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    Antes que o último raio de luz do pôr do sol desaparecesse no horizonte, Duncan avistou a fachada familiar da loja de antiguidades.

    Os postes de luz a gás ao longo da rua já estavam acesos, e a iluminação amarelada levemente desbotada destacava a placa acima da porta e as paredes cinzentas e desgastadas. As vitrines ao lado da entrada estavam iluminadas, o que indicava que Nina já havia voltado para casa — ela acendera as luzes do térreo e estava esperando pelo retorno de Duncan.

    Do ponto de vista de Duncan, ele e Nina tinham se conhecido apenas recentemente. Contudo, ao ver as luzes acesas no primeiro andar, ele sentiu uma inexplicável… culpa.

    Essa culpa era porque ele havia saído e demorado tanto para voltar?

    Duncan deu alguns passos à frente e empurrou a porta da loja de antiguidades. O sino pendurado na entrada tocou com clareza, e no instante seguinte, ele ouviu passos apressados vindo da direção da escada.

    Uma garota com um vestido simples desceu correndo como uma ventania.

    “Tio Duncan!” Nina parou no meio da escada, surpresa e contente ao ver Duncan na porta. Havia até um toque de incredulidade em seus olhos. “Eu pensei que você… de novo…”

    “Fui dar uma volta pela cidade e perdi a noção do tempo. Já estava quase escurecendo”, respondeu Duncan, balançando a cabeça. “Desculpe. Eu até pensei em ir até o Distrito da Encruzilhada para buscá-la na escola, mas acabei me envolvendo em um imprevisto.”

    “Você foi ao Distrito da Encruzilhada?” Nina olhou para Duncan, surpresa e confusa. Seus olhos o examinavam de cima a baixo, como se tentasse verificar se ele havia bebido ou se estava grogue por causa de remédios. “Me buscar… na escola?”

    Mais uma vez, o Tio Duncan exibiu um lado ao mesmo tempo estranho e familiar, deixando Nina sem saber como reagir.

    “Eu estava apenas curioso sobre como estão as coisas na sua escola”, Duncan comentou casualmente. “Mas, enfim, não precisa se preocupar que eu vá sair para beber ou ‘andar com amigos’. Se eu me atrasar ao voltar, será porque estou resolvendo algo importante. Entendido?”

    Nina ficou boquiaberta enquanto observava Duncan entrar, fechar a porta e caminhar com passos firmes e uma postura cheia de energia. Involuntariamente, ela assentiu.

    “Está ficando tarde”, Duncan disse enquanto subia a escada para o segundo andar. Ele se virou para Nina, que ainda estava parada no degrau. “Já jantou?”

    “Ainda… não”, respondeu Nina com uma hesitação perceptível, claramente ainda se acostumando às mudanças no comportamento do tio. “Quando cheguei, você não estava. Não sabia se você ia voltar hoje, então… não fiz nada. Mas comprei pão, estava pensando…”

    “Comer só pão não é nutritivo o suficiente. Venha, tem algo bom na cozinha”, disse Duncan. Ele estava prestes a subir o último degrau quando se virou e sorriu para Nina. “Hoje eu vou cozinhar.”

    O tio vai cozinhar?!

    Nina parecia ter ouvido algo absurdo. Mas antes que pudesse perguntar, viu Duncan já subindo rapidamente para o segundo andar. Sem escolha, ela o seguiu apressada. Enquanto subia, sua atenção foi atraída pela pomba que estava empoleirada calmamente no ombro de Duncan. Surpresa, ela perguntou:
    “Tio, essa pomba esteve com você o tempo todo?”

    “Sim, ela é bem apegada a mim”, Duncan respondeu sem pensar muito. “Ah, e eu dei um nome a ela. Ela se chama Ai.”

    “Ai? Para uma pomba… que nome estranho”, Nina comentou enquanto coçava a cabeça. Ao subir para o segundo andar e ver Duncan se dirigindo diretamente à cozinha, ela não pôde mais conter a curiosidade:
    “Você comprou alguma coisa?”

    “Na verdade, só um peixe seco”, respondeu Duncan, abrindo o armário da cozinha e pegando a peça dura e ressecada. Ele balançou o alimento para Nina, visivelmente satisfeito. “Não se deixe enganar pela aparência. É ótimo para fazer sopa.”

    “Peixe?!” Nina arregalou os olhos de surpresa. “Hoje é uma ocasião especial? Peixe é tão caro… Normalmente, nós nunca…”

    Finalmente, Nina conseguiu enxergar claramente o peixe seco nas mãos de Duncan. A aparência peculiar daquilo a deixou confusa, e ela piscou algumas vezes, olhando fixamente:
    “Que tipo de peixe é esse? Nunca vi algo assim antes.”

    Duncan já esperava essa reação de Nina.

    Os habitantes da cidade-estado conheciam peixes, é claro — apesar de o Mar Infinito ser perigoso e as profundezas abrigarem coisas ameaçadoras conhecidas como ‘Proles’, nem todas as áreas marítimas eram tão extremas quanto as regiões abissais. Graças à proteção dos deuses e às defesas naturais da cidade-estado, as águas rasas próximas à costa e algumas rotas abençoadas proporcionavam um nível relativo de segurança. Essas áreas ofereciam recursos preciosos para a sobrevivência das cidades-estado.

