Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 91: História Corrompida
A chamada ‘escola pública’ da cidade-estado de Pland era algo completamente diferente das verdadeiras universidades do Distrito Superior.
Essas instituições, financiadas pelo governo municipal, não existiam para formar acadêmicos.
Seu objetivo principal era treinar operários especializados para as fábricas do Distrito Inferior e para os mecanismos a vapor da Igreja—ao mesmo tempo em que forneciam uma educação básica para erradicar o analfabetismo.
Com isso em mente, não era difícil imaginar o nível dos recursos disponíveis na escola pública do Distrito da Encruzilhada.
Duncan estava encontrando Morris pela primeira vez, mas, mesmo com apenas essa interação inicial, já conseguia perceber a profundidade de seu conhecimento acadêmico.
O professor era um verdadeiro especialista.
Ele conseguia, com um único olhar, identificar um artefato autêntico no meio de um monte de quinquilharias, determinando sua origem, idade e contexto histórico com precisão.
Um homem com esse nível de expertise seria mais do que qualificado para ensinar em uma universidade do Distrito Superior.
Para falar objetivamente, seu vasto conhecimento estava sendo desperdiçado no Distrito da Encruzilhada.
Nina já havia mencionado que poucos alunos se importavam com as aulas do professor Morris.
Na realidade, o simples fato de permanecerem acordados durante uma aula inteira já era considerado um gesto de respeito.
Além disso, Morris não apenas detinha um vasto conhecimento acadêmico, como também possuía dinheiro suficiente para comprar uma adaga de um século de idade sem hesitação.
O simples fato de carregar um talão de cheques consigo já o colocava acima da média dos cidadãos comuns.
Duncan ponderou um pouco.
Perguntar diretamente “Como você tem tanto dinheiro?” seria grosseiro.
Mas havia maneiras mais sutis de conduzir a conversa.
Ele sorriu ligeiramente e perguntou:
“Tenho que admitir que estou curioso…”
“Um acadêmico do seu calibre… por que escolher permanecer em uma escola pública no Distrito da Encruzilhada?”
“… Você não é o primeiro a me perguntar isso.”
Morris sorriu levemente, como se já estivesse acostumado a essa dúvida.
Enquanto guardava cuidadosamente a adaga e os documentos da transação, explicou:
“Não há nenhum grande mistério nisso. É simples: envelheci. Fiquei cansado da pressão acadêmica excessiva das universidades do Distrito Superior. Disputar recursos escassos com jovens pesquisadores… não me parecia algo agradável. Então, preferi me afastar e encontrar um lugar mais tranquilo para concluir meus estudos. E, no final das contas, poder transmitir conhecimento para os mais jovens também tem seu valor, não acha?”
Duncan percebeu que havia algo não dito nessa explicação.
O professor provavelmente estava ocultando parte da verdade.
Mas, como ficou claro que ele não queria se aprofundar no assunto, Duncan não insistiu.
Em vez disso, comentou de maneira casual:
“Bom… segundo Nina, seus alunos não parecem valorizar muito seu ensino. Em um Distrito Inferior onde a sobrevivência é uma luta diária, não acha que buscar pelo esplendor do Antigo Reino de Creta pode ser um luxo distante demais?”
Morris balançou a cabeça lentamente.
“Mesmo nas vielas mais escuras e imundas, enquanto houver mentes pensantes, a história sempre terá seu valor. É por meio dos séculos de história que conseguimos chegar até aqui. Os humanos são seres de vida curta. Mas é através da preservação e reverência ao passado que nossa civilização sobrevive além das gerações. É isso que nos diferencia das criaturas cegas e sem propósito que habitam o Mar Profundo. Elas são antigas, mas não sabem registrar sua história… E por isso… jamais poderão nos destruir completamente.”
“Claro, senhor Duncan, você também não está errado”, Morris admitiu, com um leve aceno de cabeça.
