Capítulo 42 - Escolha
O som das botas batendo contra o chão ecoou pelo apartamento quando Evellyn abriu a porta e entrou, tirando e jogando o casaco no cabideiro de qualquer jeito. Brigitte também entrou logo atrás dela, com os olhos brilhando enquanto observava cada detalhe da casa de seus contratantes com um misto de curiosidade e empolgação.
— Uau! Então é aqui que vocês moram? — disse ela, girando sobre o próprio eixo, olhando para cada canto da sala. — É bem diferente das casas de Puorville.
— Bem-vinda ao meu humilde lar. — falou Evellyn, fazendo um gesto exagerado com as mãos e a cabeça.
— Eu adorei! — Brigitte foi direto até a janela, olhando a cidade abaixo. — Vocês têm uma vista incrível!
Niko fechou a porta de casa e se encostou contra a parede, observando Brigitte explorar cada canto como uma criança fascinada.
— Não toque nas minhas coisas. — avisou Evellyn.
— Tá bom, tá bom. Eu só quero conhecer o lugar.
Brigitte caminhou até a estante, passando os dedos pelos livros. Depois foi até a cozinha, espiando os armários. Então, percebeu algo pequeno e peludo deitado sobre o sofá.
— Oh! Um gatinho!
Com um salto, Brigitte se jogou ao lado do felino e pegou-o no colo antes que ele pudesse fugir.
— Awnnn, você é uma coisinha tão fofa! — ela o abraçou, esfregando o rosto contra seu pelo macio e laranja.
O gato laranja ficou rígido por um instante, depois começou a se debater, claramente irritado com o carinho forçado.
— Eu acho que ele gostou de mim! — disse Brigitte, segurando o gato como se fosse um bebê.
— Eu duvido um pouco disso, para falar a verdade. — comentou a elfa, rindo.
— Que nada! Você não entende nada de gatos, chefe!
O gato, impaciente, soltou um miado e afundou as garras na blusa da garota. Se libertando do colo da mulher e correndo para debaixo do sofá.
— Ai! Treituor! — Brigitte fez beicinho, massageando o local arranhado.
Evellyn se jogou em uma poltrona, rindo da situação.
— Você deve ser a primeira pessoa que ele rejeita tão rápido.
— Bem, eu vou conquistar o amor desse bichano. É só uma questão de tempo.
Brigitte, mesmo com a rejeição do gato, tentou se comunicar com ele debaixo do sofá. Enquanto isso, Niko se afastou para a cozinha, pegou um copo de água e se sentou na mesa de jantar. Evellyn olhou para ele, percebendo a tensão no rosto do garoto, se aproximou e sentou-se com ele.
— Você está muito calado. — comentou ela.
Niko apenas deu um gole na água e a encarou.
— Me diz uma coisa, Evellyn… — ele baixou um pouco a voz. — Foi mesmo uma boa ideia trazer ela para cá?
A elfa suspirou, já esperando por aquela pergunta.
— Ah, lá vamos nós.
— Você sabe que estamos sendo caçados. Você mesma disse que alguém está eliminando nossas pistas. Se ela for uma infiltrada, acabamos de convidá-la para dentro da nossa casa.
— E por que ela seria uma espiã?
— Porque estamos sendo caçados e não podemos confiar em ninguém.
Evellyn cruzou os braços, pensando em como poderia mudar o pensamento de Niko.
— Tá, vamos pensar logicamente. — ela começou. — Nós não colocamos nossos nomes no anúncio, nem nenhuma informação que dissesse quem nós éramos. E se ela fosse uma infiltrada, teria provavelmente inventado um objetivo de vida menos ingênuo e não parecer tão… empolgada. Entende? Seria alguém menos chamativa.
Niko ficou em silêncio, considerando os argumentos apresentados.
— Além disso… — Evellyn continuou. — Você viu do que ela é capaz. Se ela quisesse matar a gente, já teria feito isso.
— E se ela não quisesse matar a gente?
