Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 487: Incêndio no Mar Profundo
O tom de Ray Nora era sereno e calmo, como se, muitos anos atrás, ela já tivesse planejado todos os cenários finais para seu próprio destino. Fosse ficar eternamente presa em um pesadelo ou sofrer um exílio eterno, ambos eram apenas elos inevitáveis em seus futuros planejados.
Assim como Duncan pensara, a Rainha de Geada nunca havia se preparado para sua “ressurreição” — retornar ao mundo dos vivos nunca fora parte de seus planos.
Contudo, essa atitude de aceitação fez com que Duncan se sentisse estranho.
“Você está realmente disposta a dar tudo por Geada? Até mesmo algo mais valioso que a vida?”, ele se virou, olhando com curiosidade para os olhos de Ray Nora. “Você viveu por mais de uma década em uma cela sob a Catedral, só foi tratada como um ser humano aos doze anos. Foi vigiada, acorrentada, testada. Cada pensamento seu, cada palavra dita em sonhos, era analisado repetidamente como uma possível traição à humanidade. Você fez tudo o que podia e, no final, ainda foi rotulada como ‘Rainha Louca’ e enviada para a guilhotina… Não quero julgar ninguém com uma perspectiva sombria, mas, pelo menos do ponto de vista lógico, sua decisão me surpreende profundamente.”
Ray Nora ficou em silêncio. Ela se recostou em sua cama e olhou para o dossel de gaze acima, seus pensamentos parecendo vagar para muito, muito longe. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, ela de repente sorriu e balançou a cabeça: “É verdade… Por que eu faria isso?…”
Ela se virou e olhou fixamente nos olhos de Duncan.
“Sabe, eles poderiam ter me queimado viva. Muito, muito tempo atrás. No dia em que acordei do meu primeiro pesadelo, antes de aprender a dizer ‘papai’ e ‘mamãe’, antes mesmo de perceber que era humana… Capitão, talvez meu relato o tenha levado a uma conclusão equivocada. Você pensa que eu deveria odiar aquela cidade fria, mas a verdade é que… foi aquela cidade que lutou com todas as suas forças para me manter viva.
“E, de uma perspectiva mais ampla, é o nosso ‘mundo civilizado’, tão engenhoso e frágil, que luta com todas as forças para manter cada pessoa viva — incluindo psíquicos natos como eu. Mesmo que precisassem usar correntes, jaulas de ferro e me trancar em uma masmorra por dez anos, eles nunca desejaram que eu morresse naquele lugar frio… Eles esperavam que eu pudesse voltar como um ser humano.
“Eu nunca odiei ninguém, Capitão. Eles não me trataram com crueldade, pois este mundo trata a todos com crueldade. Todos estavam apenas fazendo o melhor que podiam.”
A antiga Rainha de Geada suspirou suavemente e, finalmente, levantou-se lentamente, saindo de sua cama que mais parecia uma jaula. A única diferença daquela cama para a cela na cripta da Catedral onde passou dez anos era, talvez, a ausência das grades.
Ela caminhou até o final do quarto, parando ao lado de Duncan, e olhou para o mar profundo, caótico e escuro.
“Meus pais e as pessoas na Catedral fizeram o possível para me manter viva. Eu e meus apoiadores fizemos o possível para garantir a segurança da cidade-estado. O Governador Winston e seus antecessores fizeram o possível para completar o trabalho que eu não consegui terminar. Só que, muitas vezes, fazer o possível não garante o sucesso, e o fracasso, naturalmente, tem seu preço.”
Ela lentamente ergueu o braço e apontou para o gigantesco tentáculo naquela escuridão.
“Até mesmo os deuses antigos, não estão eles também enfrentando o fracasso?”
“…Se sua teoria estiver correta, então novas cópias defeituosas inevitavelmente surgirão, despertando das criações do mundo mortal”, ponderou Duncan por um momento antes de falar lentamente. “Destruir a cópia defeituosa aqui não resolverá o problema fundamental do mundo.”
