Índice de Capítulo

    Os deuses de poder supremo residem nos fundamentos deste mundo, observando seu funcionamento com olhares que transcendem tempo e espaço.

    Os devotos que consagram sua fé às divindades e se conectam com sua força espiritual podem, em certos momentos, vislumbrar fragmentos do futuro ou eventos ocultos que ocorrem em lugares distantes.

    Essa percepção não está sujeita às limitações do tempo e do espaço, mas carrega consigo o risco de corrupção pelo Subespaço.

    Ainda assim, para aqueles cuja vontade é inabalável, esse dom poderoso e perigoso é também sua maior arma na missão de proteger as frágeis chamas da civilização, que tremulam sobre as águas infinitas.

    A Inquisidora Vanna vinha tendo o mesmo presságio perturbador há dias.

    Sempre entre o sono e a vigília, ela via o oceano inteiro se tingir de preto.

    Em seguida, trovões ressoavam das profundezas do mar, e as águas se dividiam ao meio, revelando uma fenda colossal que se estendia até o leito oceânico.

    Dessa cicatriz abissal, uma imensa embarcação em chamas ascendia lentamente, erguendo-se dos destroços do fundo do mar.

    Ela subia como um dirigível, flutuando no ar.

    E atrás dela, um colosso invisível, uma entidade envolta em luz estelar, caminhava passo a passo em direção à cidade-estado de Pland.

    Na longa vida de Vanna, ela havia testemunhado apenas dois presságios dessa magnitude antes.

    A primeira vez foi em sua infância.

    Ela despertou de um pesadelo repleto de sangue.

    Na manhã seguinte, seus pais foram mortos em um ataque de cultistas, e a cicatriz que carregava no rosto tornou-se um lembrete eterno daquele dia fatídico.

    A segunda vez ocorreu há quatro anos.

    Ela viu um sol negro emergindo das profundezas subterrâneas de Pland.

    Esse presságio permitiu a localização e destruição do maior esconderijo do Culto do Sol Negro na cidade antes que sua influência pudesse se espalhar ainda mais.

    No entanto, até hoje, remanescentes do culto ainda rastejavam pelos antigos túneis subterrâneos, prolongando um conflito interminável contra os guardiões da Igreja do Mar Profundo.

    Agora, este era seu terceiro presságio.

    Dessa vez, uma embarcação retornava das profundezas do oceano, trazendo consigo um colosso indescritível para este mundo.

    Vanna mentiu para o sacerdote.

    Seu presságio não era vago.

    Na verdade, era tão claro e preciso que a havia mantido sem dormir por vários dias.

    O sacerdote à sua frente hesitou por um longo momento antes de finalmente falar:

    “Mas você orou à Deusa… e não recebeu nenhum aviso de perigo?”

    Vanna ficou em silêncio por um instante antes de responder com calma:

    “A Deusa nem sempre nos alerta sobre os riscos. Às vezes, as provações são testes.”

    Então, desviou o olhar e mudou de assunto:

    “Deixemos isso de lado por agora. Há novidades da Associação de Exploradores?

    O sacerdote imediatamente assentiu.

    “O contato da Associação de Exploradores acabou de enviar um relatório. O artefato sagrado mantido na sede da associação detectou a presença do navio no setor sudoeste do oceano. No entanto, o equipamento telegráfico da embarcação parece estar com problemas. No momento, não conseguimos estabelecer comunicação, mas sabemos que o navio está navegando a uma velocidade e rota normais em direção às águas próximas de Pland.”

    “… Primeiro desaparece da percepção do artefato sagrado, depois reaparece subitamente em um ponto muito distante de sua rota original. Agora, sem comunicação, segue diretamente para a cidade-estado… e antes de perder contato, estava encarregado de transportar um objeto anômalo.”

    A Inquisidora Vanna franziu a testa, sentindo seu instinto pulsar com um pressentimento perigoso. Anos lidando com anomalias e eventos sobrenaturais haviam lhe dado um senso aguçado de perigo iminente.

    “Se bem me lembro, esse navio se chama… ‘Carvalho Branco’?”

    “Sim, o Carvalho Branco.” O sacerdote confirmou, fazendo uma breve pausa antes de continuar. “Seu capitão é Lawrence Creed, um experiente membro da Associação de Exploradores. Como a carga transportada era sensível, o navio registrou sua missão junto à Igreja do Mar Profundo antes mesmo de zarpar de Lansa.”

    Ele fez uma breve pausa antes de acrescentar:

    “Além disso, um sacerdote da Igreja do Mar Profundo está a bordo, como acompanhante da missão.”

    “Um irmão da fé… espero que a situação não seja tão ruim quanto parece.” Vanna manteve o tom firme, mas sua expressão se tornou ainda mais séria. “Seja como for, há algo errado com esse navio.”

    Ela cruzou os braços, ponderando em voz alta:

    “A rota entre Lansa e Pland é inteiramente coberta por ‘zonas seguras’ sob controle da Associação de Exploradores. No entanto, o Carvalho Branco desapareceu da percepção do artefato sagrado durante a viagem…”

    Sua voz ficou mais grave.

    “Isso significa que o navio pode ter deixado a nossa realidade — e pior, pode ter ido a um lugar onde jamais deveria estar.”

    Vanna se virou para o sacerdote.

    “Informe os guardiões do porto. Assim que o Carvalho Branco atracar, ninguém — absolutamente ninguém — poderá desembarcar ou retirar qualquer coisa da embarcação até que todas as inspeções sejam concluídas.

    “E quanto às forças de segurança?”