Evellyn inclinou a cabeça para o lado, ainda tentando entender o que se passava na mente do amigo.
— Como assim?
— E se o objetivo dela não for nos matar, pelo menos, não agora?
Evellyn bufou, mas deixou que ele continuasse.
— Se alguém está eliminando qualquer pista sobre o meu passado, pode ser que tenham mudado a estratégia. — ele explicou. — Em vez de simplesmente mandar outra assassina como a Clementine ou uma negociante como a Hyandra, eles podem ter decidido nos vigiar de perto.
Brigitte, que ainda estava tentando conquistar o gato sob o sofá, não percebeu que era o tema da conversa.
— Você acha que ela pode ser uma informante?
— Ou alguém que vai nos levar para uma armadilha. — Niko estreitou os olhos. — Já pensou nisso? Ela se junta a nós, ganha nossa confiança, tudo isso para nos trair no final…
A garota revirou os olhos, não acreditando nem um pouco na teoria de Niko.
— Acho que você está lendo muitos livros de ficção.
— Evellyn, eu só quero garantir que não estamos cometendo um erro.
A elfa suspirou, pensativa. Por mais paranoico que fosse, Niko tinha razão em ser cauteloso. Mas ele estava sendo muito mais do que o necessário, além disso, ela sentia que Brigitte não era uma ameaça, então sentia que aquela suspeita era desnecessária.
— Olha… eu entendo sua preocupação. Mas eu simplesmente não consigo ver isso nela.
— É exatamente isso que uma boa espiã faria.
Evellyn riu pelo nariz.
— Tá bom, então vamos colocar isso à prova.
— Como?
— Simples. — ela apontou para as cartas na mesa ao lado da porta. — Vamos aceitar uma missão e ver como ela se sai no trabalho real. Não só em combate, mas também em como ela reage às situações, e se ela fizer algo suspeito, eu te dou razão. A gente trouxe ela aqui por isso mesmo. O que me diz?
Niko tamborilou os dedos na mesa, ainda não estando completamente convencido da ideia.
— E se for tarde demais até lá?
— Se for tarde demais, pelo menos vamos ter uma luta justa. — Evellyn sorriu de canto.
Niko soltou um suspiro cansado.
— Você realmente gosta de se arriscar, né?
— Eu gosto de confiar nas pessoas.
Ele ficou em silêncio por um momento, ainda pensando no que deveria fazer. Mas, no fim, apenas desviou o olhar e deu de ombros, aceitando a proposta de Evellyn.
— Tá bom. Vamos ver no que isso vai dar.
Nesse momento, Brigitte se levantou do chão com uma feição triste, dando breves palmas, limpando a poeira das mãos.
— Não consegui pegar o gato. Que droga. — então percebeu os olhares dos dois. — Ei, o que vocês estavam conversando?
— Ah, nada de mais. A gente só estava decidindo qual vai ser nossa primeira missão juntos.
— Missão?! Eu estou dentro! — respondeu Brigitte, com os olhos brilhando.
Evellyn puxou a pilha de cartas da mesa ao lado da porta e as folheou rapidamente com os olhos, separando três envelopes do resto. Ela pegou as cartas e levou até a mesa de jantar, onde Niko e Brigitte estavam sentados.
— Aqui estão as opções. — disse ela, rasgando o primeiro lacre de cera e puxando a folha de dentro. Limpou a garganta e começou a ler.
“Prezados,
Tenho um trabalho para indivíduos habilidosos e discretos. Um colecionador excêntrico possui um artefato valioso que me interessa. Desejo tê-lo. O pagamento será generoso e detalhes só serão fornecidos pessoalmente. Se estiverem interessados, compareçam ao endereço abaixo amanhã à noite.
Sigilo absoluto é exigido.
— Um cliente que valoriza discrição.”
— Huh, um roubo direto? Gostei. Eu apoio a gente fazer essa aqui.
Brigitte bateu as mãos na mesa, causando um barulho alto e chamando a atenção dos dois.