“No Distrito Inferior, poucas pessoas estão dispostas a ouvir minhas palestras intermináveis… Mas, mesmo que eu tenha ensinado apenas um único aluno, sinto que esses anos de trabalho não foram em vão.”
Ele continuou a falar nesse ritmo tranquilo, mas então pareceu perceber algo.
Com um sorriso gentil e um tanto apologético, acrescentou:
“Perdão… velhos hábitos. Acabei discursando demais.”
“Não há problema algum. Na verdade, eu acho essa ‘palestra’ muito valiosa.”
Duncan acenou com a mão, desconsiderando qualquer necessidade de desculpas.
“Na verdade, eu ficaria feliz em conversar mais com você. Veja bem, você é um especialista em história… E eu sou um antiquário. De certa forma, somos colegas de profissão.”
E, claro, se também levasse em conta sua experiência como professor…
Duncan seria literalmente um colega.
“Se eu fosse julgar apenas pela minha primeira impressão desta loja, jamais teria acreditado nesse seu comentário sobre sermos colegas”, Morris disse, abrindo as mãos de forma descontraída.
“Mas agora… começo a acreditar um pouco mais. Afinal, você tem pelo menos um item autêntico.”
Duncan manteve a expressão completamente serena, mas, internamente, não pôde deixar de pensar:
‘Um item autêntico? Se você soubesse…’
Desde o momento em que Morris preencheu o cheque, Duncan já havia mentalmente avaliado todo o estoque do Banido.
Se não fosse pelo risco de saturar o mercado, ele já teria planejado a abertura de pelo menos oito filiais da loja de antiguidades.
Mas ele se forçou a manter a compostura, continuando a conversa com um leve sorriso.
“Ouvi de Nina que sua especialidade é história antiga—mais especificamente, o período pós-Antigo Reino de Creta, correto?”
“Para ser mais preciso, somente o ‘pós’.”
Morris corrigiu imediatamente.
“O Antigo Reino de Creta marca o início da era da civilização pós-Mar Profundo. Antes do Reino Antigo, havia apenas o Grande Aniquilamento—o evento que interrompeu completamente a continuidade da história. Ninguém sabe como era o mundo antes desse ponto. As únicas descrições que existem vêm das lendas contraditórias transmitidas de uma cidade-estado para outra.”
Duncan ponderou por um momento.
“Uma ruptura na linha do tempo da civilização… Seria algo como um horizonte de eventos na história?”
Morris arqueou as sobrancelhas.
“Horizonte de eventos?”
“É um conceito”, Duncan explicou.
“Se aplicarmos essa ideia ao Grande Aniquilamento, podemos imaginá-lo como uma barreira invisível no tempo. Nenhuma informação pode atravessá-la. Não importa se é por observação direta ou por conexões causais, tudo é interrompido nesse ponto. Você nunca poderá saber o que existia antes dessa barreira. É como se o eixo do tempo só tivesse começado a existir a partir desse limite.”
Os olhos de Morris se iluminaram.
Por um momento, até sua postura ficou mais ereta.
“Que conceito fascinante!”
“Um horizonte de eventos na história… Uma barreira temporal que separa o que podemos conhecer do que está perdido para sempre…”
Ele balançou a cabeça, impressionado.
“Realmente uma metáfora perfeita!”
Morris então sorriu, seu tom demonstrando uma certa admiração.
“Senhor Duncan, peço desculpas por minha primeira impressão equivocada sobre você… Eu vejo agora que subestimei sua perspicácia. Você é muito mais erudito do que eu havia imaginado. Por acaso você também se dedica ao estudo da história antiga?”
“Não”, Duncan respondeu prontamente. “Não sei quase nada sobre história. Minha mente só funciona de forma flexível, e, às vezes, consigo pensar em boas analogias.”
Ele sabia que manter um tom modesto era a melhor abordagem.
