Capítulo 783: A Passagem de Bastão

O estrondo que ecoava nas profundezas de sua consciência foi se dissipando, e a cena à sua frente se estabilizou novamente. A voz, antes abafada como se por um véu, tornou-se clara outra vez. A voz suave de Gomona era como uma brisa leve sobre a água: “…Usurpador do Fogo, como é o mundo aos seus olhos?”

“O mundo aos meus olhos…”, Duncan repetiu as palavras em voz baixa, pensando e relembrando instintivamente. Seu olhar passou pela figura fantasmagórica da jovem parada silenciosamente à sua frente, pelos enormes restos da Rainha Leviatã, e pelo poço. Em transe, um peixe saltou da água, mergulhou em sua mente e vagueou por sua consciência.

Ele piscou, e seu foco voltou para a “Donzela do Mar Tranquilo”. Após um momento de silêncio, ele disse: “O mundo aos meus olhos… muitas vezes é diferente do das pessoas comuns. Algumas coisas mudaram de aparência na minha percepção e, subsequentemente, mudaram também aos olhos dos outros. O Líder do Horizonte Um acredita que este é o poder do observador, mas eu sinto vagamente… que a situação não é tão simples.”

“Então, o julgamento do Líder do Horizonte Dois estava correto”, o fantasma da jovem pareceu sorrir. “Você, ou a civilização por trás de você… eles já tocaram naquela ‘resposta’.”

“…Então, se partirmos do nível mais fundamental da ‘informação’, teremos a chance de preservar tudo o que existe no Abrigo, sob a premissa de ‘completar’ o fim do mundo?”

“Se a ‘informação’ for de fato a essência de todas as coisas, e se dominarmos o método para remodelar o mundo a partir desse nível, então, teoricamente, podemos fazer qualquer coisa”, disse Gomona em voz baixa. “O verdadeiro ‘tudo’. Todas as possibilidades, todas as impossibilidades, o que nasceu no universo, o que não nasceu, o que foi aniquilado, e o que sobreviveu à aniquilação… Se a ‘informação’ puder expressá-los, então eles podem ser realizados de qualquer maneira… Mesmo que seja para fazer todas as coisas ‘nascerem’ após a ‘destruição’…”

O fantasma da jovem parou de repente, parecendo mergulhar em pensamentos. Depois de um bom tempo, ela balançou a cabeça suavemente: “Isso já é um domínio que não consigo compreender.”

“…Para ser sincero, essa também parece ser uma parte que eu não consigo compreender”, ponderou Duncan, falando com franqueza. “Pelo menos, a parte que o meu eu atual não consegue compreender.”

Gomona pareceu franzir a testa. O rosto de seu fantasma era indistinto, mas suas emoções eram tão ricas quanto as de um humano: “Lembro-me de você ter dito que possui uma ‘ordem completa’. O que é exatamente?”

O templo ficou em silêncio por um momento. Duncan pensou seriamente, organizando tanto suas palavras quanto as informações que conhecia até então, tentando entender a si mesmo e seu “estado” atual. Depois de um bom tempo, ele quebrou o silêncio: “É uma fatia de universo de 0,002 segundos. Uma civilização que atingiu o ápice da ordem, ao perceber que a Grande Aniquilação era inevitável, ‘cortou’ seu próprio mundo, extraindo da linha do tempo uma ‘amostra’ que não seria afetada pela Grande Aniquilação e a encapsulou…

“Essa amostra sou eu. É a ‘essência’ dentro do meu corpo atual.

“Pelo que eu entendo, essa fatia de universo de 0,002 segundos deve ser a condição necessária para criar um novo mundo… Como uma semente, um ‘parâmetro de inicialização’, um…”

Ele parou, sem encontrar a palavra, mas a voz de Gomona soou imediatamente: “Um ‘projeto’ completamente não contaminado, que ao mesmo tempo possui ‘autoconsistência’ e ‘completude’!”

Os olhos de Duncan brilharam ligeiramente: “Sim, é essa a ideia.”

“Sim, é isso… é exatamente isso!”, o fantasma de Gomona tremeu de repente, como se instável pela agitação. Desde o início da conversa, esta foi a primeira vez que sua voz mostrou um tom de empolgação. “É isso que o Líder do Horizonte Dois estava procurando… Um projeto puro e completo! Nós e as civilizações por trás de nós não conseguimos chegar a este ponto, por isso não podemos construir um ‘modelo’ completo de um mundo inteiro, por isso só podemos construir um Mar Infinito com uma vida útil limitada. Mas se tivermos um projeto completo…”

A areia na ampulheta de repente começou a fluir mais rápido. O som suave fez Gomona se acalmar instantaneamente. Ela se controlou, contendo suas emoções excessivamente ativas para economizar sua preciosa “vitalidade”.

“Se tivermos um projeto completo, talvez tenhamos realmente a chance de remodelar um mundo verdadeiro”, ela disse, esforçando-se para manter a calma. “Tivemos várias ‘criações de mundo’ fracassadas, e a razão fundamental é que não sabíamos como deveria ser uma ordem universal completa. Se considerarmos a ‘informação’ como a base de tudo, então a ordem no universo é a ‘fórmula’ que permite que toda a informação opere de forma autoconsistente. Resumir essa fórmula está além de nossa capacidade, mas você tem essa fórmula em mãos…”

“Mas eu só tenho a fórmula”, Duncan teve que interrompê-la. “Lembra-se do que eu disse antes? Eu preciso de matéria-prima, muita matéria-prima. Apenas uma semente não pode se transformar em uma árvore imponente, e apenas um projeto não pode construir uma casa. Eu ainda preciso de terra e tijolos.”

“Nós temos”, a voz de Gomona soou diretamente em sua mente, calma e firme.