“Outras pessoas ‘farão o melhor que puderem'”, disse Ray Nora calmamente, virando-se para Duncan. “E o senhor? O senhor intervirá?”
Duncan permaneceu em silêncio. Momentos depois, ele quebrou o silêncio com uma voz suave: “Farei o melhor que puder.”
“Isso é o suficiente”, Ray Nora sorriu. “Então, vamos a isso. Eu dormi por tempo demais. É hora de acordar deste pesadelo… e também é hora de libertar ‘Ele’.”
Sua voz continha um tom de urgência, como se estivesse impaciente.
Duncan hesitou por um longo tempo, mas finalmente assentiu em silêncio.
No instante seguinte, uma chama esverdeada e fantasmagórica surgiu abruptamente ao seu lado, girando e se expandindo até se transformar em um portal em forma de vórtice.
Ele caminhou em direção ao portal, e nesse exato momento, a expressão de Ray Nora mudou sutilmente.
Ela olhou fixamente para as chamas verdes ascendentes, como se visse uma memória distante e nebulosa. Então, virou a cabeça bruscamente, olhando para Duncan, que estava prestes a atravessar o portal: “Era o senhor?!”
Duncan parou. Após uma breve confusão, ele finalmente entendeu a razão da reação da Rainha de Geada.
“Acho que isso não conta como contaminar a história”, disse ele, virando ligeiramente o rosto enquanto mantinha a postura de quem está prestes a entrar no portal. “O que você acha?”
“Então era isso… então era isso…”, murmurou Ray Nora para si mesma. Sua expressão mudou rapidamente várias vezes, como se muitas questões que a atormentavam por anos tivessem se tornado claras em um instante. Em seguida, um brilho sutil pareceu surgir em seus olhos. Pela primeira vez, ela exibiu uma expressão genuinamente radiante e, erguendo a cabeça para Duncan, acenou como se estivesse se despedindo de um velho amigo anos atrás. “Vá. Vá em frente, sem receio. Acho que… estamos tomando a decisão certa.”
Duncan lançou um último olhar profundo à Rainha de Geada e, sem dizer mais nada, deu um passo à frente, entrando no portal de chamas giratórias.
Ray Nora ficou ali, parada em silêncio, observando a silhueta desaparecer do quarto.
Assim como, muitos e muitos anos antes, o velho erudito e gentil desaparecera na luz da manhã.
Ela lentamente desviou o olhar, virou-se e ficou na extremidade despedaçada do quarto, contemplando o tentáculo do deus antigo em estado de estagnação, o pesadelo de seu último meio século, e todo o seu destino e responsabilidade.
Fios de fogo esverdeado e fantasmagórico começaram a emergir do abismo escuro. No início, eram como pequenos vaga-lumes, mas em um piscar de olhos, expandiram-se com uma propagação rápida e vigorosa, começando a se espalhar e queimar por todo o “pilar”.
Um leve tremor surgiu sob seus pés, intensificando-se rapidamente com o tempo.
Esta mansão estava tremendo. O poder que sustentava este sonho estava se dissipando. O “ponto de conexão” entre o “Lugar à Deriva” e o mundo exterior estava se desintegrando e desaparecendo rapidamente. A escuridão fora do quarto pareceu agitar-se de repente, com inúmeras ondulações e sombras se expandindo loucamente, para depois recuarem na escuridão. O “tentáculo do deus antigo”, em meio ao desequilíbrio súbito de luz e sombra, começou a mudar. Ele pareceu se curvar, e uma estrutura nebulosa se estendeu e cresceu de sua ponta, cruzando a fronteira instável entre o real e o virtual, descendo e se aproximando deste quarto em ruínas.
Ray Nora, no entanto, apenas permaneceu em silêncio diante da cena assustadora, observando o pequeno e ilusório tentáculo recém-nascido se curvar e se estender continuamente em sua direção, até finalmente alcançar a fronteira invisível. A “carne” negra se pressionou contra a superfície da barreira etérea e se abriu.
