Capítulo 570: Corrupção e o Intruso

Não sabia se era impressão sua, mas desde que entrou nesta “floresta” distorcida e bizarra, Cão parecia um pouco sentimental — ele se lamentou sobre muitas coisas e relembrou alguns eventos passados que não eram mencionados há muito tempo. Algumas coisas que a própria Shirley não lembrava, ele ainda se lembrava claramente.

Depois de hesitar um pouco, Shirley decidiu expressar o que sentia.

“Sentimental? Eu?” Ao ouvir as palavras de Shirley, Cão ficou atônito e depois confuso. “Sério? Eu estive me lamentando e relembrando?”

“Sim”, Shirley assentiu repetidamente. “Normalmente, você ocasionalmente age como uma mãe superprotetora, mencionando eventos passados ou me dando um sermão, mas nunca esteve tão… sentimental. Fiquei desconfortável ouvindo.”

Cão parou gradualmente. Ele finalmente percebeu a leve influência que estava sofrendo. Após um momento de reflexão, ele inclinou a cabeça, suas órbitas vazias e aterrorizantes varrendo a floresta sinistra, o brilho avermelhado em seus olhos piscando lentamente.

“A floresta está nos afetando… é algum tipo de emoção”, disse ele com voz grave. “Uma ‘atmosfera’ baixa e opressiva paira sobre toda a floresta. Isso me faz pensar em coisas aleatórias, como… como estar imerso em uma mente vasta, sendo constantemente perturbado por ela…”

Os olhos de Shirley se arregalaram de nervosismo: “Ah… ah? Você quer dizer que esta floresta… tem pensamentos?! Você já foi afetado por ela? É grave?”

Cão balançou a cabeça para os lados: “Não, não deveria dizer que é esta floresta, mas sim este sonho… Não se esqueça do nome, Sonho do Inominado. O próprio sonho é algo criado pela mente… Mas não se preocupe, não é grave. Essa influência não parece ser direcionada, apenas uma interferência passiva do ambiente. Shirley, você está bem?”

“Eu estou bem”, Shirley apontou para si mesma, com uma expressão um tanto confusa. “É verdade, até você foi afetado, como é que eu não senti nada… Talvez seja porque sou mais despreocupada?”

“Se fosse tão simples, seria ótimo”, Cão murmurou em voz baixa. “Não baixe a guarda, a influência sutil é a mais perigosa. Quanto mais você acha que está bem, mais provável é que algo aconteça. Se sentir uma tristeza súbita ou pânico, me diga imediatamente.”

“Certo”, Shirley assentiu apressadamente. Então ela franziu a testa, olhando com inquietação para a floresta que parecia nunca ter fim, e disse em voz baixa: “Você acha que… quando o capitão vai nos encontrar? Não vamos ter o azar de ficar presos aqui para sempre, vamos?”

“Não vamos, não pense besteira”, Cão disse imediatamente. “Você não sentiu um chamado vago em seu coração agora mesmo? Isso significa que o capitão já sabe sobre isso. Ele deve estar pensando em uma maneira. Nós só precisamos nos proteger durante esse tempo.”

“Oh.”

Shirley respondeu obedientemente. Mas, nesse momento, um som estranho, como algo derretendo e escorrendo, um som viscoso, veio de repente de não muito longe, interrompendo a conversa entre ela e Cão.

Esse som arrepiante fez os pelos de Shirley se eriçarem instantaneamente. Ela puxou bruscamente a corrente preta ao seu lado: “Cão! Desta vez você ouviu…”

“Ouvi, está perto, tem alguma coisa—”

Cão disse rapidamente, já virando a cabeça na direção de onde o som estranho vinha. E quase ao mesmo tempo, uma cena incompreensível apareceu em sua visão e na de Shirley —

Um arbusto de repente começou a crescer descontroladamente. Grandes massas de matéria escura jorraram de entre as folhas densas, formando em um piscar de olhos inúmeros membros que se contorciam no ar. Nas extremidades dos inúmeros membros, abriram-se fendas finas, semelhantes a olhos. A árvore gigante ao lado, com uma série de sons estranhos, tombou como se estivesse “derretendo”, o tronco grosso escorrendo como lodo. A copa que cobria o céu perdeu seu suporte, mas em vez disso, começou a crescer em direção ao céu, e em uma luz e sombra distorcidas como chamas ilusórias, foi esticada e deformada em inúmeros flocos pálidos que flutuavam para baixo. A terra se agitava, como se de repente tivesse se tornado uma pele macia e pegajosa, ou como se algo aterrorizante estivesse perfurando o solo, prestes a emergir…

No segundo seguinte, vários sons estranhos e arrepiantes explodiram. O som de queima ilusória, o som de rastejamento viscoso e o som de silvos cheios de ruído encheram todas as direções em um piscar de olhos. As árvores mutantes se espalharam por todos os lugares visíveis em um instante. Tudo diante deles pareceu ganhar vida de repente e, em um crescimento loucamente distorcido, assumiu a aparência das profundezas de um pesadelo!

Tudo estava sofrendo mutação, tudo estava se distorcendo, tudo estava atacando os limites da percepção e da razão — bem diante de Shirley e Cão, este sonho se agitou, e a coisa sombria e maliciosa finalmente emergiu da terra. Eram sombras fluidas, e dentro das sombras havia formas e coisas que não podiam ser descritas com palavras. Parecia haver inúmeros olhos e dentes afiados empilhados no lodo que se contorcia e subia. Shirley só olhou para eles por um instante e percebeu a única coisa que deveria fazer.

“Corra!”

