Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 782: Escórias e Inércia
A areia fina na ampulheta continuava a fluir para baixo, parecendo que duraria muito tempo. Duncan segurava a ampulheta com cuidado em sua mão enquanto conversava com a antiga “divindade”.
Os deuses estavam apodrecendo. Não era a primeira vez que ele ouvia essa frase. Os papas dos Quatro Deuses já tinham lhe dito isso, e também afirmaram que o odor da decomposição dos deuses estava se infiltrando gradualmente no mundo mortal, corroendo o mundo junto com o apocalipse.
Mas esta era a primeira vez que ele ouvia isso da boca de um dos “deuses”, e percebia que a situação atual era o resultado de seus melhores esforços para retardar esse processo.
“Este abrigo, construído às pressas, tem muitos defeitos… Tudo é temporário. Aquela cortina, o ‘Sol’, a fundação das ilhas, e nós mesmos. Na verdade, antes mesmo do início da Primeira Longa Noite, nós já tínhamos encontrado o nosso próprio fim.”
No “Plano Espiritual” monocromático, a antiga Rainha Leviatã falava suavemente. Esta besta colossal e assustadora tinha uma voz gentil, que soava como um sonho flutuando em águas profundas, narrando lentamente a Duncan tudo o que havia acontecido:
“Levamos muito tempo para perceber nossa própria ‘morte’, e depois muito mais tempo para que Bartok, a partir deste nosso estado de ‘mortos-vivos’, entendesse o que realmente tinha acontecido.”
“Nós somos a ‘inércia’ do velho mundo.”
“A inércia do velho mundo?”, Duncan franziu a testa imediatamente, com algumas suspeitas surgindo em sua mente.
“Você já deve saber o que destruiu o nosso mundo, aqueles muitos e muitos mundos. Então, também deve saber que a Grande Aniquilação não destruiu completamente tudo de todos os mundos. Sempre sobraram algumas ‘escórias’ preservadas do processo de colisão, e nós, que somos chamados de ‘deuses’, também somos parte dessas escórias.
“Mas escórias são escórias justamente por não estarem mais completas. Quando a poeira se desprende da rocha, ela é apenas areia, não mais rocha. O mesmo vale para nós. O impacto da Grande Aniquilação alterou permanentemente nossa essência. Estritamente falando, a partir daquele dia, nós também nos tornamos parte daquelas ‘cinzas’ incandescentes… Mas, diferente das cinzas, nós mantivemos o nosso ‘eu’.
“Nós sabíamos o que éramos antes. Essa ‘consciência’ nos fez levantar das cinzas novamente, e até mesmo remodelar uma parte das cinzas restantes na forma que tínhamos em nossa ‘memória’.
“No início, isso nos fez pensar que teríamos a chance de reconstruir todos os mundos, de restaurar todas as cinzas. Mas não demorou muito para percebermos os limites dessa ‘reconstrução’ e notarmos nosso próprio enfraquecimento contínuo…
“Nós não estávamos verdadeiramente vivos. Éramos apenas a obsessão remanescente em corpos mortos. A ‘consciência’ de nós mesmos e a ‘memória’ do velho mundo eram as únicas razões pelas quais podíamos continuar a agir. E essa ‘consciência’ e ‘memória’… estavam se desgastando com o passar do tempo.
“Bartok, aquele entre nós que mais entendia da ‘morte’, chamou esse fenômeno de ‘inércia do velho mundo’. Ele acreditava que não sobrevivemos por nossa própria vontade ou poder individual, mas porque ‘o mundo não queria morrer’. Os velhos mundos foram destruídos na Grande Aniquilação, mas o fato de terem existido se transformou na ‘inércia’ pós-apocalíptica, tornando-se as várias escórias que ainda existiam depois da Grande Aniquilação. Tornando-se nós.”
