Capítulo 50: Fenômeno Público
Após terminarem o almoço, Duncan observou Nina ocupada limpando e organizando a mesa de jantar. Ele tentou ajudá-la com os pratos, mas ela insistiu firmemente que não deveria, lembrando-o das orientações do médico para evitar expor as mãos à água fria devido a seus problemas de saúde. Relutante, Duncan acomodou-se em um canto aconchegante próximo à escada, mergulhando no jornal que havia comprado naquela manhã. Enquanto isso, mantinha um olho em Nina, que se movia eficientemente pela cozinha.
A cena doméstica comum despertava um sentimento incomum em Duncan, como se estivesse experimentando a simplicidade de uma vida familiar típica.
Perdido em seus pensamentos, Duncan foi trazido de volta ao momento pela voz de Nina, vinda da cozinha:
“Tio Duncan, você encontrou algo interessante no jornal?”
Olhando para o jornal, datado de ‘14 de agosto de 1900 do Novo Calendário das Cidades-Estado’, Duncan notou a manchete principal sobre uma inquisidora da igreja que havia lançado uma grande operação contra o Culto do Sol, prendendo muitos de seus membros. Era a notícia mais significativa do dia.
“A inquisidora organizou uma grande operação, prendendo várias dezenas de seguidores do Culto do Sol”, respondeu Duncan, despreocupadamente. “É a maior repressão da igreja nos últimos quatro anos. O artigo também aconselha as pessoas a ficarem alertas à noite e a tomarem cuidado com crenças heréticas em suas comunidades.”
“Ah, ouvi falar disso também no caminho para cá!” respondeu Nina, enquanto colocava cuidadosamente os pratos limpos no armário. “É realmente assustador. Meu professor uma vez mencionou que esses adoradores do Sol fazem sacrifícios humanos ao Sol Negro… Quem seguiria de bom grado um culto tão horrível?”
Duncan hesitou, sem saber como responder. A situação era delicada: deveria ele revelar sua recente experiência em um ritual de sacrifício no altar do culto ou confessar a Nina que o querido tio dela era, na verdade, um membro comprometido desse culto aterrorizante?
Uma coisa estava clara em sua mente: Nina não tinha ideia do envolvimento de seu “tio” com o Culto do Sol. Para ela, a ideia de sacrifícios humanos ao Sol Negro era absolutamente abominável.
Aos olhos de Nina, seu “tio” Duncan era apenas um homem lidando com problemas de saúde, com uma tendência a beber e um grupo peculiar de amigos.
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O corpo que Duncan agora ocupava pertencia a um homem cujas mãos estavam manchadas de sangue e que havia cometido atos atrozes. No entanto, apesar de seu passado sombrio, esse homem tinha sido um guardião para Nina, protegendo-a das crenças doutrinárias do Culto do Sol até aquele momento.
Enquanto permanecia em silêncio, Duncan não conseguia afastar o pensamento de um futuro sombrio em que Ron, um fervoroso seguidor do culto, poderia sucumbir inteiramente às suas inclinações malignas. Tal queda inevitavelmente arrastaria a querida Nina para a escuridão junto com ele. Felizmente, essa possibilidade terrível ainda não havia se tornado realidade.
Duncan estava firme em sua crença: ele impediria que esse futuro horrível se materializasse.
“Tio, por que você ficou tão calado de repente?” A voz de Nina, cheia de preocupação e curiosidade, quebrou o silêncio. Ela o olhou, a expressão tingida de inquietação. “Você está se sentindo mal de novo?”
“Não, eu só estava distraído”, respondeu Duncan rapidamente, balançando a cabeça para aliviar suas preocupações. “Você está absolutamente certa sobre esses rituais e crenças de culto; eles são realmente terríveis. Os jornais estão até pedindo que o público fique vigilante e denuncie qualquer atividade suspeita ou herética que encontrarem. Por enquanto, é melhor você limitar suas saídas à escola e à casa o máximo que puder.”
Nina assentiu, mas seu rosto logo mostrou uma mistura de angústia e relutância.
“Mas… eu já combinei com minha colega de classe. Vamos visitar o museu em alguns dias…”
“Um museu?” Duncan perguntou, fingindo interesse casual. “Qual museu vocês pretendem visitar?”
“Fica perto da nossa escola, nos arredores da parte alta da cidade. O Museu Oceânico”, explicou ela, sua voz transbordando entusiasmo. “Eles acabaram de abrir uma nova exposição com várias amostras de minerais marinhos… Poderíamos considerar ir?”
Duncan pensou por um momento antes de assentir.
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“Se é isso que você deseja, então sim, iremos. Com os guardiões da igreja e os xerifes da cidade em alerta máximo, é improvável que os cultistas arrisquem causar problemas sob as circunstâncias atuais.”
O rosto de Nina se iluminou instantaneamente.
“Ah, isso é maravilhoso!”
“Você tem aula esta tarde?” Duncan mudou de assunto.
“Sim, tenho aula de história mais tarde. Não perderia a palestra do Sr. Morris por nada”, respondeu ela, com entusiasmo. “Ele é um especialista renomado em sua área… Mas é estranho. Alguém do nível dele normalmente daria aulas em uma universidade na parte alta da cidade, não em uma escola pública na parte baixa. A maioria dos meus colegas nem aprecia história; passam a aula inteira dormindo…”
Duncan deu de ombros, despreocupado.
“Como eu poderia saber?”