Ela só teve tempo de gritar isso. Antes que sua voz terminasse, ela já havia se virado e disparado, correndo em uma direção que parecia relativamente “estável” no momento. O terreno acidentado da floresta rolava e ondulava sob seus pés, e cada passo parecia pisar em algodão, ou na pele de alguma criatura de corpo mole, a sensação era nojenta e aterrorizante.

O corpo fortalecido pela simbiose com o demônio abissal liberou seu maior potencial neste momento. Ela sentiu que nunca havia corrido tão rápido em sua vida!

A corrente preta e sinistra foi esticada instantaneamente. Cão foi puxado por Shirley e voou para o ar, subindo e descendo com a corrida dela.

Shirley continuou a puxar Cão e a voar pela floresta. No entanto, depois de correr por um tempo, ela olhou para trás e viu que o pesadelo ondulante ainda a perseguia. Então, ela gritou com toda a força: “Troca!”

Antes que a voz terminasse, ela jogou a corrente em sua mão para a frente, e Cão foi arremessado para a frente —

Antes de pousar, Cão já havia ajustado sua postura, aterrissando firmemente com as quatro patas e, sem demora, usou o impulso do arremesso para continuar correndo descontroladamente!

Agora era a vez de Shirley voar pelo ar.

E nessas várias trocas, a “floresta” pesadelo, em constante mutação e distorção, sempre os perseguia, como uma ilusão de pesadelo da qual nunca se podia escapar.

Isso até deu a Shirley a terrível impressão de que toda a floresta havia ganhado vida e, com uma malícia furiosa, estava determinada a devorá-la e a Cão vivos, perseguindo-os e caçando-os de todas as direções!

Mas, felizmente, bem quando ela sentiu que realmente não conseguiria escapar, o “pesadelo” que a perseguia e se espalhava atrás dela diminuiu abruptamente a velocidade.

Assim como começou, a distorção e a corrupção da floresta pararam sem aviso —

Shirley puxou Cão e correu por mais algumas dezenas de metros antes de perceber tardiamente. Ela parou bruscamente ao lado de uma árvore gigante caída, virou-se para olhar a corrupção escura que havia parado de se espalhar à distância, seus olhos arregalados de espanto. Enquanto ofegava, ela disse: “Cão… arf… aquilo parou…”

O corpo enorme de Cão passou zunindo por ela devido à inércia e bateu em um monte de pedras próximo.

Após um estrondo enorme, Cão saiu com dificuldade do monte de pedras, balançando a cabeça e gritando: “O quê?!”

“Ah…” Shirley olhou para Cão com embaraço e apontou para a área escura e distorcida que havia parado de se espalhar à distância. “Aquilo parou de repente.”

“Espere um pouco…”, Cão resmungou, correu para o lado do monte de pedras e abriu a boca. “Blergh—”

Com o som de substâncias corrosivas queimando a terra e as pedras, o Cão de Caça Abissal tonto finalmente terminou de vomitar. Então ele balançou a cabeça, voltou lentamente para o lado de Shirley e olhou para o local onde a terrível corrupção havia parado.

Uma “fronteira” claramente definida permanecia na floresta. Deste lado da fronteira, ainda havia plantas exuberantes e cheias de vida. Do outro lado, já havia se transformado em um lugar arrepiante, cheio de sombras estranhas e distorcidas e substâncias rastejantes… um lugar inominável.

Inúmeras videiras vivas e sombras fluidas que emergiam do solo ainda se contorciam lentamente naquela área escura. Mesmo que não estivessem mais se espalhando para este lado, a visão ainda causava um pavor profundo.

Shirley nem se atreveu a olhar para lá por muito tempo. Ela finalmente controlou a respiração, sua voz ainda tremendo um pouco: “O… o que diabos é aquilo?”

“Eu não sei… não sou um especialista em sonhos”, Cão se aproximou de Shirley, olhando para a distância com extrema vigilância. “Mas esta pode ser a verdadeira aparência deste ‘Sonho do Inominado’… Alguma coisa mortal está se espalhando nas profundezas deste sonho, só que a escala do sonho é muito grande, e o capitão e os outros não viram da última vez — nós vimos.”

“Por que o azar sempre cai sobre mim…”, Shirley murmurou com uma carranca, mas logo fechou a boca e olhou com vigilância em uma certa direção.

Cão também desviou instantaneamente o olhar da área corrompida, um rosnado baixo vindo de sua garganta, enquanto encarava um espaço vazio a vários metros de distância.

Uma aura desconhecida se aproximava.

Embora não soubessem como a aura desconhecida apareceu, era evidente que… “alguém” estava entrando neste sonho.

Amigo? Ou inimigo?

Shirley e Cão sentiram uma sensação… familiar, mas ao mesmo tempo alarmante e desagradável, vinda daquela aura desconhecida.

No segundo seguinte, sob seus olhares, uma imagem nebulosa apareceu de repente no espaço vazio — como uma bolha de sabão em um sonho se tornando gradualmente clara, uma figura humana se condensou na imagem.

Um jovem alto e magro, com um rosto sombrio e vestindo um casaco azul-escuro, apareceu no espaço vazio.

No instante em que a figura do jovem apareceu, Shirley e Cão notaram uma imagem fantasmagórica de uma corrente escura piscando perto de sua omoplata, e no final da corrente, uma imagem sinistra, parecida com um pássaro, apareceu vagamente.

O olhar de Shirley mudou ligeiramente, e ela inconscientemente puxou a corrente que a ligava a Cão.

E o “intruso” não muito longe também reagiu instantaneamente. Ao perceber a presença de uma aura desconhecida no local, ele virou bruscamente o olhar.

A garota de vestido preto, de pé ao lado do Cão de Caça Abissal, apareceu em seu campo de visão.

Ele ficou surpreso por um instante e depois franziu a testa:

“…Esta área já está ocupada?”