Capítulo 270: Carta de Longe
O pai foi à loja de antiguidades, ficou lá por um bom tempo e voltou para casa abraçando uma bala de canhão. E depois, solenemente, colocou aquela coisa no melhor lugar da prateleira de antiguidades e, de vez em quando, ia limpá-la com esmero.
Toda vez que pensava nisso, Heidi ficava muito preocupada com a saúde mental de seu velho pai.
“Estou falando sério, você não sabe como aquilo parece estranho”, a senhorita psiquiatra não pôde deixar de suspirar novamente. “Ele a trata como um tesouro, dizendo que é uma antiguidade muito, muito especial. Todo dia, antes mesmo de lavar o próprio rosto, ele primeiro limpa a bala de canhão. E minha mãe simplesmente não se importa. Se eu digo alguma coisa, ela diz: ‘Seu pai só tem esse hobby de colecionador, não o perturbe’.”
Vanna não sabia como comentar sobre o assunto. Afinal, ela não entendia nada de antiguidades. O contato mais próximo e memorável que tivera com uma antiguidade foi quando era criança e, praticando um golpe saltado com sua espada de brinquedo, quebrou o vaso de seu tio. A surra que levou ainda estava fresca em sua memória. Então, naquele momento, depois de se conter por um bom tempo, ela só conseguiu dizer, sem graça: “…O Senhor Morris é um historiador e colecionador de renome. Acho que suas peças devem ter um valor especial.”
“Mas nunca ouvi falar de alguém que trate uma bala de canhão como um tesouro, mesmo que seja real”, Heidi suspirou. “A bala de canhão com certeza é real. Pelo menos é maciça, pesada como o diabo.”
Vanna não falou por um momento. Ela parecia estar pensando em algo. Um pouco depois, disse de repente: “Vamos falar sobre aquele amuleto. O Senhor Morris conseguiu outro idêntico para você?”
“Sim, este aqui”, Heidi assentiu, puxando o pingente de “cristal” de dentro de sua roupa. “Você já viu, eu tinha um idêntico antes, mas foi destruído no ‘desastre’ anterior. O clérigo que registrou o meu caso na época analisou que poderia ser um objeto que acidentalmente se contaminou com poder sobrenatural, mas que normalmente escondia sua natureza especial…”
Vanna olhou para o pingente de “cristal” que Heidi tirou, com uma expressão pensativa.
“Você acha que há algo de errado?”, Heidi não pôde deixar de perguntar.
“…Após o desastre, a Catedral estava com falta de pessoal, mas ainda enviamos pessoas para investigar aquela loja de antiguidades. O resultado foi que tudo estava normal. Desde os canais de fornecimento da loja até a identidade do próprio dono, tudo estava claramente registrado nos arquivos da cidade. O caso do pingente parecia ser realmente uma coincidência”, disse Vanna lentamente, seu olhar sempre fixo no pingente. “Mas sempre sinto que há algo que me intriga… Heidi, você se lembra? Eu fui com você àquela loja de antiguidades.”
“Claro que me lembro”, Heidi assentiu. “Falando nisso, eu realmente tenho uma certa afinidade com aquela loja. O dono, o senhor, me salvou no museu, a sobrinha dele é uma das alunas de meu pai, e meu pingente anterior veio exatamente daquela loja… Mas, como você disse, a Igreja investigou secretamente e não encontrou nenhum problema.”
Vanna não respondeu. Apenas pensou por um momento antes de estender a mão: “Pode me mostrar?”
Heidi não pensou muito e tirou o pingente, entregando-o: “Claro, aqui.”
Vanna pegou o pingente de cristal, que ainda tinha um leve calor corporal, e o examinou cuidadosamente sob a luz do sol. Depois de um longo tempo, ela falou, como se para si mesma: “Nenhuma aura sobrenatural.”
“Pois é, é apenas um amuleto comum, e é até de vidro”, disse Heidi. Em seguida, olhou seriamente para sua amiga. “Vanna, você está um pouco tensa demais. Sei que é sua personalidade profissional como Inquisidora, mas acho que… aquele dono é realmente uma pessoa muito boa. Você não deveria suspeitar dele.”
“Estou observando, não suspeitando. Sempre sinto que há algo de errado com aquela loja de antiguidades, mas não estou olhando para isso como uma Inquisidora olha para um herege”, disse Vanna, devolvendo o pingente à amiga. “Mas você também tem razão. Talvez eu esteja um pouco nervosa.”
Heidi colocou o pingente de volta e, em seguida, olhou para o relógio mecânico ao lado: “Ah, já é essa hora?!”
“Já vai?”
“Preciso ir”, disse Heidi, levantando-se e pegando a pequena maleta que deixou ao lado. “Tenho uma consulta esta tarde. É com aquele capitão que ficou em observação aqui na Catedral por vários dias.”
Vanna franziu a testa, tentando se lembrar, e logo encontrou a memória correspondente: “O capitão do Carvalho Branco? Lembro que o nome dele era Lawrence… ele está com problemas?”