Ray Nora estendeu lentamente a mão, colocando a palma sobre a superfície daquela carne que se espalhava e pulsava, sentindo, através da barreira do sonho, tudo o que Ele transmitia: confusão, tensão, inquietação e um leve toque de arrependimento.
“Sim… eu sei, você não queria aparecer neste mundo… Acabará em breve. Pense nisso como um sonho, você voltará para onde deveria estar…
“Eu também partirei, em breve. Quando a âncora se romper, será a hora de partir… Posso ir para um lugar muito distante, ou talvez nunca tenha um próximo destino. Mesmo que meus cálculos estejam corretos, esta provavelmente será uma jornada inimaginavelmente longa… então, se houver paisagens para ver, eu as apreciarei.”
Uma comunicação silenciosa continuou no sonho. Neste último momento antes de despertar, Ray Nora sentiu-se um pouco melancólica.
“Passamos tanto tempo juntos, e nunca perguntei seu nome”, ela olhou para o tentáculo além da fronteira do sonho, sentindo as informações caóticas e fragmentadas que ele transmitia. A maior parte dessas informações nem podia ser chamada de “pensamentos” completos, mas sim de fragmentos de inspiração que um espírito incompleto produzia em sua difícil tentativa de pensar. Mas, em meio século de convivência, ela já se acostumou a “conversar” com essa vontade fragmentada. “Claro, eu conheço o título de Senhor das Profundezas, e sei que você tem outros nomes… mas esse não é o seu nome…
“Você tem um nome? Seja o seu ou o do seu ‘corpo original’… Não é nada, só fiquei curiosa de repente.”
Em meio a um vasto ruído caótico e sussurros, um pensamento particularmente claro foi transmitido.
Ray Nora ouviu em silêncio, assim como quando era criança, entre as grades frias e as correntes, ouvindo os murmúrios abafados do mar profundo. Um nome, como se surgisse em sua mente em um estado de semi-consciência.
Um leve sorriso formou-se em seus lábios: “LH-01… Ah, que nome estranho… Líder do Horizonte Um1? Esse foi o seu primeiro nome?
“Ok, vou me lembrar. Prazer em conhecê-lo, Líder do Horizonte Um. Então… adeus, e bom dia.”
Uma chama violenta, como um tsunami, avançou das profundezas escuras, engolindo em um piscar de olhos o tentáculo que tocava o “Lugar à Deriva”. Nas chamas consumidoras, a cópia defeituosa do deus antigo retornou ao pó.
O fogo crepitante chegou a corroer brevemente a barreira da fronteira do sonho. Aos pés de Ray Nora, no ar ao seu redor, nas bordas do quarto, floresceram fogos de artifício bizarros, porém brilhantes.
Ray Nora observou com curiosidade aquelas chamas espirituais dançantes, estendendo a mão para tocar suas bordas.
O fogo morno se dissipou na ponta de seus dedos.
Nas profundezas escuras e geladas do mar, as chamas espectrais que surgiram subitamente iluminaram toda a área como uma ejeção de massa coronal, iluminando a ilha flutuante escura no fundo do mar e as carcaças humanoides vazias que flutuavam na água escura como um enxame.
Duncan flutuava silenciosamente na borda da ilha escura, observando a chama espiritual que ele mesmo acendeu queimar violentamente, sua magnitude chocando profundamente até mesmo a ele, o “incendiário”.
- No original em chinês, o código “LH-01” é interpretado pela Ray Nora como 领航一号 (lǐngháng yī hào). O termo 领航 (lǐngháng) (LH) significa literalmente “liderar a navegação”, referindo-se àquele que guia ou está na vanguarda de uma jornada, enquanto que 一号(yī hào) significa ‘número um’. Embora traduções como “Navegador Um”, “Piloto Um”, “Pioneiro Um” ou “Desbravador Um” fossem possíveis, optei pela tradução “Líder do Horizonte Um” pois acho que combina com o termo original e também condiz com a sigla. Caso seja necessário (com base em novas informações), mudaremos o nome depois.[↩]
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