”
“Oh… entendido, capitão.”
Capítulo Revisado dia 08/02/2025.
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