“Mas eu realmente tenho muita curiosidade sobre o Grande Aniquilamento…”
“Você mencionou que não há um consenso acadêmico sobre o que veio antes, mas que os registros históricos das cidades-estado contêm relatos contraditórios. Que tipo de registros seriam esses?”
“São apenas lendas e relatos incertos… mas, de fato, já pesquisei algumas dessas histórias”, Morris disse, refletindo por um momento antes de continuar.
“Por exemplo, a cidade-estado de Pland preservava uma antiga transcrição manuscrita datada do Ano 1069 do Novo Calendário das Cidades-Estado.
“O documento original foi perdido, mas a cópia descrevia o mundo antes do Grande Aniquilamento da seguinte forma:
‘O mundo era uma esfera que flutuava no vasto oceano estelar.
O céu era adornado por incontáveis astros, pontilhando a noite como joias reluzentes.
Um único sol brilhava sobre o mundo durante o dia, enquanto três luas iluminavam a escuridão.
A humanidade habitava três continentes.
Um desses continentes era permanentemente coberto de gelo, e para torná-lo habitável, seus habitantes construíram um gigantesco domo, criando um ambiente de primavera eterna.
A energia desse domo foi modelada a partir do sol celestial, extraindo combustível de um elemento encontrado na água do mar.
Essa fonte de energia era praticamente inesgotável… ’”
Morris fez uma pausa, dando tempo para Duncan assimilar a informação.
Então, retomou:
“Mas há também outros relatos, completamente diferentes. Próximo de Porto Frio, exploradores descobriram um antigo registro entalhado em rochas. Esse registro também descrevia o mundo antes do Grande Aniquilamento… Mas quando os estudiosos finalmente decifraram o texto, ficaram perplexos.
‘Nosso mundo natal já estava exaurido.
Assim, a humanidade abandonou sua terra-mãe e embarcou na gigantesca nave estelar chamada Abinixus.
A Abinixus navegava pelo vazio, capturando poeira cósmica e gases dispersos para se abastecer.
A jornada durou 47.000 dias e noites.
Até que um dia, fomos envolvidos por um brilho ofuscante e um vórtice colossal.
A nave foi despedaçada pelo turbilhão, e seus sobreviventes emergiram do oceano, deixando suas memórias sobre o lar perdido gravadas nas paredes das cavernas… ’”
Morris balançou a cabeça, como se ainda estivesse tentando compreender a discrepância entre esses relatos.
“Essas versões já são bastante conflitantes, mas nenhuma delas é tão peculiar quanto os mitos dos elfos de Porto Brisa.”
Ele suspirou antes de continuar.
“Os elfos possuem uma longevidade milenar. Se alguém deveria ter uma história documentada mais precisa, seriam eles. Porém, por razões desconhecidas, os registros históricos de Porto Brisa são os mais fragmentados, distorcidos e incompletos entre todas as cidades-estado. Muitos de seus antigos arquivos foram transformados em ‘manuscritos perdidos’, impossíveis de decifrar devido a anomalias inexplicáveis. E devido à severa contaminação, vários desses textos tiveram que ser lacrados. No entanto, os elfos ainda preservam suas tradições por meio de poemas transmitidos oralmente. E, de acordo com esses versos…
‘O mundo era um sonho, uma visão onírica do Grande Deus Demoníaco Saslokar, que dormia em um estado entre o sono e a vigília.
Os elfos surgiram dentro desse sonho, desempenhando o papel de manter o deus adormecido.
Mas certo dia, Saslokar sonhou com um dilúvio.
Ao despertar repentinamente, a enchente vazou de seu sonho para a realidade, arrastando consigo os elfos.
Com seu despertar, o Grande Deus deixou de existir.
E os elfos, incapazes de retornar ao seu lar de paz eterna, foram forçados a viver na era do Mar Profundo, após o Dilúvio… ’”
Morris suspirou e recostou-se levemente.
“Como você pode ver… O passado não é apenas nebuloso. É um caos absoluto.”
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