Capítulo 331: A Cidade Infiltrada

O papel estava amassado e, em muitos lugares, contaminado pela “lama” cinza-escura. As palavras estavam borradas e danificadas, mas após o manuseio cuidadoso de Morris, muitas das frases foram restauradas a um estado minimamente legível.

“Brown Scott”, em seus últimos momentos de lucidez, registrou as mudanças bizarras que ocorreram em seu corpo:

“…Por volta das quatro da manhã, doze horas depois de trancar a porta, zumbidos cada vez mais fortes e vertigens intermitentes afetaram gravemente minha capacidade de me mover. Só consigo escrever algo quando meu estado melhora um pouco. Parece haver sangramento sob a pele, vejo hematomas que apareceram do nada…

“…Seis e meia, minhas entranhas parecem estar se revirando, como se as estruturas dentro do meu corpo tivessem perdido a ordem, cada uma vagando pelo corpo com vontade própria. Não sinto dor, e até a sensação de vertigem diminuiu muito… O medo começou a diminuir, memórias cada vez mais claras surgem em minha mente…

“…Por volta das sete, lembrei-me claramente dos detalhes da minha morte, cada vez mais convencido de que o meu verdadeiro eu já está morto há muito tempo. A perna esquerda quebrou inexplicavelmente — ou talvez um pedaço de osso no meio tenha se dissolvido de repente.

“…Oito e quinze, a perna esquerda começou a se dissolver. Primeiro, a pele se abriu sozinha, depois os tecidos internos escorreram como um líquido cinza-escuro. Essas substâncias líquidas separadas do corpo pareciam ter vida própria, rastejando pelo chão e até subindo pelas paredes… Por um momento, temi que as tábuas que preguei na janela não pudessem deter essas substâncias estranhas e aterrorizantes, mas depois descobri que elas perdiam gradualmente a atividade logo após se separarem do corpo e, mesmo quando ativas, pareciam evitar a luz do sol conscientemente… Esta pode ser uma informação muito importante, registro aqui…

“…O coração parou de bater, mas a consciência persiste. Posso sentir que este corpo já não opera de acordo com os mecanismos fisiológicos humanos normais. Tentei fazer um corte, não há sangue na ferida, apenas uma substância viscosa cinza-escura escorrendo lentamente… Neste momento, de que substância este corpo é feito?

“…Toda a metade inferior do corpo começou a se dissolver. Levei algum esforço para me fixar em um lugar e continuar a escrever estas palavras. Não sinto dor alguma agora, não respiro, e meu coração já parou há muito tempo. Ocasionalmente, ouço um zumbido, como se a própria matéria que me compõe estivesse ressoando… Mais e mais substâncias viscosas deixam o corpo, bagunçando o quarto…

“…Espero que Galoni não se assuste ao arrumar o quarto… Embora, ao escrever este nome, eu mal consiga me lembrar da aparência de Galoni em minha mente.

“…Dez e meia, o que eu mais temia começou a acontecer. A visão está diminuindo rapidamente, o ambiente está escurecendo. Tenho que tatear a borda do papel para manter as palavras abaixo o mais claras possível…

“…Não consigo confirmar a hora agora, provavelmente entre onze e doze. Ouvi um som agudo e estranho, que durou cerca de cinco minutos. Depois, todo o desconforto começou a diminuir, e a percepção das partes restantes do meu corpo também está enfraquecendo rapidamente. Posso sentir vagamente a parte abaixo do meu peito caindo…

“…Talvez mais uma hora tenha se passado,”

O texto se interrompia aqui.

Não se sabe se a consciência do registrador finalmente chegou ao fim, ou se ele, tendo perdido a maior parte de sua percepção, já não conseguia mais escrever as palavras com precisão no papel. No final, tudo o que este homem morto deixou para o mundo foi um sinal de pontuação abrupto.

Morris ficou em silêncio, sem emitir som por um longo tempo. Depois de um período indefinido, ele finalmente falou, como se estivesse murmurando para si mesmo: “Ah, de fato é a caligrafia dele.”

“Você precisa de um momento a sós?”, Duncan olhou calmamente para o velho senhor. “Posso esperar lá fora.”

“Não precisa, eu já o lamentei uma vez”, Morris balançou a cabeça suavemente. “Só não esperava ver seus registros acadêmicos novamente após seis anos… Essas informações são muito úteis, não são?”

Duncan não respondeu imediatamente. Em vez disso, aproximou-se da “lama” já solidificada e estagnada, observando suas bordas com um ar pensativo. Depois, pegou o último registro deixado por Brown Scott e examinou cuidadosamente as bordas do papel que haviam sido completamente embebidas pela lama.

A borda estava um pouco borrada e irregular; a linha entre o papel e a lama parecia ter desaparecido, mostrando até mesmo um estado de fusão parcial.

Morris notou a ação de Duncan: “O senhor descobriu alguma coisa?”

“…Primal”, Duncan ergueu a cabeça. “A igreja local de Geada está estudando essa substância. Eles acreditam que esse ‘resíduo viscoso deixado após a desintegração de uma réplica do mar profundo’ é muito semelhante em natureza ao que os Aniquiladores chamam de ‘Primal’.”