    “Seu tio, o governador, já ordenou que os oficiais da lei reforcem a segurança do porto.” O sacerdote garantiu. “Além disso, foi decretado um nível mais alto de alerta na área. Até que o bloqueio seja suspenso, todos os navios que entrarem ou saírem de Pland serão redirecionados para o porto auxiliar no setor oeste.”

    “Isso é bom.” Vanna assentiu. Pela primeira vez, sua expressão tensa suavizou um pouco. “Meu tio sempre foi um homem cauteloso. Desde que ele mantenha os oficiais comuns longe dessa situação, já será um alívio.”

    O sacerdote hesitou por um momento antes de escolher cuidadosamente suas palavras.

    “Você acredita que o Carvalho Branco… já foi ‘corrompido’?”

    Vanna não respondeu imediatamente.

    Então, seu olhar ficou ainda mais frio.

    “Ainda não podemos afirmar nada. Mas um navio que desaparece da nossa realidade e depois retorna… raramente volta completamente ‘normal’. Pode ser que um dos artefatos a bordo tenha se transformado em uma anomalia. Pode ser que um dos tripulantes tenha sofrido um distúrbio mental irreversível. Pode ser que haja agora ‘passageiros extras’… ou que o capitão tenha sido substituído por alguém — ou algo — que não deveria estar ali.”

    Ela respirou fundo.

    “Quando se trata de embarcações que apresentaram sinais de fenômenos sobrenaturais, o único erro é baixar a guarda.”

    O sacerdote suspirou baixinho e, instintivamente, fez um gesto ritualístico com a mão sobre o peito, murmurando:

    “Que a Deusa da Tempestade proteja aqueles que desafiam os mares.”

    Vanna fechou os olhos por um breve instante e repetiu a prece:

    “Que eles estejam a salvo.”

    Então, sua expressão se endureceu novamente.

    “Mas se não estiverem… temos que estar preparados.”

    O sacerdote assentiu solenemente.

    “Sim, eu entendo.”

    Vanna assentiu, mas, no instante em que estava prestes a voltar sua atenção para a cidade além da janela, passos apressados ecoaram pelo corredor.

    Momentos depois, um guardião vestindo um uniforme preto com detalhes prateados, exibindo no peito o símbolo das ondas e da adaga, subiu apressado a escada.

    “Inquisidora!” O jovem guardião arfou por um instante antes de continuar com urgência: “Descobrimos um local de culto do Sol Negro nos esgotos! Capturamos um grupo de cultistas!”

    A expressão de Vanna se tornou imediatamente sombria.

    “Os adoradores do Sol Negro?” Sua voz soou fria e afiada. “Espere… você disse que encontraram um local de culto… não um esconderijo? Eles ousaram realizar um ritual novamente?!”

    “Sim, era um espaço de ritual ativo. Encontramos indícios de um sacrifício recente.” O guardião relatou rapidamente. “Além disso, em uma câmara próxima ao local do ritual, encontramos um grande número de vítimas… a maioria delas teve o coração arrancado durante o sacrifício.”

    Ele fez uma pausa, sua expressão ficando ainda mais séria.

    “Mas há algo errado com o local da cerimônia.”

    Vanna percebeu a confusão e a estranheza no olhar do guardião.

    Sem hesitar, pegou sua pesada espada abençoada pela Deusa da Tempestade, prendeu-a às costas e caminhou rapidamente em direção à escadaria.

    “Guie-me até lá. Eu irei pessoalmente.”

    “Sim, senhora!”

    O impacto metálico da espada contra sua armadura de ombro ecoou pelo ar quando ela desceu as escadas a passos largos.

    Ao sair da Grande Torre do Relógio, avistou um grupo de guardiões reunidos no pequeno pátio em frente à torre.

    Perto da entrada, duas máquinas de combate a vapor aguardavam paradas, seus corpos mecânicos semelhantes a aranhas produzindo pequenos estalos metálicos à medida que os sistemas de engrenagens e válvulas ajustavam a pressão interna.

    Vanna não parou.

    Ela simplesmente fez um gesto de partida para os guardiões antes de caminhar direto para uma das máquinas.

    O autômato, do tamanho de duas carruagens lado a lado, parecia uma aranha de metal agachada no chão.

    Seus membros articulados eram equipados com rodas para deslocamento em terrenos planos e ganchos de aço para se adaptar a superfícies irregulares.

    Em cada lado de sua carapaça, duas torretas rotativas de mosquetes estavam instaladas, projetadas para despejar rajadas de balas sagradas de 8 mm contra qualquer cultista herege que tentasse fugir.

    Os artefatos tecnológicos não eram eficazes contra anomalias ou fênomenos, mas sua poderosa artilharia era suficiente para dizimar os fanáticos que as invocavam.

    No entanto, nos túneis dos esgotos, as máquinas não poderiam lutar com todo o seu potencial…

    Mas para bloquear saídas e impedir fugas, seriam imbatíveis.

    Os hereges poderiam até tentar correr, mas em um piscar de olhos, seriam reduzidos a cadáveres na lama.

    Vanna saltou sobre a carapaça metálica da máquina, firmando-se com facilidade.

    Dois guardiões experientes subiram para os compartimentos de tiro, posicionando-se nas torretas.

    Um silvo de pressão ecoou, seguido pelo escape de vapor branco das juntas mecânicas da máquina.

    A enorme aranha metálica ergueu-se do chão e, com um salto, caiu na rua principal.

    Com um estrondo, suas rodas giraram, e a máquina disparou pelo caminho, deslizando rapidamente em direção à entrada mais próxima dos esgotos.

    Revisado dia 08/02/2025.

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