— Mas nem pensar que a gente vai fazer isso! — disse ela, indignada. — Roubar é errado e não cometeremos crimes!
— Ah, qual é. — Evellyn suspirou. — É um roubo bem pago. Eu já fiz isso centenas de vezes.
— Não importa o dinheiro ou a recompensa, nada vai me fazer roubar alguma coisa! Eu não ligo que você já tenha feito isso antes, enquanto eu estiver nesse grupo, a gente não irá cometer nenhum crime!
Eu concordo com a Brigitte. — disse Niko, interrompendo a conversa das duas.
— Hah?! Mas, mas…
— Sem mais, esse contrato está fora de cogitação.
Evellyn abaixou a cabeça, triste por não poder fazer o roubo, enquanto Brigitte deu um pulinho de alegria.
— Yey!
Sem mais nada que pudesse ser feito, Evellyn abriu o segundo envelope, lendo em voz alta para todos da sala.
“Mercenários,
Preciso de proteção durante um evento particular. O motivo do pedido não pode ser revelado, apenas que a segurança deve ser garantida até o fim da noite. A missão exige discrição e atenção. O pagamento será feito ao término do trabalho.
Caso aceitem, compareçam ao endereço abaixo antes do pôr do sol.
— Um anfitrião cauteloso.”
— Ele não diz quem é, nem por que precisa de proteção. — comentou Niko.
— E ainda insiste na tal “discrição” sem motivo. — completou Brigitte, cruzando os braços. — Isso parece suspeito.
— E se for só um nobre paranoico? — sugeriu Evellyn.
— Ou um criminoso precisando de guarda-costas? — Niko rebateu.
— Deixa eu adivinhar, a gente também não vai fazer essa missão?
Evellyn somente olhou para o rosto dos dois, que não falaram nada, somente a encararam. A expressão facial dos dois dizia mais do que o suficiente, aquele contrato também estava fora de cogitação. Sabendo disso, a elfa suspirou e jogou a carta na mesa, deixando-a de lado.
— Tá bom. Então vamos para a última.
Ela abriu o terceiro envelope e começou a ler.
“Prezados,
Escrevo-lhes porque algo estranho aconteceu na minha fazenda. Um dos meus bois foi encontrado morto dentro do celeiro esta manhã. Não há sinais de arrombamento, nem pegadas na neve do lado de fora. Os outros animais estavam intactos.
Não sei o que pode ter causado isso, mas preciso de ajuda antes que aconteça de novo. Pago bem para quem puder descobrir o que houve.
Se aceitarem, me encontrem na minha fazenda, a fazenda Ostrav.
— Sigurd Keller.”
Antes mesmo de Evellyn terminar de ler, Brigitte já estava sorrindo.
— Essa!
— Você nem ouviu tudo ainda. — Niko a olhou de lado.
— Não importa! É uma missão de verdade, um mistério! Isso é coisa de…
— Uma heroína? — complementou Evellyn.
Brigitte bateu os punhos na mesa, empolgada.
— Exatamente! Além disso, um fazendeiro precisa de ajuda, e ninguém mais vai resolver isso por ele!
Niko pegou a carta e a leu de novo, mais devagar. Algo naquela história o incomodava.
— Se o celeiro estava trancado e não houve sinais de invasão, como o boi morreu?
— E é isso que nós vamos descobrir! — disse Brigitte, cruzando os braços com um olhar determinado.
Evellyn sorriu e olhou para Niko.
— O que diz, maninho?
Ele suspirou e colocou a carta na mesa.
— Certo. Vamos ver o que está acontecendo nessa fazenda.
Brigitte comemorou com um soco no ar.
— Mal posso esperar por isso!
Evellyn riu pela atitude da garota, se espreguiçando em seguida.
— Certo, amanhã de manhã partimos para o interior. Até lá, podemos descansar.
Niko olhou de novo para a carta do fazendeiro, ainda confuso com aquela história. Naquele momento, ele sentiu que essa missão poderia ser muito mais estranha do que parecia.
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