Morris ficou surpreso por um momento, mas agora já estava um pouco acostumado com o capitão obtendo novas pistas de fontes desconhecidas em momentos inesperados. Portanto, ele não perguntou curiosamente sobre a origem da informação, apenas falou após um breve momento de reflexão: “…Eu conheço o termo ‘Primal’. Para estudar a história e as origens dos cultistas, é impossível evitar essas coisas místicas deles.”

Ele fez uma pausa, como se estivesse organizando as informações em sua mente, e continuou momentos depois: “Assim como os cultistas do sol acreditam firmemente que o antigo e verdadeiro sol salvará o mundo mais cedo ou mais tarde, os Aniquiladores têm uma ‘profecia de salvação’ semelhante. Eles pregam que, em um dia futuro, o Senhor das Profundezas despertará de seu sono e, em sua fúria, destruirá este mundo mortal distorcido e enganado pelos deuses. As Profundezas Abissais, representando o ‘mundo real’, emergirão das profundezas do mundo e se tornarão novamente um paraíso para os mortais. E antes que esse dia chegue, primeiro haverá uma grande efusão de ‘Primal’. O Primal é a pedra angular do mundo, o projeto de todas as coisas. Ele cobrirá tudo e restaurará o mundo à sua verdadeira forma…”

Ouvindo a narração do velho erudito, Duncan ficou em silêncio por alguns segundos e ergueu a cabeça: “Uma grande efusão… vinda do mar profundo?”

Morris não falou por um momento.

“Estou cada vez mais interessado nesses Aniquiladores, mas, em vez da chamada ‘profecia de salvação’ deles, estou mais curioso sobre como eles estabeleceram uma ‘conexão’ com um lugar a mil metros de profundidade sob Geada”, Duncan balançou a cabeça. “As réplicas vêm do mar profundo, tanto o Obsidiana quanto aquele submersível na Ilha Adaga. Mas um bando de Aniquiladores… como você acha que eles entraram em contato com o poder sob mil metros de água?”

“…Mesmo para uma cidade-estado poderosa, construir um submersível capaz de viajar para mil metros de profundidade não é uma tarefa pequena. No mínimo, não é algo que um bando de cultistas possa dominar”, disse Morris, pensativo. “Mas eles podem usar algum tipo de ritual indireto para canalizar o poder do mar profundo ou se comunicar com uma… ‘existência poderosa’ do mar profundo.”

“Portanto, deve haver uma base de culto maior em Geada, um lugar escondido e capaz de realizar rituais em grande escala, o suficiente para eles continuamente extraírem poder do mar profundo para criar réplicas na cidade e até mesmo invadir a Ilha Adaga”, disse Duncan lentamente, erguendo a cabeça e olhando ao redor do quarto. A única janela do quarto estava pregada com tábuas, e o teto, as paredes e o chão estavam cobertos de “lama” seca e sem vida. Todas as marcas aqui pareciam contar silenciosamente uma história de morte e resistência de tirar o fôlego.

E em sua percepção, o Banido estava navegando a toda vela em direção à Ilha Adaga e à ilha principal de Geada.

“Talvez, no final, tenhamos que dar a esses cultistas um pequeno ‘choque do Banido‘”, ele disse em voz baixa, esfregando os dedos. Um pequeno tufo de chamas verde-espectrais caiu da ponta de seus dedos, pousando silenciosamente no chão e desaparecendo rapidamente no ar.

Morris, é claro, viu a cena, mas não disse nada. Apenas olhou uma última vez para a mesa ao lado.

Aquele foi o último lugar onde Brown Scott “trabalhou”. Talvez fosse apenas uma réplica de vida curta, mas quando aquele corpo em constante colapso e desintegração se debruçou para escrever freneticamente, ele ainda possuía uma alma nobre.

“…Como lidamos com as coisas aqui?”, o velho erudito ergueu a cabeça e olhou para o capitão. “As marcas no quarto, os documentos deixados por Brown e… Galoni no primeiro andar.”

“Já temos pistas suficientes. Vamos deixar o resto para o povo de Geada”, disse Duncan com indiferença. “Deixe o quarto como está, deixe a carta em um lugar visível na mesa e prepare uma carta de denúncia. Quanto a Galoni…”

Duncan fez uma pausa.

“A interferência cognitiva que Galoni sofreu claramente ainda não terminou. Mesmo depois que a réplica neste prédio desapareceu, ela não mostrou sinais de recuperar a consciência e ainda acredita firmemente que seu professor está descansando no quarto. Isso significa que a ‘fonte’ da interferência não é o professor dela, mas algo ainda ativo, escondido nas profundezas da cidade. A menos que essa fonte seja eliminada, ela não se recuperará de verdade.”

Dizendo isso, ele franziu ligeiramente a testa, como se tivesse pensado em mais coisas.

“E… não tenho certeza de quantos ‘Brown Scotts’ e quantas ‘Galonis’ existem nesta cidade-estado.”

A expressão de Morris enrijeceu: “O senhor quer dizer…”

“Circulam rumores na cidade sobre o retorno dos mortos, mas, ao mesmo tempo, informações completamente contraditórias chegam a Tyrian”, Duncan olhou para Morris. “Esta cidade-estado, temo, já foi infiltrada por réplicas e interferência cognitiva até virar uma peneira.”