    As pessoas coletavam frutos-do-mar, minerais e, em rotas protegidas por bênçãos divinas, caçavam baleias e outros peixes com grande valor industrial. Esses recursos sustentavam tanto a população quanto o desenvolvimento industrial.

    Dessa forma, a profissão de ‘pescador’ existia, embora fosse bastante diferente.

    No entanto, o mar neste mundo era muito diferente do conhecido na Terra. Mesmo nas áreas ‘seguras’, a segurança era relativa em comparação com as profundezas. Assim, a pesca costeira era uma tarefa extremamente especializada, perigosa e frequentemente exigia conhecimentos sobrenaturais e habilidades de combate.

    Para as pessoas comuns da cidade-estado, o peixe era um alimento conhecido, mas incrivelmente caro.

    Mesmo morando perto do mar e com a abundância de peixes no oceano, Nina não comia peixe havia muitos anos — nem mesmo antes de Duncan adoecer. Para uma família comum como a deles, era raro ter peixe à mesa.

    Se peixes comuns já eram tão raros, nem se falava em algo vindo das profundezas.

    Duncan suspeitava que o peixe das profundezas que ele pescou a bordo do Banido provavelmente era o primeiro de sua espécie a aparecer na cidade-estado de Pland. Não apenas Nina, mas até mesmo os governantes e sacerdotes mais influentes provavelmente nunca tiveram a chance de experimentar algo assim.

    Nina estava prestes a ter muita sorte naquela noite.

    “Não se preocupe com o tipo de peixe. Apenas se sente e aproveite a refeição”, disse Duncan. Sabendo que não seria fácil explicar de onde veio o peixe, ele decidiu não entrar em detalhes. Virando-se para a cozinha, começou a preparar o jantar.

    O peixe era grande — mesmo depois de seco, ainda tinha um tamanho impressionante. Como não seria possível consumir tudo de uma vez, Duncan cortou a peça em duas partes, separando a cabeça para usar na sopa. O restante poderia ser amarrado com uma corda e deixado para secar ainda mais, aprimorando o sabor.

    Enquanto via Duncan se mover na cozinha, ocupado com o preparo do jantar, Nina sentiu como se estivesse em um sonho.

    Ela realmente não se importava com o tipo estranho de peixe ou mesmo com o que jantariam naquela noite. Comparado a esses detalhes, a mudança em seu tio era infinitamente mais intrigante — e digna de atenção.

    O som da faca batendo na tábua de corte ecoava, o fogão a gás chiava suavemente, e bolhas começavam a se formar na panela de caldo.

    Nina ficou um pouco absorta. Há quanto tempo não via uma cena assim?

    Seu rosto demonstrava hesitação. Após alguns segundos, parecia ter tomado coragem, e então falou para as costas ocupadas de Duncan na cozinha:
    “Tio, amanhã… o Sr. Morris vai fazer uma visita.”

    “Visita?” Duncan parou de cortar os ingredientes ao ouvir isso, claramente surpreso. “Sr. Morris… aquele seu professor de história?”

    Nina assentiu.
    “Sim.”

    “Os professores dessa escola fazem visitas domiciliares?” Duncan colocou os pedaços de peixe na panela, lavou a faca na pia e olhou para Nina, surpreso. “Achei que isso fosse algo exclusivo das escolas da classe alta no distrito superior.”

    “Na verdade… não é uma regra da escola”, Nina explicou com cuidado, enquanto observava a reação do tio. “Mas o Sr. Morris é um caso especial. Ele… se preocupa muito com os alunos.”

    Duncan permaneceu em silêncio por um momento.

    A situação estava um pouco além do que ele havia previsto.

    Ele nunca imaginou que, enquanto desempenhava o papel de ‘Capitão Duncan’ na cidade-estado, teria que lidar com algo tão inesperado quanto isso!

    Duncan havia considerado a possibilidade de interagir com a Igreja, com os guardas locais e até mesmo com a marinha ou as forças policiais da cidade-estado. Em seus planos, todas essas interações estavam repletas de chamas verdes, espadas, e as mais de cem armas secundárias do Banido.

    Mas ele nunca incluiu em seus planos lidar com o velho professor de história de uma escola pública.

    Por que a realidade sempre parecia tão imprevisível?

    “Tio?” Nina finalmente interrompeu o silêncio, preocupada com a falta de resposta de Duncan. “Você não quer, não é? Posso falar com o Sr. Morris… Na verdade, já conversei com ele hoje. Eu disse que você não está bem de saúde, então não poderia receber visitas desta vez. Ele não disse muita coisa…”

    Olhando para a expressão levemente ansiosa de Nina, Duncan percebeu que havia mais naquela situação.

    O Sr. Morris claramente já havia pedido para visitar antes.

    Quantas vezes Nina já teria recusado o pedido usando a mesma desculpa?

    “… Ele é professor de história, certo?” Duncan perguntou novamente, como se quisesse confirmar.

    Embora confusa sobre por que o tio estava repetindo a pergunta, Nina assentiu:
    “Sim, ele é.”

    “Ótimo. Estou ansioso para conversar com alguém especializado em história”, Duncan respondeu com um sorriso. “A que horas ele vem amanhã?”

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