A expressão de Duncan mudou ligeiramente. Por um instante, ele pareceu ter pensado em algo.

“…Se nos detonarmos, será o suficiente?”, a voz de Gomona de repente soou um pouco menos firme. Ela perguntou com cautela, com um traço de esperança e um pouco de inquietação, como se temesse não ser o bastante.

“…Você está falando sério?”, a expressão de Duncan mudou, seu tom um pouco complexo.

“…Como a ‘inércia’ do mundo, nós carregamos uma grande quantidade de ‘dados’ do velho mundo. O Líder do Horizonte Dois disse que esses ‘dados’ são ‘informação’. Embora ele ainda não tenha concluído a pesquisa de seus criadores, ele mais ou menos tocou naquele limiar”, o tom de Gomona era muito sério. “De acordo com seu julgamento, a ‘informação’ que carregamos é na verdade muito maior do que compreendemos e controlamos. Sua quantidade total excede a de todo o Mar Infinito muitas e muitas vezes, mas nos falta a capacidade de controlar a informação, então essa enorme ‘informação fundamental’ só pode ser desperdiçada, com uma pequena parte se tornando matéria-prima para construir o Abrigo, enquanto a maior parte apodrece lentamente conosco…”

“Mas você é diferente, Usurpador do Fogo. Sua civilização já atingiu esse patamar, você tem essa capacidade. Certamente pode nos detonar de forma adequada e eficiente. Mesmo que sejamos apenas as escórias do velho mundo, se todas as ‘escórias’ da ‘barreira externa’ inteira forem fundidas, talvez seja suficiente para completar uma vez…”

Ela parou, porque a areia na ampulheta acelerou seu fluxo mais uma vez.

Após dois ou três segundos de silêncio, ela continuou em voz baixa: “Aquilo que Salmir não conseguiu fazer naquela época…”

Salmir, era o nome do Rei dos Gigantes Pálidos. Ele tentou remodelar as estrelas, mas elas desmoronaram na longa noite, tornando-se parte do Subespaço.

Duncan não falou, mas sua expressão deixava claro que ele não estava muito disposto a aceitar o “plano” da Rainha Leviatã.

Emocionalmente, ele resistia instintivamente a essa sugestão. Racionalmente, ele também sentia vagamente que este plano não era adequado. A explosão de informações obtida ao “detonar” as carcaças dos Quatro Deuses e de todos os outros deuses antigos seria realmente suficiente para preencher um “projeto de criação do mundo”?

Embora fosse um pouco duro dizer isso, ele instintivamente sentia que esses “deuses”, incluindo Gomona… a “quantidade de informação” que eles carregavam, em comparação com um universo completo… realmente não era suficiente.

Eles eram apenas “deuses” minúsculos: a unidade central de uma nave espacial, o registrador histórico de um planeta, uma rainha besta marinha que só podia proteger um oceano, ou uma divindade primitiva encarregada da morte e dos rituais. O conhecimento e a memória que carregavam sobre o velho mundo não eram suficientes para descrever as estrelas.

Mas ele não conseguia dizer isso. A Rainha Leviatã o observava cheia de expectativa na beira do poço. Esta “deusa minúscula”… realmente acreditava que, ao se detonar, poderia adicionar algumas estrelas ao novo mundo.

Então, após um longo silêncio, ele apenas assentiu levemente.

“Não posso ter certeza agora. Parece um plano um tanto instável. Talvez devêssemos pensar em outras maneiras. Pelo menos… ainda deve haver algum tempo.”

“…Não temos muito tempo”, ponderou Gomona. “Se houvesse uma maneira melhor, seria ótimo, mas se não houver tempo suficiente… estaremos sempre aqui esperando sua resposta.”

Mais um pouco de areia escorreu pela ampulheta. Agora, restava muito pouco.

“Parece que está quase na hora de dizer adeus”, disse o fantasma da jovem, enquanto o membro pálido da besta gigante atrás dela afundava lentamente em direção à borda do poço. “Bartok disse que a vitalidade na ampulheta seria suficiente para eu ter a conversa necessária com você. Parece que devemos parar por aqui.”

Duncan olhou para a pouca areia que restava na ampulheta. Ele sabia que deveria preservar um pouco de “vitalidade”. Quando o momento final chegasse, ele ainda teria que voltar aqui para dar a Gomona a “resposta” final.

“Você tem mais alguma coisa para me dizer antes de nos despedirmos?”, perguntou Duncan.

Gomona não falou. Em vez disso, a mulher de manto branco, vestida como uma sacerdotisa, que esteve parada ao lado o tempo todo, aproximou-se e lhe entregou algo.

O olhar de Duncan se fixou instantaneamente: era uma chave de latão.

A chave de latão usada para dar corda na boneca!

“O que é isto?”, ele não pôde deixar de perguntar, atônito.

“‘Rotas’, as ‘rotas’ para todos os nós da barreira externa”, disse Gomona gentilmente. “O Líder do Horizonte Dois disse que só poderia ser entregue a você quando você chegasse aqui. Ela se apresentará em sua forma devida diante de seus olhos, e então, você naturalmente saberá como usá-la.”

Se apresentará em sua forma devida…

Duncan repetiu a frase em sua mente e, com um sentimento de incredulidade, pegou a chave de latão.

Era fria ao toque e pesada. A parte do cabo era diferente do símbolo do “infinito” da outra chave: sua estrutura era um anel com padrões complexos, atravessado por uma flecha que o cortava ao meio.

“Espero que seja útil”, disse Gomona com um sorriso.

Duncan soltou um longo suspiro e guardou a chave junto ao corpo: “…Claro, isto é muito útil.”

O fantasma de Gomona assentiu levemente: “Então, isso é tudo.”