Ele mal sabia algo substancial sobre Nina, muito menos sobre seu professor de história, o Sr. Morris. Recordar a localização da escola de Nina já era um desafio por si só. Quando Duncan assumiu esse corpo, seu antigo dono já estava profundamente envolvido nos rituais heréticos da adoração ao sol.
Nina tinha uma aula marcada para a tarde e não queria perder tempo após o almoço. Por isso, rapidamente reuniu seus pertences na loja de antiguidades onde estava. Lembrou-se de pegar o livro didático que havia deixado em casa mais cedo e foi a caminho de sua escola, localizada na cidade baixa. O trajeto da loja de antiguidades até a escola geralmente levava cerca de uma hora. Determinada a não se atrasar, Nina focou-se em utilizar seu tempo da melhor forma possível para chegar a tempo da aula do Sr. Morris.
Embora a cidade oferecesse várias opções de transporte público, como bondes e ônibus a vapor, que operam regularmente até mesmo na cidade baixa, usar esses meios custaria entre quatro a seis pesos. Apesar do custo, Nina preferia correr, acreditando ser não apenas uma alternativa gratuita, mas também um bom exercício, algo que mencionou a Duncan com um sorriso esperançoso.
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Duncan, ciente dos desafios diários do trajeto de Nina, reconheceu que possuir uma bicicleta tornaria sua viagem até a escola muito mais fácil. Ele frequentemente via outros na cidade baixa se beneficiando do uso de bicicletas. Nesta sociedade, que havia se industrializado com sucesso e dominado o uso de energia a vapor, as bicicletas representavam um bem acessível para a maioria. No entanto, para residentes da cidade baixa como Nina, adquirir uma bicicleta ainda era um grande fardo financeiro, podendo custar a uma família de três pessoas até um mês de despesas.
Duncan ainda estava se ajustando ao seu papel e identidade nesse novo ambiente, mas sentia uma inclinação crescente para tratar Nina melhor, em parte como agradecimento pelas refeições que ela frequentemente preparava para ele, como sopa de legumes e panquecas salgadas.
Além disso, Nina era uma estudante dedicada, o que levou Duncan a pensar mais seriamente em estabelecer uma renda estável nesta movimentada ‘cidade-estado civilizada’.
Enquanto ponderava esses pensamentos, Duncan deixou de lado o jornal que estava lendo, caminhou até o fim do corredor do andar de cima e abriu uma janela estreita. De lá, olhou para as ruas ensolaradas da cidade enquanto refletia sobre seu futuro.
Neste mundo, vários eventos conhecidos como ‘anomalias’ e ‘fenômeno’ eram partes reconhecidas da vida cotidiana, integrados ao tecido da sociedade sem segredo, tanto pelo governo quanto pela igreja. Até mesmo crianças em idade escolar, como Nina, aprendiam sobre essas ocorrências em seus livros didáticos. Nina tinha um bom entendimento da classificação desses eventos, um sistema de conhecimento que remontava ao antigo Reino de Creta e ainda era utilizado. Ela conhecia algumas das anomalias e fenômenos catalogadas publicamente, incluindo suas regras e características, informações disponíveis ao público, embora não de forma completamente exaustiva.
Em cada cidade-estado, tanto o governo quanto a igreja mantinham um catálogo das anomalias e fenômenos mais infames ou perigosos. Cada um recebia um identificador único, embora esses identificadores pudessem mudar com o tempo. Anomalias ou fenômenos poderiam ser erradicados ou transformados por diversos motivos, resultando em atualizações nos seus identificadores. No entanto, uma coisa permanecia constante: cada anomalia e fenômenos com seu número e nome únicos estava invariavelmente associada a perigos distintos ou características notáveis.
Parte desse catálogo detalhando essas anomalias e fenômenos era tornada pública pelas autoridades. Essa transparência servia a dois propósitos principais. Primeiro, assegurava que todos os cidadãos estivessem bem informados sobre essas ameaças particulares, aumentando a conscientização pública e promovendo a autoproteção. Segundo, algumas das anomalias e fenômenos estavam tão enraizados na vida diária que não podiam ser ocultadas.
Esses eventos estavam profundamente integrados a todos os aspectos da existência cotidiana, moldando cada componente do funcionamento social. Estavam sempre à vista, tão presentes que não podiam ser escondidos, nem havia necessidade de ocultá-los do público.
Duncan fez uma pausa para olhar para cima, seus olhos seguindo a vasta extensão do céu.
Fenômeno 001: Sol.
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Essa imponente entidade celestial, que domina o céu, emergiu na era conhecida como a Era do Mar Profundo. Ela apareceu na manhã seguinte à queda do antigo Reino de Creta — uma civilização outrora grandiosa cuja influência se estendia amplamente, afetando muitos aspectos da vida, e que, portanto, atendia aos critérios de um fenômeno.
Registros históricos descrevem o dia da queda do Reino de Creta como um período de tumulto catastrófico. Os mares agitavam-se violentamente, cidades-estado desmoronaram, e os nobres governantes da primeira dinastia encontraram seu fim na escuridão, com seu sangue se misturando à água do mar. Do caos, o Fenômeno 001 – Sol surgiu do mar, e desde então, as horas de luz do dia trouxeram calma ao Mar Sem Fim.
O Reino de Creta, fundado por sobreviventes no início da Era do Mar Profundo, durou apenas cem anos, mas deixou um legado profundo que continua a moldar a era moderna.
Na antiga língua, “Creta” significava “noite eterna”, uma noite que perdurou por um século.
Todos esses detalhes históricos estão registrados no livro de história de Nina.
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