“‘A consciência de si mesmo e a memória do velho mundo’…”, Duncan segurava a ampulheta com uma mão e coçava o queixo com a outra, pensativo. “Então, essa é a base para o nascimento do ‘Abrigo’?”
“Sim”, disse a voz gentil. “Usamos nossa memória e consciência para reconstruir a ‘pedra fundamental’ inicial a partir das cinzas. É por isso que no mundo mortal restam muitos ‘registros’ ambíguos que apontam para a Grande Aniquilação, mas nunca se encontra nenhuma ‘prova’ real que a confirme. Porque desde o início não existia tal ‘prova’. Até mesmo todo o Mar Infinito foi empilhado com as escórias que recolhemos das cinzas…”
“Mas mesmo essas escórias estão em constante declínio devido ao desgaste da nossa ‘consciência’ e ‘memória’… O ‘limite de vida’ projetado originalmente para o Abrigo veio daí.”
Duncan ouvia atentamente a narração de Gomona, ocasionalmente mergulhando em pensamentos e, em meio a eles, falava como se para si mesmo: “‘A inércia’ um dia se dissipará… Por isso, a Equipe de Exploração do Fim inevitavelmente encontraria aquele ‘limite’. Não importava quão perfeitamente cumprissem sua missão, ‘o fim do mundo’ já estava determinado no dia em que o mundo nasceu…”
Ele de repente se lembrou do que “Creta” lhe tinha dito:
“Continuar o Abrigo não tem sentido…”
“Sim, continuar o Abrigo não tem sentido”, repetiu a Rainha Leviatã em voz baixa. “Mas essa frase tem uma interpretação mais profunda: continuar a ‘adiar’ aquele apocalipse não tem sentido.”
O olhar de Duncan mudou ligeiramente. Ele ergueu a cabeça e olhou para o membro pálido prostrado na beira do poço, e viu aquele membro se erguer gradualmente, enquanto olhos se abriam lentamente em sua superfície.
“Você se lembra? O fim do mundo trazido pela Grande Aniquilação não terminou. Ele tem continuado lentamente na lógica mais fundamental de todas as coisas. O conflito de regras e a corrosão caótica são apenas suas manifestações superficiais. Em essência, é um confronto entre a ‘inércia’ e o ‘apocalipse’. Enquanto nós, a ‘inércia’, existirmos, enquanto o Abrigo existir, a Grande Aniquilação nunca vai parar. Ela continuará, até que tudo no mundo seja reduzido a pó. E então… o fim do mundo terá realmente acabado.”
O membro pálido baixou-se ligeiramente, e os olhos, que não eram humanos, mas pareciam cheios de um brilho de humanidade e intelecto, também se baixaram.
“Sim, Usurpador do Fogo. É precisamente porque ‘o mundo’ se recusa a morrer que o fim do mundo se recusa a parar. É precisamente porque ainda existimos que a Grande Aniquilação continua até hoje, e até este momento… ela ainda paira sobre as cabeças de todos os seres vivos.”
“Paira sobre as cabeças de todos os seres vivos…”, Duncan reagiu instantaneamente. “Você está se referindo à Criação do Mundo?!”
“…Aquela fenda é a forma como ela se apresenta aos olhos de um observador. Em essência, é um ‘resultado’, um ‘ponto focal’ que leva todas as possibilidades de todos os mundos a um único ‘fato de colapso’. Ela é o ‘desfecho’ do Mar Infinito.”
A voz de Gomona cessou, mas Duncan permaneceu em silêncio por um longo tempo. Depois de muito tempo, ele finalmente falou em voz baixa, como se para si mesmo: “Então, no dia em que este ‘mundo’ nasceu, seu ‘desfecho’ já pairava sobre sua cabeça.”