“Um capitão que viaja pelo Mar Infinito, e ainda por cima naquela idade… precisar da ajuda de uma psiquiatra é muito normal”, disse Heidi. Ela pareceu pensar em algo, e uma expressão um tanto complexa passou por seu rosto, mas logo ela balançou a cabeça. “Mas, em comparação com a maioria dos capitães da mesma idade, a situação do Senhor Lawrence é até muito boa. Não posso dizer mais nada, é a privacidade do paciente.”
“Certo, bom trabalho.”
A primeira coisa que Morris fez ao voltar para casa foi abraçar e beijar sua esposa. A segunda foi limpar cuidadosamente a bala de canhão na prateleira de antiguidades.
Embora se sentisse um pouco estranho ao trazer aquilo para casa, ele sabia que esta “peça de coleção” aparentemente bizarra tinha um significado especial.
Ela representava sua conexão com o Banido e também a “benevolência” do Capitão Duncan para com seus servos.
Aquele incrível capitão fantasma sempre transmitia sua benevolência de maneiras estranhas, incluindo, mas não se limitando a, sopa feita com proles do mar profundo, balas de canhão com o selo de um século atrás, e aulas de alfabetização para os servos com baixo nível de escolaridade. No início, Morris achava isso um pouco estranho, mas agora ele já havia se adaptado perfeitamente.
O que o Capitão Duncan dizia estava certo. O que o Capitão Duncan fazia era normal.
Mantendo essa mentalidade, Morris sentia que já se adaptou completamente à atmosfera da nova equipe.
O som de passos veio de trás.
Morris não se virou, pois sabia que era sua esposa.
“Você já está quase conseguindo se ver nela de tanto polir”, a senhora de ar nobre sorriu, olhando para seu marido. “Você não dizia antes que antiguidades não podem ser limpas com muita frequência?”
“Mas esta não é uma ‘antiguidade’ comum, Mary”, Morris se virou e sorriu para sua esposa. “É parte de um milagre.”
A velha senhora ergueu a cabeça e examinou as duas peças especiais na prateleira — uma adaga e uma bala de canhão. Momentos depois, ela disse de repente: “Você vai contar a verdade para sua filha depois? Sobre este ‘milagre’, sobre… sua nova ‘identidade’.”
Morris parou o que estava fazendo.
Havia “milagres” que podiam ser escondidos dos outros, mas não da própria pessoa que viveu o milagre.
Como produto de uma “oração ao subespaço” incompleta, sua esposa ficou deitada na cama como cinzas humanas por onze anos. Ela sabia disso muito bem. E agora que sobreviveu de verdade, graças à influência do Banido, era natural que tivesse dúvidas sobre sua situação.
Era inevitável.
Então, após obter a permissão do capitão, Morris contou a sua esposa sobre o Banido. Mas ele não contou a Heidi.
“…Ainda não é necessário”, disse Morris. “Heidi ainda não precisa ter contato com isso. E contar ou não… depende da vontade do capitão.”
Nesse momento, a campainha tocou de repente, interrompendo a conversa entre Morris e sua esposa.
O velho erudito ia abrir a porta, mas sua esposa o deteve com um sorriso: “Eu vou. Não ando há muitos anos, preciso me exercitar um pouco.”
Dizendo isso, ela se virou e foi para a entrada. Uma breve conversa soou da porta e, um pouco depois, ela voltou para perto de Morris.
“É o carteiro”, a esposa entregou-lhe uma carta. “Para você.”
“Uma carta para mim?”, Morris ficou surpreso. À primeira vista, ele notou os selos de alto valor no envelope e alguns carimbos especiais, e franziu a testa. “Eu escrevi para alguns amigos distantes, mas não deveria receber uma resposta tão rápido… Hmm?”
Seu movimento de abrir a carta parou de repente. Seu olhar pousou no primeiro carimbo do remetente, e sua expressão tornou-se um tanto estranha.
“De onde veio?”, a voz curiosa de sua esposa soou ao lado.
Morris ficou em silêncio por dois segundos e disse em voz baixa: “…De Geada.”
“Geada? É um lugar muito distante”, disse a esposa. Ela pensou por um momento e disse, com alguma incerteza: “Lembro que você tinha um amigo em Geada, o nome era Brown ou Bren?”
“Brown Scott”, disse Morris lentamente. Seu tom, por alguma razão, tornara-se excepcionalmente grave e sério. O movimento de abrir o envelope com um abridor de cartas também se tornou extremamente hesitante. “Como eu, um erudito de história, também fascinado pelo misticismo.”
“Ah, sim, Brown Scott. Lembro-me dele como uma pessoa bem magra, que transmitia uma sensação de meticulosidade”, a esposa se deu conta. “Ele ainda mantém contato com você? Lembro que ele se mudou para Geada há muitos anos, mas antes de se mudar, a relação de vocês era de fato…”
“Ele já morreu”, disse Morris de repente. “Morreu em um naufrágio há seis anos.”
Com essas palavras, o quarto mergulhou em um silêncio instantâneo.
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