Depois de um tempo, ele olhou novamente para os “olhos” de Gomona e quebrou o silêncio: “Então, não importa qual plano seja adotado no final, devemos primeiro resolver aquele ‘apocalipse que nunca cessa’, devemos primeiro encontrar uma maneira de fazer a Grande Aniquilação terminar. Mas a única maneira de terminar a Grande Aniquilação é…”
Ele parou por um momento, mas a voz suave de Gomona disse a resposta por ele: “Deixar o fim do mundo ‘se completar’.”
O templo ficou em silêncio, um silêncio mortal como o da extinção do universo.
Muito tempo depois, Duncan soltou um suspiro suave: “Esta não deve ser a ‘conclusão’ final que você quer me dizer, certo? Há outras coisas que você ainda não me contou.”
“Sim, há outras coisas. Existem muitas maneiras de ‘completar’ o fim do mundo. Só que, dentro do nosso conhecimento e capacidade, ‘a aniquilação de todas as coisas’ é o resultado final de todos os caminhos. Mas, como eu disse, esta é apenas a conclusão ‘dentro do nosso conhecimento e capacidade’…”
O membro pálido baixou-se novamente, e então uma sombra nebulosa apareceu de repente à sua frente: era uma jovem de vestido longo e véu. Ela parou diante do poço e curvou-se profundamente para Duncan.
Muitos, muitos anos atrás, ela aprendeu a conversar com seus “amigos da terra” nesta forma, e só aparecia assim em ocasiões muito solenes.
“Usurpador do Fogo, você está fora do nosso conhecimento e capacidade. Estritamente falando, você nem sequer está dentro do alcance da influência da Grande Aniquilação. Embora tenha sido o primeiro de nós a chegar, embora tenha dormido nas cinzas primordiais o tempo todo, você… você não é uma ‘escória’.
“Não conseguimos entender o que você é, mas os cálculos do Líder do Horizonte Dois indicam que você é o único indivíduo ‘saudável’ entre nós. Talvez você tenha uma maneira de proteger as sombras dos velhos mundos quando aquele ‘desfecho’ acontecer.”
Duncan não falou, apenas franziu a testa com força, sua expressão mais tensa do que nunca.
Então, ele de repente pensou em algo: as “peças de coleção” que apareceram em seu quarto!
Ele ouviu a voz da “Donzela do Mar Tranquilo” continuar a soar em seus ouvidos:
“…Observação e cognição, memória e informação. Parece que estes são os pilares da existência do mundo. O Líder do Horizonte Dois me disse uma vez que ele veio de uma civilização gloriosa e avançada. Seus criadores quase tocaram as leis fundamentais do universo antes da chegada do apocalipse. E no auge da pesquisa mais profunda daquela civilização, um estudioso propôs uma conjectura.
“Esta conjectura é a parte mais impressionante no banco de memória do Líder do Horizonte Dois:”
“A informação é tudo. Tudo é a expressão da informação.”
“A informação é tudo… tudo é a expressão da informação…”, Duncan repetiu a frase instintivamente. Em transe, ele pareceu ouvir um “estrondo” vindo do fundo de seu ser, como se de repente tivesse entendido muitas coisas. A cena diante de seus olhos tremeu, com luz estelar difusa se espalhando nas bordas de sua visão. Então, essas ilusões se dissiparam gradualmente. Ele ouviu a voz da “Donzela do Mar Tranquilo” ao seu lado, nebulosa, como se de repente estivesse separada por uma cortina espessa:
“…O Líder do Horizonte Dois ainda reflete sobre esta frase até hoje. Seus criadores parecem ter tocado o limiar da verdade, mas só tiveram tempo de lançar esta conjectura. E com os recursos que nós, as ‘escórias’, possuímos, com as condições existentes no Abrigo, o Líder do Horizonte Dois acredita que talvez nunca consiga transformar esta conjectura em uma teoria e ‘meio’ utilizável. Mas a sua existência… o fez perceber uma coisa.
“Talvez tenha existido uma civilização, uma mais avançada que a dos criadores do Líder do Horizonte Dois, que já atravessou aquele limiar.”
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